UM

284 21 13
                                    

— Mirella, nós gostaríamos de um repertório diferente no sábado.

— Que repertório Seu Beto?

— Aqueles meninos loirinhos, sabe? Eles vão vim tocar aqui em Belém no sábado.

— Os Hanson?

— Esses mesmos! Você sabe alguma música deles? Eu queria que quem fosse fã deles e não puderem ir pro show, possam vir pra cá. Sabe? O pessoal do marketing disse que isso poderia ser legal e atrair muito cliente.

— Seu Beto, o senhor tá com muita sorte. Eu sou super fã da banda e sei tocar todas as músicas.

Mirella realmente sabia. A primeira música que havia tocado na vida tinha sido MMMbop, como todas as garotas em 1997.

Hanson havia sido não somente sua inspiração para cantar e tocar, mas também sua obsessão durante alguns anos de sua vida. Ela fora corpo e alma durante uns bons seis anos. Acompanhava tudo nas revistas da Capricho e Todateen.

Mirella queria conquistar o Taylor Hanson, o tecladista. Então foi atrás de aprender a tocar piano. Embora não tivesse dinheiro para aulas de pianos — pois eram extremamente caras —, ela usava as revistas de banca de revistas e usava o piano velho que tinha na casa do seu avô, um senhor muito idoso que havia lutado na segunda guerra.

Daí veio a paixão também por violão, já que Taylor também tocava violão. E, juntando algum dinheiro que ganhava da pensão do seu pai e com uma ajudinha dos tios e avós, comprou um Yamaha acústico. E aprendeu também com as revistas que ensinavam a tocar.

Na época não havia cifraclub, então ela precisou se virar para pegar as músicas de ouvido mesmo. Era muito difícil, mas em tempo veio uma ajudinha.

Robertinho, um multi-instrumentista que havia entrado na escola, ajudou-a com as cifras das músicas. Era claro que ele estava querendo namorar com ela. Um rapaz ouvindo horas e mais horas de Hanson naquela época? Só sendo muito louco. Ou apaixonado.

Aconteceu que Robertinho realmente se tornou namorado de Mirella. Mas muitos anos depois.

Aos dezessete, veio a preocupação com o vestibular, o que faria da vida. Então teve de escolher: certezas ou incertezas. Direito ou música?

Optou por música. Violão.

Fez o vestibular e depois o teste de aptidão e então estava dentro. Havia estudado partitura feito louca para passar na prova. Mas, por sorte, aquelas revistas eram até completinhas e ela tinha alguma noção.

E então, pouco depois dos anos 2000, Mirella iniciou sua faculdade e, com o tempo, foi parando de ouvir aquelas músicas que tanto gostava. Agora ela ouvia Tom Jobim, Caetano Veloso, Chico Buarque... embora sempre vibrasse com um CD novo dos seus ídolos e os ouvisse exaustivamente, não fazia mais os planos de casar com Taylor ou encontrá-lo em Tulsa. Jamais iria a Tulsa. Principalmente depois do seu casamento. Queria que ele fosse feliz com seus filhos e sua esposa.

— Você não vai ao show, não é? — Beto perguntou curioso.

— Não. Estava muito caro e o primeiro lote foi vendido muito rápido. Eu preciso juntar dinheiro pro casamento, seu Beto.

— É isso aí! Como está o Robertinho? 

— Tá super bem agora em Fortaleza tocando pro Fagner.

Parecia uma loucura não aproveitar um show dos seus ex-ídolos em sua cidade. Mas ela já conhecia todas as músicas, e se fosse, iria com o ingresso mais barato — que não era tão barato assim — e ainda estaria em um lugar ruim. Ela realmente precisava pensar no futuro. E seu futuro era com Robertinho.

Fechou com o dono do bar que levaria o repertório todo de Hanson e o dono ficou feliz já que iria poder divulgar nas redes sociais que teria a noite dos Hanson. Mas agora precisaria se esforçar. Pediu para Beto fazer uma enquete em sua página quais eram as músicas que eles gostariam de ouvir. Daí ela faria um bom repertório que agradasse a todos.

