Os Outros Sobreviventes

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*Segunda sobrevivente*

Olho para as paredes foscas e macissas, estava difícil ficar nesse quarto apertado com tantas câmeras e policiais. Havia um vidro espelhado na frente. Imagino se Yasmin está no quarto ao lado passando pelo mesmo procedimento.

Meu desejo era fugir daqui. Não quero contar a essas pessoas a verdade. Eles não podem impedir o fim do mundo, a única coisa que podem fazer é se desesperarem com minhas palavras.

-Comece - um dos homens fala, a ponta da arma dele era gigante, estava pronto para me matar caso eu tentasse fugir. Bufo alto.

-Meu nome é Jasmine - digo brevemente - sobrevivi ao jogo da morte, mas não desejo estar aqui. Um espoiler que dou a vocês é que vão todos morrer, querendo ou não.

O homem engatilha a arma e aponta na minha direção, olho diretamente para o vidro à minha frente refletindo minha imagem, imagino quantas mil pessoas devem estar me assistindo agora.

-Não falar não é uma opção - o homem diz, os outros três guardas apontam suas armas para mim, suspiro fundo e relaxo na cadeira de metal.

-Vocês acham que me dão medo com esses brinquedinhos? - pergunto ríspida - já passei por coisas bem piores enquanto vocês limpavam a bunda cheia de merda.

Os outros três engatilham a arma, sorrio de lado. Um mecanismo na roupa de um dos guardas emite alguns sons.

"A primeira já começou a falar"

É, Yasmim deve estar contando tudo do outro lado da parede. Ela me convenceu a vir aqui, mas ainda não estou convencida do que fazer.

O policial de preto sorri e atira na minha direção. Apenas bufo quando nenhuma bala sequer chega a sair da arma. Os outros três começam a atirar mas acontece o mesmo. Me espreguiço um pouco e bocejo de sono. O barulho das armas estavam me irritando.

-Ok, eu falo - digo quando todas as balas acabam, os homens estavam pasmos me encarando sem entender, e então do nada todas as balas que eram para perfurar meu corpo cintilam no chão - tudo começou no dia 01 de janeiro desse mesmo ano. Quando todos entre dez e vinte anos foram selecionados para entrarem no mundo das almas penadas. Na época eu tinha dezessete anos, era uma criança inocente e idiota.

*Meses atrás*

Continuo observando o teto da casa, meu namorado boceja inconcientemente ao meu lado sobre a cama, ele dormia calmamente, seu corpo apenas coberto por um fino lençol. Suspiro fundo.

O que eu estou fazendo?

Me levanto da cama e encaro o quarto enorme, pego uma garrafa de água na pequena geladeira ali perto e vou até meu enorme guarda-roupa. Seleciono meu roupão favorito, observo uma última vez meu namorado. Ele sempre foi musculoso, almejado por muitas garotas da escola, negro, alto, com lábios carnudos. Meu pai o ama de coração, minha mãe também gostaria dele se estivesse viva.

Me viro em direção à sacada do meu quarto, bebo alguns goles de água e observo a cidade ao longe.

Meu pai é o prefeito da cidade mais rica e desenvolvida do nosso país. Embora a fome e a pobreza corroesse o resto da nação, esse lugar sempre fora farto de riquezas de exploradores ambiciosos.

Acho que isso é comum para quem vive em um lugar tão remoto da África.

Bebo novamente a água, as pessoas faziam exercícios em um parque ao longe, por perto havia uma igreja e um monumento grande. Todos que me viam sorriam e acenavam, eu aceno de volta.

De aparência eu sempre fui aclamada. Minha pele extremamente retinta, meus olhos claros como o mel, meu cabelo em um blackpower grande, rosto fino, alta, já fui selecionada para ser modelo representante do meu país diversas vezes, mas nunca fui.

De onde vêm as lágrimas?Onde histórias criam vida. Descubra agora