— Com pimenta ou sem? — Sofia entregou duas tigelas fumegantes para Jamil, que estava usando roupas confortáveis. Depois da chuva, uma garoa fina como lágrimas assustava aquela madrugada. Os mendigos ainda tossiam e a D. Marshela estava em oração.
— Sem — Ele pediu e pegou a bandeja. Sofia arrumou os talheres — Sofia, porque está acordada?
— Até que todos estejam bem, prefiro continuar alimentando eles — Ela terminou — E aquele estranho em tua porta?
— É um amigo. Está ferido.
A menina concordou e foi até o armário. Pegando um kit de primeiros socorros em uma caixinha de ferro batido, entregou á ele.
— Faça alguns curativos. Depois é só devolver para minha mãe. Preocupo eu, as feridas se infeccionarem.
Jamil pegou.
— Grato —Ele suspirou — Bem, melhor subir. Está tarde.
— O chuveiro ainda tem água quente, se te interessa. A caldeira não quebrou nesses dias. Mas me responda algo?
— Sim, menina.
— Que amigo é esse que desafia a pior tempestade do século apenas para visitar um velho amigo?
Jamil corou-se.
— Hm...
— Jamil, não me importa sua vida — A garota voltou sua atenção á canja de galinha borbulhando — Mas se um amigo atravessasse Paris inteira apenas para me esperar pela madrugada, enquanto eu estou no trabalho, eu pediria em casamento.
— Não diga pachouchada, Sofia. Sou homem.
— Federico Garcia e Oscar Wilde eram homens também — Ela justificou. Jamil perdeu tal fala.
— Sofia, minha sexualidade não é pauta de conversa para ninguém.
— Sei que não é. Mas eu palpito ás vezes.
— Vai contar isso para sua mãe?
— Eu? — Ela riu — Jamil, sou criança. O que eu digo, nada acontece e ninguém acredita. Por isso, minha boca é um túmulo. Melhor ir, a canja está esfriando.
Jamil deu de ombros e pegou a bandeja.
Subindo as escadas, ele pensou no que Sofia disse e pensou o quão seu coração se alegrou com Charles de volta. Após o despir, o enrolou nos cobertores, e saiu para procurar sopa.
Quando abriu a porta do quarto, encontrou os dois gatos de rua, ronronando entre as pernas de Charles, em um sono tácito, e o rapaz, desnudo. Provido de uma calça bege emprestada de Charles, as roupas dele estavam no canto, na mala. Juntamente com o pacote de dinheiro que trouxe.
Jamil trancou a porta e se tentou a tomar um banho. Mas algo lhe dizia que Charles queria que ele ficasse no ambiente.
Assim que a vitrola começou a tocar Boris, Jamil entregou a tigela para Charles.
— Espero que esteja com fome.
— Faminto — Charles começou a comer — Obrigado por me acolher.
— Não deveria eu, mas cá estamos — Jamil se encostou na cadeira e acendeu um cigarro — O que está fazendo em Paris novamente?
— Paris é meu lar.
— Não há duas semanas atrás.
— Não tente remoer o passado, Jamil.
— Duas semanas atrás não são dois anos atrás. Tenho sumo direito de remoer o passado.
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Alabama Song (HISTÓRIA OFICIAL)
FanficNa década de 50, na idade do ouro no cinema, Elvis reinava na terra da música e o jazz ainda tocava nas ruas de Paris. Charles Payne tomava conhaque no Le Trous e Jamil Malik era um aspirante à escritor que amava a vida. O caminho dos dois foi selad...