Passaram-se quatro dias e Kayla ainda estava embaixo das cobertas, mesmo no calor infernal do verão. Levantava para fazer duas coisas: comer pão e fazer xixi. O apartamento enorme - mas ainda mal mobiliado - estava uma bagunça, com várias canecas de chá sujas espalhadas. Não estava com motivação para nada. Recebeu mais uma mensagem no celular, mas não tinha forças para responder. Virou para o outro lado para dormir de novo, e o celular tocou. Resolveu que era melhor atender.
- Sabe há quanto tempo estou tentando falar com você? Pensei que estivesse morta!
- Oi Alzira...
- Não ouse me dizer que você está em casa!
Kayla se sentou na beirada da cama:
- Estou em casa...
- NESTE CALOR?
- Neste calor...
- Põe uma roupa que a gente vai sair, anda logo!
Se jogou para trás, deitando novamente, suspirou:
- Eu... não quero... sair...
- E eu te perguntei alguma coisa?
- Se você vier aqui eu não vou abrir a porta! - ela falou mais alto, irritada.
- Tudo bem, eu tenho um contato de um chaveiro. Vou dizer que você está morta há três meses e o cheiro saiu pela fresta da porta, ele não deve recusar! O problema é que ele vai chamar a polícia e aí você vai ter que se explicar... porque eu disse que você estava morta e aí você aparece viva... sacou?
- Ahhhhhhhhhhhhhhhhhhh, tá bom, inferno!
- Beijos amore, se arruma aí!
Colocou um shorts e uma regata para aguentar o calor de 35 graus do lado de fora. Adorava o calor mas naquele ano aquele não tinha sido seu melhor verão devido ao excesso de frustrações. Todos pareciam ser bem-sucedidos, seguindo com suas vidas e ela estava lá, envelhecendo e dormindo o dia inteiro. Não era por não querer fazer alguma coisa, ela simplesmente não conseguia. Todos diziam que ela era linda e inteligente e não era assim que ela se sentia. Se sentia como alguém que tinha morrido na praia.
- Tem quantos dias que você não passa uma vassoura aqui, em nome de Jesus?
- Ah, com certeza mais de 15 dias...
- E você tomou banho hoje?
Kayla cheirou a própria axila:
- Eu acho que to limpa...
- KAYLA!
- Eu falei que não estava a fim de sair!
- Uma mulher linda dessa presa em casa nesse sol? Não! Vai já pro banho que eu vou pelo menos juntar essas xícaras! - ergueu o braço apontando para o banheiro.
Meia hora depois Kayla estava mais ou menos arrumada, metade do banho ela não efetivamente se lavou, ficou pensando sobre sua própria vida e o que as pessoas esperavam que ela fizesse. Era difícil a comparação: ah mas quem se formou com você já está fazendo carreira, Kayla, e você ainda não decidiu o que quer! Por que você não vai fazer um concurso publico? Por que você não vai fazer não sei o que? As pessoas não entendiam o que era crucial para ela: não era dinheiro, era fazer algo que ela realmente amasse. Mas infelizmente a vida adulta e os boletos bateram e o dinheiro não veio. Ficou o vazio de ter tentado, mais de uma vez, e não conseguido. Os dias sabáticos na cama estavam servindo para organizar a própria vida. Terminou de passar a maquiagem já convencida que um copo de cerveja ajudaria a decidir o que queria da vida. Ou, pelo menos, faria esquecer.
- Vamos beber!
- Vamos! - disse Alzira, saltitante
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O Guia Prático Para Adultos Sem Prática
RomanceSer adulto é uma bosta. Tem boletos, cigarros, decepção amorosa, gente louca. E tem o romance de Melinda e Eduardo. Mas no fim, a prática leva a perfeição (ou não).