Rafael está me beijando e eu não tenho outra reação além de beija-lo de volta. Seu lábios macios e quentes fazem eu me sentir como nunca antes havia sentido. Quando beijava Eliot não sentia isso, talvez porque mesmo depois de anos juntos eu ainda não confiasse plenamente nele, já em Rafael eu confio até demais.
Me afasto e ele me olha envergonhado.
- Perdoe me por ter sido insolente com você, Kallice. - Ele falou se levantando.
- Não se desculpe. Eu...eu vou para o meu quarto. - falei me levantando também.
- Não vai voltar para o baile?
- Não estou me sentindo bem para voltar lá. Pode ir, eu ficarei bem.
Ele me olhou como se quisesse repetir o beijo, mas apenas foi embora.
Segui em direção ao meu quarto, ainda confusa pelas coisas que aconteceram em dez minutos.
Ainda estou chateada com o rei... A forma que ele me tratou foi muito brutal, porém, beijar Rafael me fez acalmar um pouco. O efeito que ele tem sobre mim é muito misterioso e bom ao mesmo tempo. Mas o que mais me deixou intrigada foram as coisas que a duquesa de Hambridge falou.
Então Laura já estava planejando fugir bem antes do seu casamento, o que me faz pensar "será que ela realmente foi sequestrada?" Por motivos que ainda não descobri, as chances dela ter planejado tudo é muito possível, mas será que ela "mataria" um homem apenas para fugir daqui? Muitas peças ainda não estão encaixadas, e esse quebra cabeça eu irei montar.
Chego no meu quarto e me espalho sobre a cama. A cabeça gira com tantos pensamentos. Philipe, Laura, Rafael... Tantas pessoas...tantas histórias...
Olho para cima e me deparo com desenhos do dossel da cama que eu ainda não tinha reparado. Desenhos de flores azuis de diversas espécies, mas a que mais me chama atenção é um cacho de orquídeas azuis bem no centro.
De tanto olhar para cima, meus olhos se fecham que nem percebo e caio num sono.
No começo, escuridão, logo em seguida, sinto cheiro de flores, ao longe escuto pássaros cantando e um som de água corrente não muito distante. O vento bate no meu rosto e abro os olhos. Eu sou uma criança, estou num campo de flores rodeado pela floresta e vejo três adultos me rondando, um homem, uma mulher, e uma senhora e eu a reconheço: minha avó.
Ela estava viva quando sofri o acidente, e ajudou Eliot a tentar fazer me lembrar das coisas, mas foi embora dias depois. Estava muito cansada. Trabalhou sua vida inteira como parteira, ofício que aprendeu com minha bisavó e que também passou para minha mãe.
Olho os outros adultos. A mulher jovem me chama:
- Kallice, venha comer, amor!
Me sentei perto dela. Seus cabelos loiros estavam bagunçados pelo vento e seus olhos castanhos claros estavam brilhantes. O homem se agachou atrás dela e lhe abraçou, ele era moreno da pele clara, barba pra fazer e seus olhos eram tão negros quanto a noite.
Se minha avó está aqui, presumo que estes sejam meus pais. É a primeira vez que eu os vejo. Eles morreram da peste e por isso me casei tão cedo com Eliot, ao menos foi isso que me disseram.
Este sonho não é apenas um sonho, mas sim uma lembrança da minha infância.
Meus olhos se abrem e eu volto a realidade. Depois de quase nove anos, finalmente me lembro de como eram meus pais. Uma sensação boa me invade, e algo me diz que essa não foi só a primeira e última vez.
Com sono, me levanto apenas para beber um pouco de água que está numa jarra em cima do criado mudo, aproveito para apagar algumas velas para deixar o quarto mais escuro. Deito-me novamente e vou dormir. Amanhã será um dia cheio, e vou ouvir bastante reclamações...
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Kallice
Historical FictionEm meados do século XVI, fazia 8 anos que Kallice se viu perdida, sem qualquer resquício de sua memória. Seu marido, Eliot, havia lhe dito que a queda de um penhasco fora o que resultou naquele incidente. Apesar dos males ambos construíram uma...