Quarenta E Quatro

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Meu anjo não aparece mais por aqui, para a minha tristeza, em vez disso, quem fica "de guarda" mandado pelos anjos é Nick, ele me avisa que mandaram Harry para outro lugar e como não sabem da minha força não arriscam me deixar sozinha, caso Jev me ataque. Mas a verdade é que o episódio de ontem só serviu para me mostrar o quão forte eu estou, e todos os que estavam presentes na casa do meio anjo testemunharam a minha força e a fraqueza de Izzie. A sua total vergonha.

Jev não mandará outra pessoa para me treinar, já que Izzye provavelmente tentaria me matar e já tenho a pessoa ideal aqui comigo, meu treinamento de hoje vai ser por conta de Nick, afinal de contas ele, diferente de Harry, Nick pode tentar me machucar, já que não é especificamente o meu anjo.

- Nina, o que você mais tem dificuldade? - Pergunta ele quando já estamos no quintal de casa, ambos preparados para uma futura luta, estou usando minha última regata acessível, todas as outras que tenho já estão sujas ou rasgadas graças aos treinamentos não tão mentais que recebi nos últimos dias.

- Acho que na parte física, ainda não sei nem como dar um soco caso precise.

- Acredite, com o seu talento, você não vai precisar. - Nick diz com a sua voz suave, enquanto dá um leve sorriso. A sua aparência, assim como a de Ed, é da mais completa paz, Nick parece ser a paz em pessoa, é estranho até imaginar ele em uma briga de verdade.

Dou um leve sorriso encorajada e suspiro em seguida. Sabemos que sou forte, mas não estou cem por cento, e estou longe de estar. Se Jav estiver certo, quando eu controlar totalmente os meus poderes e aprender o que posso fazer com eles, serei mais forte que ele, mais forte que meu anjo e até que Ed. Esse pensamento é empolgante, afinal, por mais que eu só queira ficar em paz, com meu irmão e meu anjo em segurança, sei que assim não deixarei que me controlem com facilidade.

Nick me dá algumas instruções de como eu devo sempre estar em alerta quando encontrar o suposto inimigo e me diz para limpar meus pensamentos, diz que com a cabeça cheia ninguém consegue se concentrar direito no campo de batalha. Ele me ensina algumas táticas aleatórias de golpes que alguém de corpo menor, como eu, podem dar com sucesso. Nick parece empolgado em me treinar e conhecer meus limites, ele não me deixa entrar na sua cabeça mas me manda colocar algum sentimento nele, algo como raiva ou adoração.

Ele é mais difícil, diz que está resistindo e que está preparado para meu ataque, e por isso não tenho tanta facilidade como quando fiz isso com a Izzye, minha antiga instrutora, mas suspeito que o real motivo seja a minha motivação, em ambas as vezes que tive sucesso no que fiz, foi por ciúmes ou raiva.

Nick finalmente cede, ele cai de joelhos com as mãos no rosto, tão vermelho que é obrigado a virar as costas para mim. A vergonha é o sentimento mais fácil, inofensivo e engraçado que eu poderia fazer o loiro sentir. Deixo que alguns minutos se passem com ele mais vermelho que tomate, e mais encolhido que tudo passar, Nick não consegue pronunciar qualquer palavra quando lhe faço uma pergunta, ele está morrendo de vergonha.

Aumento a intensidade do meu poder quando sinto o suor se acumulando sobre mim, lágrimas saem de seus olhos claros e ele solta um leve soluço, entendo que está na hora de parar quando ele se levanta e cambaleia para longe de mim, pegando um vaso de for quebrado e se preparando para enfiar em seu peito.

- Chega! - grito assustada enquanto corro para perto dele, Nick me olha assustado e seu rosto vai ficando do vermelho para o pálido normal. Acho que fica ainda mais branco que a sua cor natural.

- Eu ia me matar de vergonha... - ele diz com um sussurro. - Acho que temos que treinar agora como fazer você usar seu poder de forma menos intensa.

+ + +

Meus treinamentos com Nick acabam mais tarde do que eu gostaria, me fazendo soltar um bocejo de sono, junto com um pulo de susto que tomo quando percebo que meus pais já chegaram em casa. Faço um sinal de tchau para meu novo treinador - por hora pelo menos -, e em seguida entro o mais silenciosamente possível em meu quarto, sem deixar que meus pais me vejam passar ou ouçam as minhas pegadas de gato.

Sinto um leve vazio quando encaro o quarto vazio e percebo que nem Harry nem Luke vão passar por aqui, estou com saudades de meu irmão, já faz alguns dias que não o vejo e a preocupação com o que quer que esses anjos loucos estejam botando ele para fazer cresce em meu peito a cada segundo. Luke é bom, bom demais para ser mandado para matar grávidas inocentes. Pensar que meu anjo fez isso faz o bile me subir à garganta.

