POV Eduardo
Ignoro o médico e procuro por minha Inês. E lá está ela. Ainda mais linda do que imaginei. Levanto-me, caminho até ela, olho bem dentro de seus olhos.
- Oi. Quer namorar comigo? – apenas esperei até agora porque queria ver sua expressão.
- Sim – ela responde com um sorriso lindo e olhos brilhantes. Não me contenho e a beijo. Nem lembro que não estamos sozinhos.
- Perdi alguma coisa? – Meu pai pergunta quando nos afastamos.
- Sim, pai, estamos juntos.
- Bom, muito bom. Inês fez maravilhas por você. Parabéns, meu filho.
- Bem, pelo jeito ele voltou a ver. Não esperava por tudo isso – o médico diz – Não é todo dia que tenho pedidos de namoro por aqui.
- Desculpa, doutor, não me contive.
- Tudo bem, rapaz. Fico feliz que esteja com outra disposição. Da última vez, fiquei preocupado.
- Minha Inês me ajudou muito. Fez-me ver sem meus olhos, a perceber as possibilidades da vida, mesmo sem a visão.
- Será uma ótima enfermeira, menina. Parabéns pelo ótimo trabalho com seu paciente.
O médico passa as orientações dos cuidados com meus olhos nos próximos dias e marcamos um retorno daqui um mês. Não posso fazer força, nem andar de avião, mas no geral, estou liberado e voltei a enxergar tão bem quanto antes.
Só damos valor ao que temos quando o perdemos. Tudo agora é mais colorido e belo. Nunca fui de parar para observar uma flor, um pássaro voando, o céu azul. Mas hoje tudo tem um novo sabor, uma nova luz. Sentado no banco traseiro com Inês, não me canso de tudo observar e a ela, em principal. Como é linda! Tão delicada e perfeita nos mínimos detalhes, não só no físico, mas por inteiro.
Agora apenas minha mão esquerda ainda é uma incógnita. Tenho uma consulta em poucos dias. Sinto enorme falta de tocar, mas aquele desespero já não existe mais.
Chegamos em casa e meu pai quer sair esta noite para comemorar.
- Vamos até um novo restaurante italiano que abriu. Ouvi ótimas recomendações. Mercedes já fez as reservas.
- Mas nem sabia se eu recuperaria a visão.
- Eu tinha certeza. Minha esperança foi recompensada.
- Aceita, Inês? – pergunto, pois vejo que está calada deste que entramos.
- Não querem comemorar em família?
- Você é indispensável, menina. Se bobear, eu que sou deixado para trás – meu pai brinca e, tenho que confessar, ele tem razão.
- Convide D Mercedes, papai. Para irmos em par. O que acha?
- Mercedes? Sim, claro, vou ligar agora mesmo para ela.
Inês me alertou sobre ele nutrir uma paixão secreta pela secretária. No início, isso me incomodou. Pensava que ele estivesse traindo a memória de minha mãe. Mas já se passaram 13 anos, ele merece ser feliz, tenho que ser justo.
- Preciso me trocar. Mas antes, precisamos conversar sobre o término de meu serviço aqui.
- Não virá mais? – pergunto aturdido. Acostumei-me tanto com sua presença que não consigo imaginar meus dias sem ela.
- Você já pode ver e está alegre, esperançoso. Não precisa mais de mim.
- Sempre vou precisar, meu anjo.
- A menina tem razão. Mas sentiremos falta de sua comida.
- Não se preocupe, Sr. Amauri, virei cozinhar algumas vezes. Se quiserem, é claro.
- Definitivamente, queremos. Mas apenas quando estiver aqui como namorada de meu filho. Mercedes depositará seu salário na conta que informou.
- Não preciso de pagamento. Ajudei porque me importo, não quero receber por isso.
- Não diga bobagem, menina – ela começa a contestar, mas meu pai continua - E não discuta com seu sogro – ela concorda por fim, corando.
- Vou para casa, para me trocar.
- Tenho seu endereço, te pegamos às 8h.
- Acompanho você até a porta - ofereço.
Porém, puxo-a para a varanda e a beijo. Não vou perder a oportunidade de ficar um pouquinho a sós com minha namorada.
- Não vai fugir tão rápido. Preciso matar a saudade – digo entre beijos.
- Mas estamos juntos desde cedo!
- A saudade futura, anjo. Já a sinto antes mesmo de você se afastar.
Quero ficar namorando, mas ela precisa ir, senão não terá tempo para se arrumar. Despeço-me como se fôssemos ficar dias sem nos ver, cada hora longe dela é uma eternidade. Estou completamente apaixonado.
Antes de ir me trocar para o jantar, ligo para D. Cida.
- Boa noite, menino. Como está?
- Voltei a enxergar. Precisa partilhar com uma das pessoas que me fez ver como estava sendo ingrato.
- Graças a Deus, meu filho. Uma notícia maravilhosa. Meu Mauro ficaria tão feliz.
- E como a senhora está?
- Indo, menino. Têm dias mais fáceis, outros terríveis. Mas sua ligação muito me alegrou hoje. Estou muito preocupada é com a Raquel, namorada do meu filhinho.
- Por que, qual o problema? – conheci a garota, mas nunca nos tornamos amigos por ela ser muito tímida e fechada.
- Ela está tão revoltada com a morte dele. Não a estou reconhecendo. Quer vingança, mas contra quem se o motorista morreu?
- É a dor falando, D. Cida.
- Tinham muitos planos, pobrezinha. Ele foi seu único namorado.
- Ela ouve a senhora? Poderia levá-la até uma psicóloga, alguém para ajudá-la a superar essa perda.
- Nunca fomos próximas, eles ficavam pouco aqui em casa. Agora, ela vem, pega coisas dele, fala, grita, chora, mas não me ouve. Não sei mais o que fazer.
- Ela não tem família?
- Apenas uma tia distante, pelo que sei. Ninguém que possa ajudar.
- Que triste. Se achar que posso fazer algo, me diga.
- Obrigada, meu menino. Você parou de pensar bobagem, não é?
- Sim, depois daquele dia que me pediu para viver e com a ajuda da minha ex-enfermeira, agora namorada, estou ótimo.
- Então está namorando a menina? Como se chama?
- Inês. Ela me faz muito bem. Estou apaixonado.
- Que benção. Alegra-me muito o coração saber que ouviu meus conselhos.
- Sim, a senhora foi a voz da razão na minha vida.
Desligo, tomo meu banho e apresso meu pai. Ele está todo perfumado, e acho que quer impressionar D. Mercedes.
Estou ansioso para encontrar minha Inês. Não posso mais ficar distante do meu anjo, que conseguiu trazer luz para minha escuridão. Quem diria que poderia me apaixonar tão rápido?
Acharam muito rápido também?
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Ensinando a sonhar - Livro 3 da Série Sonhos
RomantizmUm pianista que perde a visão e o movimento das mãos, talvez temporariamente, e quer desistir de viver. Uma garota sonhadora que gosta de cuidar das pessoas. É possível ela ensiná-lo a sonhar e ver que a vida é muito mais do que ele pensa?