Give Me Love

Trinta E Cinco

Eu vejo Harry a minha frente, seus músculos parecem mais relaxados do que nunca, ele vem até mim e me dá um leve sorriso, estamos em frente a minha antiga escola, esperando meu irmão sair da sua última aula para irmos para casa. Harry fica próximo de mim e ali iniciamos um assunto aleatório que nunca consegui ter com ninguém, o assunto flui com tanta facilidade que pareço estar conversando com alguém que conversava sempre, que tinha uma grande intimidade, mas que não nos falávamos a certo tempo. Meu irmão aparece depois de alguns minutos e Harry vai embora com um leve aceno de cabeça. 

Meus olhos se arregalam e engulo em seco quando percebo o significado do que acabei de ver, não exatamente ver, e sim lembrar. Harry me olha por um momento confuso, mas logo a sua confusão se desfaz quando ele parece entender o que está acontecendo. Harry me roubou memórias, memórias com ele. E eu as estou recuperando de volta. 

Fecho os olhos ainda com a mão no rosto do meu anjo, preciso de muita concentração para fuçar meu próprio cérebro em busca de respostas. Eles não conseguem apagar a memória de alguém de verdade, só as escondem onde nem a pessoa mais centrada consegue encontrar. Mas eu não sou qualquer uma, eu sou forte e estou aprendendo a controlar meu próprio corpo de maneira que eu nunca pude. Eu agora tenho quase total controle sobre a minha mente. 

Cenas voltam com tudo para a minha memória, e eu sinto um calafrio sempre que algo novo aparece. Não lembro completamente, seria impossível, a própria mente humana não permite isso. Mas vejo flash, dezenas de momentos em que Harry e eu conversamos no passado vem a tona, ele me via toda semana depois da aula, nos dias que meu irmão tinha uma aula a mais que eu. Não nos tocávamos muito, não no começo, mas depois de algumas semanas Harry começou a me cumprimentar com um abraço apertado.  

Harry está a minha frente, não estamos em frente a escola dessa vez, Luke saiu com alguns amigos e estou em casa, em um horário em que meus pais não poderiam chegar. Harry é meu amigo, ele me vê sempre que estou sozinha e se tornou alguém com quem posso contar para conversar e ser um pouco de mim mesma. Mesmo nem sabendo exatamente o que eu sou. 

Ele caminha até se deitar sobre a minha cama, jogando seu corpo sobre ela com tudo, vou em seguida rindo e me deito ao seu lado. Conversas aleatórias vêm a tona e quando menos percebo estou de pernas cruzadas na cama, falando de forma tão animada sobre um seriado, que nem percebo a expressão ansiosa em seu rosto, ele está perto de mim, sentado a minha frente, com um joelho levantado e o braço apoiado nele, perto o suficiente para sentir a sua própria respiração. 

Meu sorriso se desfaz aos poucos quando noto a proximidade, Harry me olha nos olhos e vejo dor neles, não entendo exatamente o porque. Sua mão vai até a meu rosto e seus dedos me acariciam com carinho. 

- Isso tá errado, não deveria me aproximar de você assim.

Sua voz é calma e rouca, seus olhos parecem fitar minha alma, seu jeito é desconcertado demais para parecer só perdido no horário. Harry se aproxima mais de mim e deixa um leve beijo em minha testa, o clima é de despedida e meu coração se aperta ao perceber que vou perde meu único amigo, fora meu próprio irmão. Harry me olha nos olhos, seus dedos acariciam meu rosto de forma lenta, levando ondas de energia por todo o meu corpo, seus olhos parecem mais penetrantes do que nunca. 

- Você não vai se lembrar de mim Nina - sua voz tem um tom triste - Não vai lembrar que eu existo e nem de nada haver comigo. A única pessoa que você tem é o seu irmão. Você espera sozinha por ele em frente a escola toda sexta feira.

Me afasto do meu anjo com o coração batendo loucamente, seus olhos me analisam por alguns minutos em um completo silêncio, Harry tem uma expressão ansiosa no rosto, sinto como se ele estivesse um pouco à vontade apesar de tudo. Um lado dele queria, um lado dele estava louco para me contar que esteve comigo em diversas vezes antes de eu o "conhecer". 

- Por quê você fez isso? - pergunto com a voz rouca - Por quê fez amizade comigo só para me fazer te esquecer e me deixar pensar que só tinha a meu irmão? 

Por mais que me sinta confusa e incomodada, sinto que meu maior aliado mentiu para mim esse tempo todo, não consigo chorar de raiva ou o odiar, só sinto que existe mais distância entre a gente, apesar de agora saber que esteve comigo a mais tempo do que me lembro. 

- Nina, eu estava quebrando regras, e eu seria punido, se não me afastasse podiam eles me afastar, me obrigando a nunca mais conseguir pisar na Terra, e aí sim você estaria sozinha. 

A parte de quebrar regras me lembra tudo o que Jav e Anny me falaram mais cedo, me sinto sufocada ao imaginar o próprio sufoco que meu anjo e meu irmão se encontram, eles nem sequer sabem onde andam.

- Eles pediram para você fazer isso? - pergunto ainda me sentindo um pouco traída. 

- Eles nos fazem fazer tudo o que precisam, tudo o que acham certo. Tudo o que é certo. - sua voz é séria, ele não parece achar errado o que ele mesmo fala. 

Nesse instante percebo o quanto Harry e todos os anjos estão sendo manipulados. Eles sequer sonham o que está acontecendo. Sinto um calafrio percorrer o meu corpo quando noto que Jav está certo, ele pode está agindo da maneira errada, mas suas intenções não são de toda ruim.

- Por quê... - assim que as palavras saem de minha boca percebo o quão ferrada eu estou, me sinto em uma enrascada. Harry reporta diretamente a sabe se lá quem está o controlando, tudo o que ele pode fazer é com permissão deles. Eles devem saber até nossas conversas.

Entendo o porque de nunca poderem me dizer exatamente o que eu quero e preciso saber, eles estão vigiando, eles sabem de tudo o que acontece e, seja lá quem são eles, eles sabem até o que meu anjo pensa. Harry me encara confuso, ele tem um olhar sério nos olhos, seu corpo parece tenso, Harry é um fantoche, ele e meu irmão não são nada mais que fantoches, não posso confiar neles. 

- Porque os anjos agora deixaram você se aproximar de mim? 

Desvio o assunto da forma o mais pratica e rápida que eu consigo, Harry tem uma expressão azeda, ele não parece gostar tanto de falar sobre isso, mas fala sem pestanejar, como um discurso ensaiado. 

- Pela sua segurança, não podiam te deixar sozinha com Jav tão perto.

Harry parece um pouco desconcertado com minha pergunta estranha, ele não diz mais nada, e nem eu pergunto. O que meu doce anjo não falou é que os anjos também me querem, eles o permitiram vir até a mim para confiar a minha confiança. Os anjos também precisam de mim da mesma forma que Jav, eles também querem me usar, os anjos são tão cruéis quanto acusam o meio anjo de ser. 

Não sei o que tenho que fazer para conseguir isso, mas sei que Harry, Luke e todos os anjos, estão em uma situação pior do que a minha, eles estão completamente indefesos. Eu tenho que achar um jeito de os libertar.