*Yasmim*
Ele estava sorrindo. Mesmo com os pedaços de seu corpo dilacerados.
Ele estava sorrindo. Mesmo com sangue em seus dentes.
Ele estava sorrindo. Mesmo virando pó.
Mesmo com as risadas que me cercava.
Mesmo com as pessoas más que me apunhalavam.
Mesmo com a morte a sua frente.
Ele estava sorrindo.
Mas seu sorriso desapareceu como pó sendo levado pelo ar. Ele estava aqui uma hora e depois não estava mais. Como num passe de mágica.
-Uau, isso foi surpreendedor... – ouço alguém dizer próximo a mim, se aproximando por trás e colocando a mão sobre meu ombro – bem vinda ao grupo, você merece.
-Ele estava sorrindo... – sussurro. Meu Kami, meu Kamikaze está morto. Eu o matei, ele me fez matá-lo. Ele sabia que não sobreviveria, preferiu me irritar ao ponto de eu explodir seu peito. Meu Kami estava morto, meu Kami não estava mais sorrindo, nunca mais poderia sorrir.
-Hey, chefe, está sentindo isso? – outra pessoa se aproxima de nós falando com o primeiro. Mas eu não conseguia prestar atenção, só conseguia olhar para meus dedos que tocaram a pele alva de Kamikaze antes de ele morrer.
-Sim, de onde está vindo essa sensação? – o garoto que mantinha a mão em meu ombro pergunta, ele estava assustado, todos estavam. Todos sentiam algo, menos eu, eu só conseguia pensar em Kami e em seu sorriso.
-E-eu acho que está vindo dela – um sussurra no ouvido do outro, sou capaz de ouvir. Como ele sumiu?
-Gente!!! – alguém grita não muito longe de nós, era a garota das garras enormes, ela apontava para o mar, seu rosto estava em puro pavor.
Vejo quando as pessoas ali enlouquecem e saem correndo, voando, entrando na terra. Mas quando aquela mão do chefe sai do meu ombro eu a seguro firme com a minha e encaro os olhos escuros do rapaz. Ele estava apavorado, olhava para mim como se eu fosse uma bruxa da Idade Média, minha mão apertava seu pulso com tanta força que eu conseguia ouvir seus ossos rangerem. Olho brevemente para o mar e vejo o que eles tanto temiam.
Um tsunami.
Um lindo maremoto se erguendo pela areia da praia, puxando a água para si e aumentando seu tamanho. Grande, enorme. E magnífico.
Apesar da lentidão do mundo físico, a água continuava a se aproximar com rapidez.
-V-você fez isso?! – ouço a voz amedrontada do garoto à minha frente – você...
-Eu matei meu irmão – completo e encaro seus olhos, sinto aquela mesma sensação azul me invadir, me dando poder, me reerguendo. Mas eu não queria explodi-lo, não dessa vez – você sabe o nome dele? – pergunto e o puxo para mais perto de mim, ao ponto de seus olhos assustados e arregalados ficassem a alguns centímetros dos meus. Consigo fisgar tudo o que se passa em sua mente em questão de segundos. O medo. O ódio. O arrependimento. Ele subestimou a pessoa errada e agora a pessoa errada está morta – o nome dele é Joseph, bem vindo ao inferno.
A água nos atinge, seu corpo instantaneamente se transforma em cinzas sendo levado pela água, uma fita de memórias da vida do garoto começa a passar em minha mente.
Mais um humano morto.
Mais um humano esquecido.
Apenas o primeiro de muitos que vão vir.
*Jhassi*
Consigo voar pelo céu um bom tempo até chegar próximo de onde vinha aquela estranha sensação. Eu estava sobrevoando então foi possível ver o estrago de um tsunami que cobriu a terra. Também vejo vários do meu próprio clã ali perto olhando para a onda de água. No chão consigo ver o clã vermelho correndo e morrendo logo em seguida, na terra percebo que haviam outros do clã amarelo a maneira que eles saiam há uma certa distância da onda.
Todos estavam pasmos, inclusive eu.
