Capítulo Vinte E Seis

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- Mas do que você está falando? - a voz grave da mulher parece estar fazendo o máximo para conseguir falar em tom alto, como se ela tivesse passados os últimos anos somente aos sussurros e murmúrios.

- A gente têm que ir Nina.

Ignoro seu tom de voz autoritária. Não gosto que falem assim comigo. Mas antes de protestar ouço um grito estridente e agudo, como se a senhora tivesse por fim, encontrado a sua voz. Ela olha para o chão em lágrimas, as cinzas/areia estão espalhadas por todo o chão sujo, se misturando com o pó fedido da casa. Nem ouvi o pote cair.

A mulher se joga no chão, se ajoelhado sem se importar em onde está pisando, seus olhos estão completamentes encharcados e sua boca se move de forma estranha. Ela chora igual um bebê.

- Ei, por que não guarda isso? Seus filhos estão bem, não tem que se preocupar. - Harry mente olhando nos olhos da mulher, como em hipnose, as lágrimas de seus olhos param de escorrer e ela passa a mão nas bochechas enrugadas, ela começa a junta o pó com as mãos e depois de fazer um montinho, sai da sala. Poucos segundos depois ela volta com um vaso de vidro, coloca o máximo que consegue da areia dentro e depois o tampa, seus olhos passam por mim, mas ela não me olha, é como se não estivesse me vendo.

- O que você fez? - pergunto à Harry aos sussurros, mesmo sabendo que ela provavelmente não pode nos ouvir. Não gosto da ideia de manipular pessoas normais. Mesmo eu não sendo como elas. Qualquer tipo de manipulação é horrível.

- Ela é humana Nina. Humana e inocente. Não tem por que trazer ela para o nosso mundo.

Abro a boca para discutir, mas ele está certo. Ela não vai aguentar toda a novidade. Harry me olha e percebo uma mistura de muitas coisas em seu olhar, ele me puxa em direção aos fundos da casa, ele parece já ter estado aqui antes.

- Vai.

- O quê? - pergunto confusa, encarando seus olhos, Harry parece cansado. Não doente. Parece... Intenso.

- Me faça as suas mil perguntas Nina, já estamos aqui - ele fala finalmente.

Estou muito acostumada a ficar no escuro, e estou sendo perseguida por ele, se eu conseguir claridade, posso conseguir lutar. Preciso da verdade.

- O que aconteceu com as cinzas deles?

- Eles se regeneraram -, diz e espera um segundo antes de continuar, parecendo tentar entender se deve me passar tal informação ou não. - Nina, um anjo, e muitos seres, não pode andar nesse mundo sem o próprio corpo. Um anjo nunca nasce um anjo, mas também não nasce humano. É um meio termo. O importante é: eles precisam do corpo se quiserem ser sólidos, ter voz e... Todo o resto. Eles poderiam entrar em corpos humanos, mas é difícil. O corpo não aguenta. Alguém colocou areia nós potes e enfeitiçou os pais humanos para não notarem a diferença. Os humanos não estão prontos para o nosso mundo.

- Mas Anny não era um anjo, ela não precisa... - interrompo a minha própria fala quando me dou conta finalmente do que aconteceu. Anny está viva, talvez não nesse mundo, mas está viva.

- Não sabemos o que aconteceu com ela. - ele fala e percebo decepção em sua voz, como se tivesse falhado em uma tarefa importante. - Eles, estão com ela. Nina, você não faz ideia do poder que ela tem agora que... Se libertou.

Deixo que minha respiração ofegante se acalme conforme penso no lado bom da história, posso voltar a falar com ela.

- Nina, Anny não é mais uma nós.

A forma que Harry fala essas palavras, faz com que eu fique confusa de início, mas assim que começo a refletir sobre elas, entendo o que quer dizer. Anny se aliou a Jav.

+ + +

- Você está bem? - Harry pergunta com a voz cautelosa, não falamos nada desde que saímos da casa da mulher, simplesmente viemos de volta, e aqui, dentro do meu pequeno quarto, onde vejo as coisas de Hellen, onde antes ficavam as de Anny, me deixo desabar. Não faço barulho, simplesmente me sento encostada na parede e deixo as lágrimas virem.

Harry não diz nada, simplesmente se aproxima de mim e me deixa me acalmar sozinha. Mas quando percebe que minhas lágrimas não vão acabar, ele segura o meu antebraço, sinto as suas mãos quentes e macias passando lentamente por minha pele, quase que em uma massagem, me fazendo esquentar com seu toque. Por dentro. Por um momento, me sinto tola em chorar na sua frente, não quero parecer fraca. Não gosto da ideia de me verem como alguém fraca. Principalmente Harry.

- Você deve descansar - ele diz.

Aceito a sua sugestão e deito em minha cama, a mesma se encontra no canto da parede, de forma que quando me deito, posso me arrastar na cama até a parede, parando perto da mesma. Deixando setenta por cento da cama livre, Harry se senta na mesma e passa a mão no meu cabelo, ele me transmite uma tranquilidade tão grande que o sono logo vem, mas antes que ele possa me ter, deixo escapar:

- Você podia deitar - falo e coro imediatamente, não sei porque disse isso, não sei porque me envergonho por ter dito isso, mas ele se deitar comigo não me parece má ideia, Harry é meu amigo afinal. Mas antes que eu possa me controlar, contínuo - anjos devem cansar... Quer dizer, vocês não dormem?

Harry não me responde, ele simplesmente tira seu sapato e se deita ao meu lado, a dez centímetros de distância. Por um momento, ele apoia o peso no próprio cotovelo e me encara, seus olhos passam por meus olhos e minhas bochechas avermelhadas e ele sorri sem mostrar dentes, meu anjo passa a mão em minha bochecha, acho que tentando tirar alguma marca de lágrima, e logo se afasta. Harry deita a cabeça no travesseiro e encara o teto, desvio o olhar do seu rosto para tentar ver o que ele olha. O simples vazio do teto branco parece algo muito interessante para ele, que não consegue parar de encarar.

Olho para seu rosto novamente, ele não desvia o olhar do teto, o que me deixa curiosa sobre o que ele tanto pensa. Mas dessa vez não faço perguntas, simplesmente, continuo ali.

Pela primeira vez em muito tempo, não sinto vontade de saber de nada desesperadamente. O momento é calmo a presença de um anjo do meu lado faz com que a paz apareça em meu peito. Hellen está com Jev e um bando de demônios idiotas, não consigo pensar nela agora, nem em Anny. Tudo o que eu consigo pensar é no maldito teto branco a minha frente. Não sinto meus olhos ficarem pesados, simplesmente me desabo em um sono que eu precisava a muito tempo. Estou segura, por ora.

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