Sentadas lado a lado no banco do lado de fora do hospital, acenderam um cigarro praticamente juntas. Melinda não sabia que Chandelly fumava então olhou para ela com um ar de estranheza.
- O que foi? - Chandelly perguntou enquanto exalava a fumaça pelas narinas.
- A princesa do Universo fuma? Essa é nova...
Chandelly riu, parecia estar se divertindo. Cruzou as pernas e se virou para Melinda:
- Pensei que fosse você a princesa do Universo...
- Eu sou uma farsa! Todos sabem disso. - Melinda bateu as cinzas na beirada do banco.
- Pra você saber... eu também.
Embora soubessem que o que as unia naquele momento era um Eduardo em coma após um acidente de carro, passaram mais de uma hora não lembrando da existência dele. Melinda era a melhor amiga dele desde que o conhecera e Chandelly era o passaporte dele para a liberdade. Naquele momento Eduardo não existia, tudo que existia era um café ruim num copo de plástico e dois maços de Marlboro vermelho. Um para cada uma. Ficaram em silêncio olhando pra garoa fina que caia, cada uma a sua maneira, tentando entender o sentido da vida.
- Posso te fazer uma pergunta?
- Pode...
- Por que você se chama Chandelly?
Chandelly riu novamente. As pessoas normalmente ficavam curiosas por ela ter nome de doce, mas nunca efetivamente tinham perguntado o motivo, achavam invasivo. Nem mesmo Eduardo nunca tinha perguntado.
- É um motivo bem idiota. Meu irmão mais velho era doente por essa porcaria. Quando descobriram que eu era uma menina ele bateu o pé que queria que eu me chamasse assim, porque eu seria uma menina doce como o doce predileto dele. Virou uma brincadeira: o nenê vai se chamar Chandelle, Chandelle, Chan Chan... no fim acabou que não pensaram em nenhum nome melhor e me registraram Chandelly...COM Y.
Melinda se engasgou com a fumaça de tanto rir:
- Eu não to acreditando!
- É seríssimo, seríssimo...
- Podia ser pior, vai!
- O que pode ser pior do que se chamar Chandelly? COM Y? Passei metade da vida sendo zoada. Pior: meu irmão se chama Heitor. Heitor! Um nome normal! Mas o meu, ah, Chandelly...
- Você é a melhor! Bonita, bem sucedida, dentista toda cheia de status... tinha que ter algum defeito né. Nem é tão grave... Chandelle é moh bom!
- Eu não sei porquê passo a impressão de perfeição, mas agradeço.
- Porque você tem o que todos querem, você sabe disso!
- Sabe Melinda, ter o que você chama de status ou "poder comprar o que eu quiser porque sou dentista de um puta consultório que vou herdar" - cara, eu ouço isso todo... santo... dia!! - não é a resposta. E aí quando eu vejo que nem eu, que poderia me vangloriar de tudo isso, não tenho a tal da resposta, eu me sinto uma merda.
- Sabe... as vezes eu fico pensando, estamos procurando a resposta do que exatamente?
- Da vida? Do sentido da vida? Ficam: ah mas a sua vida só é completa se você for bem sucedido, rico, magro, bonito e os caralho mas eu duvido de verdade que exista uma vida completa. O que é ser bem sucedido nesta vida?
- O que é ser bem sucedido nesta vida? Eu não faço ideia. Fazer algo que contribua pro mundo?
- Será que quando a gente morre a gente descobre? E se a gente nunca descobrir?
Se olharam. Silêncio. Chandelly apoiou a cabeça no ombro de Melinda. A garoa havia engrossado. Suspiraram.
- Se você pudesse pedir uma coisa só, Chandelly... o que você pediria?
Ela nem mesmo pensou numa resposta:
- Pediria para ser livre...
Esqueceu que estava na presença de Melinda e apagou o cigarro no antebraço. Melinda decidiu que, naquele momento, era melhor fingir que não tinha visto.
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O Guia Prático Para Adultos Sem Prática
RomanceSer adulto é uma bosta. Tem boletos, cigarros, decepção amorosa, gente louca. E tem o romance de Melinda e Eduardo. Mas no fim, a prática leva a perfeição (ou não).