POV Eduardo
Ela lendo sobre tocar piano é torturante, mas obrigo-me a continuar ouvindo. Uma parte minha acha que é justo sofrer, outra quer buscar determinação em me curar.
Inês faz uma pausa para olhar o forno e fazer o jantar. O aroma de pão recém-assado é incrível e já sei que vou engordar com ela cozinhando e eu impedido de praticar esportes.
Ela me trás uma fatia quente, mas não resisto a esperar esfriar. Está delicioso, e peço mais. Lê por mais 1 hora e então meu pai chega do trabalho.
- Desculpe-me, Inês, pelo atraso. Havia tantos problemas pendentes na empresa que não consegui sair antes.
- Não tem problema, estou de férias da universidade e não tenho nenhum compromisso hoje – se ainda estuda deve ser jovem como imaginei.
- Não se repetirá, fique sossegada.
- Se precisar, não hesite em ligar e pedir que fique mais. Estávamos lendo um livro tão interessante que nem vi o tempo passar.
- Realmente? – sinto a surpresa na voz de meu pai.
- Já deixei o jantar pronto. Amanhã às 8h?
- Sim, sim, menina. Obrigado. Chamarei um taxi para você, é por minha conta.
- Obrigada, Sr. Amauri. Amanhã pegarei o carro de meu irmão emprestado.
- Sempre que estiver a pé, não se preocupe que enviarei você em segurança para casa.
- Tudo bem. Eduardo, amanhã continuamos com nossa leitura. Durma bem – aproxima-se e me dá um beijo rápido no rosto.
Até mais é a única resposta que consigo articular, tão grande meu desconcerto com seu simples gesto.
- Como passou a tarde, filho? – meu pai me pergunta após voltar de acompanhar Inês até a porta.
- Bem. Vou para meu quarto – nunca falamos do dia um do outro e não será agora.
Ele me chama para o jantar e é bem difícil me alimentar sozinho. Sinto falta da Inês tratando de mim, não que eu vá admitir em voz alta. A comida está deliciosa e vale o sacrifício.
Estou novamente no carro, quando o outro veículo em alta velocidade se aproxima, sem que possa fazer nada para evitar a colisão. Percebo quando o carro capota, o teto virando chão e eu sendo jogado para todos os lados. Vejo meu amigo machucado e minhas mãos ensanguentadas. Sinto o sangue escorrer por meus olhos e um dor alucinante antes de tudo apagar.
Acordo sobressaltado, e custo dormir novamente. Meu coração demora a normalizar as batidas. Até quando reviverei o acidente em meus pesadelos?
Estou sentado em lugar que não sei identificar, já que nada vejo. Ouço uma música desconhecida, mas linda, e me assusto ao perceber que sou eu a tocá-la no piano. Um perfume delicado me envolve e sinto mãos gentis em meu rosto. Um beijo suave me desperta. De novo acordo com o coração acelerado, mas por motivos diferentes. Não foi um sonho ruim desta vez.
Gostaria de dormir para sonhar com ela de novo, mas ouço sua voz cumprimentando meu pai. Já deve ser de manhã e ela chegou para o trabalho.
Levanto-me e tateio até o banheiro onde tomo um banho rápido, ansioso por estar perto de Inês. O que estou pensando? Ela é apenas uma enfermeira contratada, não uma garota para ficar sonhando. Seus cuidados são apenas profissionais. O que eu poderia oferecer também a ela? Um aleijado cego, sem perspectivas. Não importa o que os médicos dizem, não acredito que melhorarei. Minhas mãos nunca mais voltarão a tocar como antes.
Quando chego à sala de jantar, estou revestido de minha amargura e ceticismo. Alimentar ilusões só fará a realidade ainda pior.
- Bom dia, Eduardo. Dormiu bem?
- Não – dou uma resposta seca para que mantenha a distância, mas não resolve.
- A próxima noite será melhor, tenho certeza. Vamos tomar café e depois te levarei para um passeio.
- Não quero.
- Mas precisa. Deixe de ser um paciente rebelde. Experimente este croissant que trouxe da padaria de minha mãe.
Abro a boca contrariado, mas basta uma mordida para comer com prazer. Tudo que ela oferece é delicioso, e não há amargura que resista a tanta doçura.
- Venha comigo agora, enquanto lavo a louça, podemos conversar – não me dá escolha, pega-me pela mãe e me conduz.
- Conte-me sobre algum livro, ou filme.
- Prefiro escutar, se não se importa.
- Tudo bem. Gosta de romance?
- Nem sempre, mas abro exceções.
- Chorei tanto no último que li.
- Gosta de chorar, é?
- Valeu a pena. É lindo. Chama-se Mil beijos de garoto, de Tillie Cole. É sobre uma garota que anota cada beijo que recebe de seu namorado de infância e coloca num vidro, porque cada um é marcante e memorável.
- E por que o choro?
- Tem partes tristes, mas é lindo. Ouvir Photograph do Ed Sheeran enquanto lê então, é choro na certa.
- Gosta de música? – não resisto a continuar a conversa, apesar de minha decisão de manter uma distância saudável.
- Amo. Gosto de românticas, principalmente. E livros. E poesia.
- Uma garota sonhadora.
- Exatamente. Minha irmã diz que é por isso que não tenho namorado.
- Mas já teve, não é? Quantos anos têm?
- Tenho 20, e nunca namorei. Tentei sair com alguns rapazes, mas não deu certo – realmente muito jovem. O que faz querer cuidar de um inválido como eu?
- Não eram parecidos com os mocinhos dos livros?
- Nem um pouco – responde rindo – Mas meu príncipe está por aí.
- Acho que só encontrará sapos.
- Talvez, mas o sapo certo se transforma em príncipe, não é?
Lembro-me de seu beijo em meu rosto e fico pensando se não passo de um sapo sem solução.
- Já terminei com a louça. Vamos dar uma volta? Tem uma praça bonita aqui perto, podemos nos sentar para ler lá.
- Não sei se me sentiria à vontade.
- Não faça charme, não há nada demais em estar com o rosto enfaixado.
- Tudo bem, afinal não verei os olhares de pena e curiosidade mesmo – ela deixa passar meu comentário, e pega em meu braço para me conduzir.
O passeio compensa só por tê-la tão perto de mim. E lá se vão meus pensamentos desajuizados. Eu gosto mesmo de sofrer, mas aspiro seu perfume com prazer. Por que essa menina invade minha mente e sentidos desta forma?
Deixem seus comentários para me ajudar a ser uma autora melhor. Obrigada
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Ensinando a sonhar - Livro 3 da Série Sonhos
RomantizmUm pianista que perde a visão e o movimento das mãos, talvez temporariamente, e quer desistir de viver. Uma garota sonhadora que gosta de cuidar das pessoas. É possível ela ensiná-lo a sonhar e ver que a vida é muito mais do que ele pensa?