Depois de um belo banho, que tomo com o máximo de rapidez que consigo, caso meus pais resolvam passar por aqui não terem com o que reclamar. Desço as escadas com a barriga roncando, hoje meus pais chegaram tarde de novo, por volta das onze da noite, mas passei o dia praticamente inteiro treinando a minha mais nova habilidade de entrar na cabeça das pessoas. Por mais que eu odeie controlar alguém como um fantoche, sei que é necessário que eu aprenda formas de me defender, e essa é uma delas, uma das boas.

Já na cozinha, procuro algo para beliscar quando esbarro em um copo largado de qualquer jeito no canto da pia, o derrubando e sentindo o seu barulho de vidro sendo quebrado e estilhaçado ressoando de forma a dar eco em meus ouvidos. Qualquer um nessa casa silenciosa poderia ter ouvido.

- Droga. - Murmuro enquanto pego alguns cacos maiores com as mãos, mal ouço os passos, só escuto quando uma voz grave ressoa na cozinha.

- Você quer acabar com a louça ou só matar a gente de susto? - A pergunta de meu pai carrega um tom tão cruel quanto o seu próprio rosto aparenta.

Não lhe respondo, meu coração acelera quando me lembro das inúmeras situações em que testemunhei as brigas de meus pais para comigo. Eu sei que estou segura, Nick está aqui - ou pelo menos não muito longe - para me proteger e Harry, no menor sinal de perigo para mim, com um chamado ele estaria aqui, independente das ordens dos anjos, eles não são mais poderosos do que a nossa ligação, e não podem fugir dessa regra. Um anjo da guarda não pode deixar de cuidar de seu protegida.

Mas mesmo assim me encolho, um arrepio surge diante de meus braços e me sinto pequena e frágil de novo, como a alguns meses atrás, quando meu irmão estava morto e eu tinha que sozinha e sem saber de nada, carregar o peso de uma maldição nas costas. Meu pai me encara com os olhos mais furiosos do que nunca, como se estivesse esperando uma resposta. Meu irmão não está mais aqui para me defender de seus abusos verbais, mesmo que eles não tenham culpa, então o medo de me machucarem ou de suas palavras me invade.

Ele é forte e firme em mim, o medo me faz murchar e ficar vulnerável. Mas não me demoro muito para lembrar que as coisas não são exatamente assim. Eu não sou vulnerável, mesmo sem ninguém para me proteger ou guiar. Eu sou mais forte que muitos pensam, e não posso congelar de medo sempre que alguém ser grosso comigo, mesmo que a pessoa seja meu próprio pai.

- Você não quer brigar comigo por um copo, não de verdade - digo com a voz baixa, porém, firme.

Meus olhos vão para os olhos de meu pai e tento me concentrar neles, faço como fiz esse tempo todo no treinamento com qualquer um dos meus instrutores. Me concentro na sua alma, no que imagino ser ela, e tento colocar um pouco, só um pouquinho de compaixão em seus olhos, um pouco de senso e de compreensão.

Seus olhos continuam a me olhar com nojo e por mais que eu tente, só me sinto mais reprimida e desconfortável, meu pai me encara completamente irritado, mas sem dizer nada. Os sentimentos que tento impor em sua mente parecem não caber lá. Me concentro mais. Uma gota de suor escorre de cada lado de meu rosto, me fazendo soar frio, minhas mãos tremem e minha concentração é tudo o que eu consigo sentir. Minhas pernas parecem ficar moles.

Segundos são o bastante para me deixar tonta, eu a principio penso que estou desmaiando, já que a sensação de mal estar parece estar mais que presente em meu corpo. Mas pisco os olhos e percebo que isso está longe de ser um desmaio, meus olhos estão cobertos por uma nuvem negra que mais parece fumaça de um caminhão velho. Tento enxergar algo por trás disso, mas é muito confuso e difícil distinguir as coisas. Fecho meus olhos um pouco.

Demoro a perceber que não estou tendo uma visão ou algo do tipo, estou na realidade fazendo algo que nunca fiz antes, estou lendo os sentimentos de meu pai. É estranha a sensação de ler o sentimento de alguém, eu não preciso sentir o que ele está sentindo e nem exatamente os vejo, mas sei que está lá. Abro meus olhos e vejo meu pai ainda me olhando, não preciso mais de fechar os olhos para ler os seus sentimentos, não é tão difícil assim. Ele só tem um sentimento dominante no momento.

Ódio.

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