*Yasmim*
Meu corpo inteiro doía, minha mente ardia, minhas mãos tremiam, e a água se mexia. Sorrio largo com o feito, a onda já estava bem maior, mas havia algo me preocupando. Percebi que quanto mais tento mover o mundo físico, mais preciso me alimentar. É como se eu estivesse gastando boa parte da minha energia com esse feito.
-Oi - Kami fala se aproximando de mim, estávamos na superficie, o sol fazia a luz ser refletidida pela água, os peixes passavam reto por nós.
-Oi - respondo e me viro para o garoto, percebo uma lágrima em suas mãos, azul e cintilante, e outra em seus olhos, escorrendo pela bochecha - o que aconteceu? - pergunto preocupada me aproximando do mesmo, ele sorri fraco.
-Nada, eu só comi uma lágrima antes de chegar aqui - ele responde. Essa manhã quando acordamos decidimos que um de nós iria procurar alimento e o outro iria treinar, revezaríamos de tempo em tempo.
-Não teve uma boa lembrança? - pergunto, ele afirma com a cabeca e me estende a lágrima em suas mãos, a seguro sentindo um frio percorrer todo meu corpo, espero alguns segundos em pura hesitação - sabe... sobre o que você falou ontem...
-Eu já disse, esquece - Kami se torna ríspido do nada.
-Mas você disse algo sério, quero dizer, uma equipe, ou grupo não sei, de pessoas que se matam?
-Você não pode falar nada, é tão suicida quanto eu - ele diz. Isso é verdade. Não estou em posição para julgar desições desse calibre.
-Tudo bem - digo, olho uma última vez para a lágrima e a aproximo de minha boca - me desculpa.
Engulo a lágrima com tudo. Uma memória invade minha mente.
Era parte da minha infancia, vejo meu aniversário de dez anos, a vela rosa, meus irmãos brincando no sofá, meu irmão mais novo era apenas um bebê nessa época, vários amigos dos meus pais, minha família. Mas ninguém dos meus amigos que eu havia convidado foi para a festa.
Mesmo assim eu estava feliz.
Eu não me importava com os outros.
A pequena criança ali, loira com os olhos castanhos, observava com um sorriso no rosto a chuva caindo do lado de fora da casa. Os pingos no chão, o céu cinzento. E eu sorria.
Saudades do meu sorriso, saudades do meu antigo eu.
-Yasmim! - minha mãe chama a minha versão mais jovem, me vejo correr até a mesma - quer conhecer uma nova amiga? - pergunta, afirmo frenéticamente com a cabeça.
Não.
-Oi! Yasmim!
Não.
-Essa é a filha da minha amiga, vocês têm a mesma idade - minha mãe fala apontando para outra garotinha agarrada nas pernas de um adulto.
Eu me lembro desse dia.
-Não tenha vergonha! - minha mãe fala para a garotinha querendo nos aproximar - Yasmim, essa é a Letícia, vocês serão grandes amigas a partir de hoje.
E do nada a memória acaba.
Letícia. Quão venenoso é esse nome. Me lembro da garotinha que depois se tornou minha melhor amiga, me lembro das risadas e conversas, e me lembro dos sentimentos.
-Tudo bem? - Kami pergunta, afirmo com a cabeça e estendo os braços com o intuito de voltar ao treinamento - você está chorando.
Engulo em seco e toco meu rosto, estava molhado. Nego com a cabeça e me seco, depois volto ao treinamento tentando esquecer aquilo.
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De onde vêm as lágrimas?
ActionDe onde vêm os mundos sobrepostos à beira de seus colapsos? De onde vem a dor? De onde vem a vida? De onde vem a morte? De onde vem a alegria? Você sabe? Me diga! São muitas perguntas e nenhuma resposta. São tantas lutas que já não me sinto viva. U...