Agradeceu ao dono do bar e correu já que tinha mais dois lugares para tocar naquele dia.

Aquele post foi um sucesso. Todas as viúvas que não iriam poder ir ao show, colaria no bar para curtir uma noite bem anos 2000. Tinha pedido de tudo. Desde MMMbop até Siren Call. Ia mesmo ser divertido para Mirella que adorava tocar aquelas músicas.

Robertinho, seu então namorado/quase noivo, tocava bateria para o Fagner, cantor cearense super influente. Ele precisava ficar muitos dias longe de casa, e consequentemente, longe de Mirella que sentia falta dele todos os dias. Mas entendia que aquilo era a forma que eles tinham para construírem uma vida juntos, já que dividiam um kitnet simples perto da Praça da República.

Ela trabalhava todos os dias. Depois da faculdade, não conseguiu um emprego estável, então tinha que se virar. De dia, Mirella trabalhava em uma loja de acessórios para instrumentos. Recebia pouco, mas gostava do seu trabalho. Adorava discorrer sobre as diferenças entre eles. A noite ela tocava em barzinhos pela cidade. Com muita dificuldade, havia conseguido comprar uma mesa de som, microfones, cabos e até as caixas de som. Comprou também uma pedaleira para poder brincar com as músicas.

O pequeno kitnet era mais apertado pelo número de instrumentos que haviam ali. Os dois viviam música, respiravam aquilo o tempo todo. O Robertinho até havia ensinado ela a tocar bateria. Não era a melhor, claro, mas enrolava bem.

Alguns bares já haviam fechado fixamente com ela na semana, e por sorte — ou talento — ela estava até muito requisitada.

Naquele final de semana do show, Robertinho estava em turnê nacional com Fagner, então ela já não o via a dias. Eles apenas conversavam pelo telefone ou na hora do almoço ou muito tarde da noite, quando ambos estavam cansados do trabalho.

— Você nem vai acreditar no que o o Beto pediu pra mim.

Aquelas conversas a noite rendiam as vezes.

— Não faço ideia.

— Uma playlist com músicas dos Hanson. Você acredita?

— Adolescência pulsando, mille?

— Talvez. Pelo menos vou matar um pouco a saudade deles tocando umas musicas boas. Já estou fazendo o setlist e preciso ensaiar para que saia tudo bem no dia.

— Você sabe essas músicas de cor, mille. Até eu sei. — Ele riu da namorada. — Espero que não se apaixone pelo Taylor de novo.

— Como me apaixonaria se agora bateristas são meus favoritos?

— Espero que sim. Eu preciso ir, vamos sair pra comer hoje. Ainda temos estrada pela frente.

— Se cuide, amor. Vou acompanhar vocês em coração.

Depois de desligar, decidiu qual seriam as músicas que tocaria no sábado. Ia ser legal.

-

Mirella achou engraçado quando entrou no bar e viu vários balões e pôsteres da época de 90.

— Estamos tentando criar um ambiente. — Beto falou enquanto ela arrumava o palco para colocar o som.

— Eu gostei. Deu muita gente no evento?

— Muita. Vamos estar sujeitos a lotação. Vai ser uma apresentação e tanto.

Ela havia decidido que faria aquilo direito. Chamou dois amigos para lhe ajudar. Enquanto ela ficaria na guitarra, Daniel e Rian ficariam no teclado e bateria, respectivamente. Sairia, claro, no prejuízo, mas estava ok com isso. Seria uma chance de mostrar o seu trabalho de forma correta.

Havia ensaiado com ambos dois dias antes e se saíram muito bem. Eles também ouviam a banda como ela. A setlist seria basicamente as mesmas de String Theory — que ainda eram as mesmas que eles tocavam nas turnês — e acrescentaria outras músicas como Juliet, Save me e Penny & me.

Tudo ia ser perfeito.

FLOWER (CONCLUÍDA)Onde histórias criam vida. Descubra agora