Capítulo 4

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POV Inês

Chegamos ao hospital e o médico pede que o sigamos até o quarto. No caminho, me diz quais os cuidados com o paciente. Ele não poderá levantar peso, nem tirar a venda totalmente, entre outras orientações.

Não estava preparada para encontrar um rapaz tão lindo. Mesmo com os olhos tampados, é o mais bonito que já vi. Tem cabelos loiros escuros, ombros largos e os músculos são visíveis sob a camisa. Mas o ar de desesperança e amargura é palpável, o que me aperta o coração.

Ele é grosso com seu pai e com o médico e se contraria quando descobre minha presença e função. É uma situação desagradável, mas tento não esquecer o momento difícil que ele está passando.

Sinto-me constrangida quando preciso tocá-lo para mexer em sua vendagem, a pedido do médico, que quer me mostrar a forma exata de cuidá-la. Seu perfume de banho recém-tomado é delicioso e me envergonho por estar esquecendo que ele é apenas meu paciente.

Em sua casa, ele se tranca em seu quarto enquanto seu pai se dispõe a me apresentar a imensa habitação antes de pedir o almoço num restaurante aqui perto.

- Posso cozinhar, se quiser, Sr. Amauri.

- Não sei, não foi o que combinamos, menina.

- Eu gosto, não é incômodo nenhum.

- Tudo bem, mas nem sei o que tem na despensa. Meu filho usa a cozinha às vezes, mas eu só como fora e no refeitório da empresa.

Há ingredientes suficientes para o almoço e aproveito e faço uma sobremesa simples. Arrumo a mesa e Sr. Amauri faz o prato de Eduardo. Porém, o rapaz não consegue se alimentar sozinho normalmente. Disponho-me a ajudar, mas ele recusa teimoso. Lembro-me de Sr. Magalhães e Vovó Severina e uso a mesma tática dela: imponho minha vontade. Ele por fim aceita e almoça muito bem, repetindo inclusive e também comendo a sobremesa.

Tratar dele na boca é uma experiência diversa de tudo o que vivi. Completamente diferente de dar comida para minha sobrinha Lívia. Esta proximidade me perturba, mas disfarço e continuo meu trabalho.

Vou até ao supermercado abastecer a despensa após o almoço. Passo na padaria e cafeteria de minha mãe para providenciar o café da tarde, já que não terei tempo de preparar nada.

- Já comeu, minha filha?

- Sim, fiz o almoço para eles e comi também. Vim buscar pães para o lanche.

- Então, como foi lá com o seu paciente? – me pergunta enquanto arruma meu pedido.

- Triste, mamãe. Um moço tão jovem, bonito, mas desiludido, amargo.

- Vou colocar um bolo bem gostoso para adoçar a vida dele – diz piscando para mim.

Volto com minhas compras para sua casa. Sorte que aceitei pegar o carro do Sr. Amauri, não daria conta das sacolas de outro modo.

- Como ele está? – pergunto logo que entro.

- Dormindo, acabei de sondar.

- Irei guardar as compras na cozinha e fazer um café. Gostaria de ir até a empresa?

- Vou sim, deixei tudo nas mãos da pobre Mercedes. Me liga se acontecer algo.

- Pode deixar, vá tranquilo.

Arrumo tudo na cozinha. É um cômodo arejado e muito bonito, mas vê-se que pouco usado. Inicio o preparo de um pão doce para o café da manhã do dia seguinte.

Depois de meia hora, vou até seu quarto para ver se acordou e ainda dorme, sei disso pelo ressonar tranquilo. É um cômodo grande, como tudo na casa, pintado de tons de azul. Há um piano elétrico numa das paredes, estantes lotadas de livros e uma escrivaninha com diversos papéis sobre música e partituras espalhadas. Estou saindo silenciosamente quando ele se mexe na cama e temo o ter acordado.

- Quem está aí? É o senhor, pai?

- Sou eu, Eduardo, desculpa acordá-lo.

- Sem problema. Que horas são?

- 15:45h. Gostaria de lanchar?

- Pode ser. Trás qualquer coisa para mim, fazendo favor.

- Vamos até a sala de jantar, já preparei a mesa – ele não parece gostar muito da ideia, mas se levanta sem reclamar. Porém, dispensa minha ajuda e anda com dificuldade, mas sozinho.

Seu silêncio me constrange e resolvo iniciar um assunto. Apenas livros me veem à mente.

- Gosta de ler?

- Gostava – sua resposta seca me intimida, mas não desisto.

- Logo voltará a enxergar, não se preocupe. Qual estilo literário é o seu?

- Lia sagas épicas – responde simplesmente, mas não deixarei a conversa morrer.

- Qual a última que leu?

- Reli O Senhor do Anéis.

- Apenas assisti aos filmes. Mas gosto muito de livros assim. Iniciarei a trilogia do Vencedor. Você conhece?

- Já ouvi indicações, mas não tive a oportunidade. Gostei muito da resenha que li.

- Podemos acompanhar juntos. O que acha? Leio para você.

- Não sei, são três longos livros.

- Eu vou ler de qualquer forma, até já estou com um deles aqui comigo.

- Tudo bem, faça como quiser.

- Assim que terminarmos aqui, irei apenas ver como está a massa do meu pão e começamos.

- Gosta mesmo de cozinhar, não é?

- Adoro. Principalmente panificação e confeitaria. Fiz um curso há alguns anos e não parei mais.

Fico feliz porque ele aceitou a leitura. Tiro a mesa, coloca as assadeiras no forno e o encontro sentado no mesmo lugar.

- Vamos nos sentar na varanda. O que acha?

- Você quem sabe – sua apatia me incomoda, mas venceremos isso também.

Nos sentamos nas cadeiras confortáveis e inicio a leitura. Porém, hesito e sinto meu coração gelar quando chegamos à parte onde Kestrel se aproxima de seu piano.

- Pode continuar. Eu sabia que a protagonista era uma pianista quando sugeriu a leitura.

Continuo lendo e vejoa dor na parte de seu rosto que está visível. O médico disse que com paciênciae determinação ele poderá ter todos os movimentos de sua mão novamente. Elevoltará a tocar, e sentirá a música fluir por seus dedos. Apenas não podedesistir.    


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Ensinando a sonhar - Livro 3 da Série SonhosOnde histórias criam vida. Descubra agora