Trinta E Sete

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Acordo após alguns sonhos estranhos, como Harry vestido de fantoche, Luke e todos os outros andando em círculos sem rumo enquanto uma figura misteriosa os faz de bobos. Em certa parte de um dos sonhos, meu anjo tentou me beijar, ele colou os lábios nos meus e em seguida disse que era isso o que os seres que mandavam nele queriam. 

Ponho as mãos em meus lábios por instinto e após alguns segundo volto a noção e afasto os dedos. Tudo isso não passou de sonhos, sonhos bem estranhos, mas por mais que o primeiro tenha me incomodado bastante, o segundo me faz ficar com um peso no estomago. Tento o ignorar o máximo que eu posso, fingindo que não aconteceu. Sinto que toda a minha vida é um faz de conta mesmo. Faz de conta que não se importa com alguns fatos, Faz de conta que está tudo bem mesmo com tantos problemas a sua volta, incluindo uma maldição que me impede de ter amigos. 

Harry e Luke saíram do colégio após algumas horas, dos incidentes, me deixando sozinha mas não totalmente, Ed me disse que o colégio está protegido agora, se Jav ou  qualquer um que trabalhe para ele tentar entrar no colégio vai sair com um machucado bem feio e ainda os anjos do bem vão saber imediatamente, não que isso fosse me impedir de falar com o suposto mau.

Anjos do bem. 

Nem sei se isso ainda pode ser usado para definir eles, afinal, alguém os controla para tudo o que precisarem. Por mais que tenham sido criados para intenções puras, alguém está controlando para que não seja totalmente assim. Os anjos não passam de soldados fieis, e estes, fazem qualquer coisa para cumprir as suas ordens e vencer a guerra. Independente de quem se ferir no processo. 

Aperto meus olhos quando me lembro de que dia é hoje, estou nesse maldito lugar a meses e finalmente chegará o dia da reunião de pais. Estou tão alfinetada por toda essa loucura de guerra que está acontecendo que nem me lembro direito que estou apenas no fim do Ensino Médio. Me sinto presa a uma bolha do tempo em que nada disso importa ou deveria importar, minhas notas caíram mas isso é a menor da minhas preocupações. Só que ver meus pais de novo não é igual. 

Tomo um banho lento e acompanho a minha colega de quarto silenciosa até o refeitório, depois de mais de dez minutos em que ninguém quase comeu nada, vamos cada uma para seu devido lado aleatório do colégio. A reunião acontecerá em um dia em que não teremos aula, assim tanto os alunos quanto os professores vão acompanhar com mais tranquilidade, para isso tiraram todas as aulas de hoje. Pouco me importo, duvido que meus pais apareçam. 

+ + +

A sala está repleta de pais, sentados em cadeiras bem distribuídas no auditório, parecendo bem famintos por novidades dos filhos que quase não veem, somente aos fins de semana ou até menos. Já os professores parecem ansiosos para toda aquela lenga-lenga de sempre acabar logo, eles chamaram turma por turma, tendo marcado um horário diferente para cada turma, assim mantendo tudo mais organizado e centrado no que é importante. Supostamente os alunos. 

Por mais que eu odiasse ter que vir aqui e ouvir todos os discursos aleatório que vão fazer sobre o ensino do colégio e o falar breve sobre cada aluno - dando a chance dos pais lhes fazer perguntas -, eu tive que vim, já que isso também é supostamente para cada aluno ver como está se saindo e é obrigatório a presença de todos. 

Por mais esquisito e inesperado que seja, vejo os meus pais sentados a uma parte mais afastada dos outros, eles têm as mãos dadas de forma carinhosa e sinto um nó se formar na minha garganta. Por mais que eles tenham que me odiar e então tenham sempre me tradado mal, eu não consigo os odiar ou ignorar como faço com a maioria das pessoas. Não agora que eu sei da verdade. Não me aproximo deles, me sento na ultima cadeira e fico isolada, fingindo prestar atenção a toda a faladeira que começa assim que todos os alunos, e pais, estejam devidamente acomodados.

Não consigo tirar os olhos deles, seu jeito meigo um para com o outro, eu percebo mesmo com eles de costas. Me falaram que eu nasci o que sou graças a um amor enorme que eles sentem, da bondade de caridade dos pais de anjos. Meus pais eram carinhosos com Luke, e quando minha presença não os atrapalhavam eram verdadeiramente felizes. 

Eles se viram para trás quanto todos os outros começam a se levantar para sair, nem notei que a reunião tinha acabado. O choque que tenho ao notar os seus rostos é inexplicável. Eles têm olheiras fundas embaixo dos olhos, seus rostos parecem mais tristes do que nunca, e por mais que tenham parecidos saudáveis quando os vi de costas, agora eu percebo o envelhecimento precoce em suas faces. Seus olhos fundos parecem mais um mar de tristeza. Toda a magoa que eu carrego dentro de mim sobre eles some na hora, afinal, eles não passam de mais vitimas inocentes de toda essa guerra, que dura centenas de anos.

Eles não parecem me ver, me encolho para que isso não aconteça, por mais que eu sinta vontade de ir até eles e explicar tudo o que acontece, e dizer que Luke está vivo, sei que não devo lhes dar essa dor de cabeça. Meu irmão me visitou, só porque eu sou importante, somente por isso os anjos permitiram tal feito, nossos pais não passam de meros humanos, Luke nunca teria permissão para lhes contar algo. 

Eles vivem dia após dia com o coração apertado, pensando que seu doce filho está morto, pensando que toda a felicidade que um dia tiveram lhes foi roubada por algo que até mesmo desconhecem. Eles estão se afogando, vejo força em seus traços, mas somente a suficiente para conseguir viver dia após dia, pensando em um dia morrer e rever aquilo que tanto lhe faz falta. Acredito que talvez nem mortos os anjos permitam que Luke os reencontre. 

A sala fica vazia sem mesmo que eu note, uma leve lágrima escorre pelos meus olhos e noto que ambos ficaram para trás, por algum motivo eles me olham, me olham com os olhos cheios de lágrimas, o pesar em meu peito aumenta no momento em que percebo eles vindo na minha direção. 

- Nina... - a voz da minha mãe parece mais rouca e mais velha do que eu me lembro, meu pai acompanha seu caminhar e ambos param perto de mim. 

Seus olhos me varrem como se achassem um tesouro a muito perdido, eles não me olham com raiva ou algo do tipo. A lembrança de como me olhavam antes se esvai da minha mente no momento em que sinto seus braços caindo sobre meu corpo pequeno. Meus pais me abraçam juntos de forma mais gentil possível, o choque atravessa o meu corpo e não consigo deixar de ficar imóvel. 

Eles se afastam um segundo depois, não parecem lembrar de um dia já ter me maltratado, meus pais me olham de forma sedenta, de forma triste e alegre ao mesmo tempo. Eles não podem demorar aqui, sei disso ao notar um ar de pressa no inspetor perto da porta. 

- Estamos com saudades de você... têm sido horrível lidar com a casa vazia - minha mãe começa a frase que é terminada com ela e meu pai juntos. 

A confusão parece presente em meus olhos e minha postura, o nó na minha garganta está maior do que pensava ser possível e logo não vou mais conseguir segurar as lágrimas. Meus pais saem da sala com um leve soluço de choro vindo de meu pai, minha mãe parece igualmente abalada, olho para a porta os vendo partir, e tomo um susto quando uma mão quente toca meu ombro. 

- Considere isso um presente - a voz do Anjo da Guerra soa fria e firme. 

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