Olho para o mar de onde vinha a água e consigo ver uma grande silhueta de uma baleia. Ela era enorme.
Desço até o chão com a intenção de falar com Ray e An, consigo achar um lugar longe da rota da onda, estava seco, mas parecia que não iria ficar assim por muito tempo.
-O que é isso? – Ary pergunta saindo da terra, percebo sua preocupação no olhar, An vem logo atrás do pequeno.
-É um maremoto – digo, os garotos se entreolham sem entender – vocês algum dia foram pra escola?
-Não – ambos respondem em uníssono. Bufo alto.
-É uma onda gigante que sai do mar – tempo simplificar para eles – eu vi uma baleia gigantesca por perto, acho que era uma baleia azul, não sei se foi ela que causou isso, é muito improvável.
-Por quê? – An pergunta, suspiro fundo e aponto para todas as almas penadas que estavam por perto.
-Por causa deles.
-Debaixo do chão haviam vários do clã Áureo.
-Assim como no céu tem muitos do clã Alvo. Isso é estranho, uma baleia não causaria um maremoto, até porque ela nem sabe como fazer isso, é apenas um animal irracional. Seria preciso de um terremoto no fundo do mar, mas pra que fariam isso?
-Você acha que foi o clã Anil que fez isso? – Ary pergunta, o encaro e ele dá de ombro, percebo várias outras almas se aproximando, provavelmente seguindo a mesma sensação que nós seguimos.
-É, eles são o clã da água não é mesmo? Não seria difícil causar algo assim.
-Seria sim... – digo – precisariam de muitas almas, e todos bem alimentados, iriam gastar muitas lágrimas, e pra que?
-Talvez fosse só um treino... – Ary diz e dá de ombros – mas seja lá quem foram, eles são bons, e fortes.
-Sim...
*Ary*
Algum tempo se passa com nós observando a onda ir perdendo a força, logo ela chega ao seu alcance máximo. Pouco tempo depois regressa. Neste momento, várias almas já haviam se aproximado, até os penados vieram por estarem curiosos, todos assistiam àquilo e queriam saber como aquilo foi causado. E o mais importante, o porquê dessa sensação ter nos despertado de tão longe.
A água vai voltando para o mar, e logo surge algo perto da praia, começa a aparecer seus cabelos loiros, depois seu rosto e seu corpo emoldurado de escamas azuis. Embora eu, An e Jhassi estivéssemos longe, fomos capazes de vê-la com clareza. Era apenas uma garota, só uma simples garotinha do clã Anil.
Mas seus olhos não eram de uma simples garota, nem suas garras quando ela levanta a mão e segura em seu próprio cabelo, o cortando logo em seguida extremamente curto. Dava para sentir o ódio que ela emanava, parecia um anjo da morte.
-Se quiserem viver por mais alguns segundos em vão, fujam agora! – ela grita, percebo que respirava profundamente e não estava sobre o seu auto controle, quando a água abaixa de sua cintura, é possível ver o cabelo enrolado em sua mão vaga, logo depois aparece outra garota, também do clã Anil e com garras enormes, ela tentava lutar para escapar mas não conseguia, um medo começa a se instalar dentro de mim como nunca havia acontecido antes, a menina loira levanta facilmente com uma só mão a cabeça da outra que se debatia.
-Ary, vamos embora... – An me cutuca de lado, mas eu não conseguia deixar de assistir àquilo, e a sensação só aumentava em meu peito.
-Quem não fugir, receberá o mesmo que ela – a garota fala se referindo a outra, e logo suas palavras são seguidas de uma explosão. A cabeça da segunda é explodida em vários pedacinhos que caem na água, seu corpo despenca e logo se desfaz em puro pó – eu avisei...
VOCÊ ESTÁ LENDO
De onde vêm as lágrimas?
AzioneDe onde vêm os mundos sobrepostos à beira de seus colapsos? De onde vem a dor? De onde vem a vida? De onde vem a morte? De onde vem a alegria? Você sabe? Me diga! São muitas perguntas e nenhuma resposta. São tantas lutas que já não me sinto viva. U...