POV Inês
Chegamos ao hospital e o médico pede que o sigamos até o quarto. No caminho, me diz quais os cuidados com o paciente. Ele não poderá levantar peso, nem tirar a venda totalmente, entre outras orientações.
Não estava preparada para encontrar um rapaz tão lindo. Mesmo com os olhos tampados, é o mais bonito que já vi. Tem cabelos loiros escuros, ombros largos e os músculos são visíveis sob a camisa. Mas o ar de desesperança e amargura é palpável, o que me aperta o coração.
Ele é grosso com seu pai e com o médico e se contraria quando descobre minha presença e função. É uma situação desagradável, mas tento não esquecer o momento difícil que ele está passando.
Sinto-me constrangida quando preciso tocá-lo para mexer em sua vendagem, a pedido do médico, que quer me mostrar a forma exata de cuidá-la. Seu perfume de banho recém-tomado é delicioso e me envergonho por estar esquecendo que ele é apenas meu paciente.
Em sua casa, ele se tranca em seu quarto enquanto seu pai se dispõe a me apresentar a imensa habitação antes de pedir o almoço num restaurante aqui perto.
- Posso cozinhar, se quiser, Sr. Amauri.
- Não sei, não foi o que combinamos, menina.
- Eu gosto, não é incômodo nenhum.
- Tudo bem, mas nem sei o que tem na despensa. Meu filho usa a cozinha às vezes, mas eu só como fora e no refeitório da empresa.
Há ingredientes suficientes para o almoço e aproveito e faço uma sobremesa simples. Arrumo a mesa e Sr. Amauri faz o prato de Eduardo. Porém, o rapaz não consegue se alimentar sozinho normalmente. Disponho-me a ajudar, mas ele recusa teimoso. Lembro-me de Sr. Magalhães e Vovó Severina e uso a mesma tática dela: imponho minha vontade. Ele por fim aceita e almoça muito bem, repetindo inclusive e também comendo a sobremesa.
Tratar dele na boca é uma experiência diversa de tudo o que vivi. Completamente diferente de dar comida para minha sobrinha Lívia. Esta proximidade me perturba, mas disfarço e continuo meu trabalho.
Vou até ao supermercado abastecer a despensa após o almoço. Passo na padaria e cafeteria de minha mãe para providenciar o café da tarde, já que não terei tempo de preparar nada.
- Já comeu, minha filha?
- Sim, fiz o almoço para eles e comi também. Vim buscar pães para o lanche.
- Então, como foi lá com o seu paciente? – me pergunta enquanto arruma meu pedido.
- Triste, mamãe. Um moço tão jovem, bonito, mas desiludido, amargo.
- Vou colocar um bolo bem gostoso para adoçar a vida dele – diz piscando para mim.
Volto com minhas compras para sua casa. Sorte que aceitei pegar o carro do Sr. Amauri, não daria conta das sacolas de outro modo.
- Como ele está? – pergunto logo que entro.
- Dormindo, acabei de sondar.
- Irei guardar as compras na cozinha e fazer um café. Gostaria de ir até a empresa?
- Vou sim, deixei tudo nas mãos da pobre Mercedes. Me liga se acontecer algo.
- Pode deixar, vá tranquilo.
Arrumo tudo na cozinha. É um cômodo arejado e muito bonito, mas vê-se que pouco usado. Inicio o preparo de um pão doce para o café da manhã do dia seguinte.
Depois de meia hora, vou até seu quarto para ver se acordou e ainda dorme, sei disso pelo ressonar tranquilo. É um cômodo grande, como tudo na casa, pintado de tons de azul. Há um piano elétrico numa das paredes, estantes lotadas de livros e uma escrivaninha com diversos papéis sobre música e partituras espalhadas. Estou saindo silenciosamente quando ele se mexe na cama e temo o ter acordado.
- Quem está aí? É o senhor, pai?
- Sou eu, Eduardo, desculpa acordá-lo.
- Sem problema. Que horas são?
- 15:45h. Gostaria de lanchar?
- Pode ser. Trás qualquer coisa para mim, fazendo favor.
- Vamos até a sala de jantar, já preparei a mesa – ele não parece gostar muito da ideia, mas se levanta sem reclamar. Porém, dispensa minha ajuda e anda com dificuldade, mas sozinho.
Seu silêncio me constrange e resolvo iniciar um assunto. Apenas livros me veem à mente.
- Gosta de ler?
- Gostava – sua resposta seca me intimida, mas não desisto.
- Logo voltará a enxergar, não se preocupe. Qual estilo literário é o seu?
- Lia sagas épicas – responde simplesmente, mas não deixarei a conversa morrer.
- Qual a última que leu?
- Reli O Senhor do Anéis.
- Apenas assisti aos filmes. Mas gosto muito de livros assim. Iniciarei a trilogia do Vencedor. Você conhece?
- Já ouvi indicações, mas não tive a oportunidade. Gostei muito da resenha que li.
- Podemos acompanhar juntos. O que acha? Leio para você.
- Não sei, são três longos livros.
- Eu vou ler de qualquer forma, até já estou com um deles aqui comigo.
- Tudo bem, faça como quiser.
- Assim que terminarmos aqui, irei apenas ver como está a massa do meu pão e começamos.
- Gosta mesmo de cozinhar, não é?
- Adoro. Principalmente panificação e confeitaria. Fiz um curso há alguns anos e não parei mais.
Fico feliz porque ele aceitou a leitura. Tiro a mesa, coloca as assadeiras no forno e o encontro sentado no mesmo lugar.
- Vamos nos sentar na varanda. O que acha?
- Você quem sabe – sua apatia me incomoda, mas venceremos isso também.
Nos sentamos nas cadeiras confortáveis e inicio a leitura. Porém, hesito e sinto meu coração gelar quando chegamos à parte onde Kestrel se aproxima de seu piano.
- Pode continuar. Eu sabia que a protagonista era uma pianista quando sugeriu a leitura.
Continuo lendo e vejoa dor na parte de seu rosto que está visível. O médico disse que com paciênciae determinação ele poderá ter todos os movimentos de sua mão novamente. Elevoltará a tocar, e sentirá a música fluir por seus dedos. Apenas não podedesistir.
Gostando? Lembrem de comentar e me ajudar a melhorar. Obrigada
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Ensinando a sonhar - Livro 3 da Série Sonhos
RomansaUm pianista que perde a visão e o movimento das mãos, talvez temporariamente, e quer desistir de viver. Uma garota sonhadora que gosta de cuidar das pessoas. É possível ela ensiná-lo a sonhar e ver que a vida é muito mais do que ele pensa?