Capítulo 1 (Dedicado a Alicia)

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                           ~🤱🏼~
" Você me ensinou a coragem das estrelas antes de partir. Como a luz continua interminavelmente, mesmo após a morte. Com falta de ar você explicou o infinito. Quão raro e belo é até mesmo existir." (Saturn-Sleeping at last)

-Alicia Evans
    Quando eu era pequena, minha mãe, Mary Evans, costumava ler para mim. Meu pai, Robert Evans, sempre fora muito ocupado e não costumava ser tão atencioso, mas era um bom pai. Minha mãe dizia que era o jeito dele, mas percebia em seu semblante o quanto ela era infeliz com isso.
    Morávamos em uma casa bem espaçosa e, apesar de tudo, éramos felizes. Papai trabalhava bastante, talvez por isso vivesse estressado e amargurado. Mas nos finais de semana sempre fazíamos passeios em família. Nas datas comemorativas, em especial no Natal, viajávamos para Massachusetts na casa de minha avó paterna e nos reuníamos com os familiares.
Minha avó materna faleceu antes que eu a conhecesse e minha mãe nunca conheceu seu pai. Por isso, todos os parentes que tínhamos eram de meu pai. Minha mãe não me falava muito da mãe dela e de seus parentes e como eu era novinha nunca perguntei muito a respeito.
    Eu amava minha escola e tinha muitos amigos. Mas a melhor parte do dia era quando voltava da escola para casa e me divertia com a mamãe. Eu cresci ouvindo Mary dizer que eu deveria me tornar uma mulher forte e lutar pelos meus sonhos. Enquanto aprendia boas maneiras com professoras contratadas pelo papai, por outro lado, minha mãe me ensinava a desvendar a literatura filosófica, os romances naturalistas e manifestos progressistas.
    A leitura sempre foi muito estimulada em minha casa, inclusive por meu pai. Apesar de seus gostos literários serem diferentes, ele não se intrometia muito nos meus. Às vezes, quando minha mãe saía, ficávamos eu e papai lendo na sala e conseguia sentir o seu carinho nesses momentos. Papai é um homem de poucas palavras, mas sei que por dentro desaba sentimentos. E por isso amo meus pais.
    Desde os meus 6 anos, me recordo das brigas e discussões dos meus pais. Eu costumava me trancar no quarto e colocar o travesseiro sobre a cabeça para não ouvir. Às vezes eu passava dias sem ver minha mãe e Lydia, nossa governanta, dizia que ela estava doente.
    Lydia trabalhava em nossa casa desde que meus pais se casaram e seu marido também, como motorista. Eles eram como se fossem da família e mimavam-me muito. Moravam perto da nossa casa e por isso estávamos sempre juntos, inclusive nos finais de semana.
    Quando completei 10 anos, fizemos uma pequena festa em minha casa para comemorar e convidei somente meus amigos de escola. Lydia preparou um bolo enorme de chocolate com morangos e meus pais contrataram alguns brinquedos de festa infantil. Foi muito divertido.
    Todos os anos comemorávamos somente entre nós, mas esse foi uma exceção. Ganhei vários presentes, um colar lindo da mamãe com fotos nossas e um vestido rodado de papai. Lydia e o Sr. Jones, seu marido, me deram uma linda boneca de porcelana.
    Foi uma tarde memorável e feliz, que ficou para sempre guardada em minhas lembranças. Mas ainda naquele dia, quando todos foram embora, exceto Lydia, meus pais se trancaram no quarto e começaram a discutir outra vez. Eu estava em meu quarto e exausta  de tanto brincar, mas não podia dormir com os gritos e ofensas. Lydia ficou no quarto comigo até que eu conseguisse dormir, mas eu estava tão apavorada que só pensava em intervir. Todavia, não seria a primeira vez que eu me intrometeria e as coisas sempre pioravam. Por isso, me acovardei.
    No dia seguinte, eles não se falaram no café da manhã e tão pouco durante o almoço. À tarde, mamãe contou-me sobre o motivo de estarem discutindo na noite anterior. Disse que estavam decidindo o meu futuro e que o papai insistia que eu iria estudar em um colégio interno, pois seria o melhor para mim. Todavia, ela não apoiava essa decisão e por isso discutiam.
    Ficamos em silêncio por alguns minutos, pensando. E naquele momento parecíamos estar conectadas mentalmente, pois acredito que nos distanciarmos era nossa maior preocupação. Depois ela me disse que tentaria convencê-lo de que não é uma boa ideia nos afastarmos. Porém, me informou que papai já havia acertado os trâmites com o colégio e que eu iria no próximo mês, ou seja, em duas semanas. Passamos a tarde inteira falando sobre esse assunto e por mais que mamãe tivesse esperanças de que papai mudaria de ideia, no fundo sabíamos que a vontade de Robert era incontestável.
    No decorrer dos dias, ela me explicou como funcionava o colégio interno e aos poucos acabamos aceitando que era certo que eu iria.
    Por fim, após duas semanas escutando as discussões entre meus pais, a decisão era a mesma. Confesso que não gostei nada da ideia. Pois além de gostar muito da minha escola e de meus professores, vou sentir muito a falta dos meus pais. Ainda mais depois de descobrir que eu não voltaria nos próximos dois anos e que nos comunicaríamos por cartas e somente de vez em quando por telefone. Por isso, desfrutei de cada minuto nos últimos dias e deixei as lágrimas para a então despedida.
Já estava tudo pronto para ingressar para a Inglaterra, onde se localizava o internato. Mamãe e eu não parávamos de chorar. Não conseguíamos nos despedirmos.
Tentamos todos os dias, durante as duas semanas, tentar convencer o papai, mas todas as tentativas foram irrelevantes. Enquanto estávamos na estação de trem, despedi-me com um forte e demorado abraço em minha mãe. Parecíamos uma só pessoa naquele momento. Seu perfume adocicado entrava em minhas narinas enquanto sentia seu toque amoroso e aconchegante que sempre me acalmava. Não sei como seriam os dias sem acordar e ter minha mãe pertinho. Saíamos do abraço com os olhos inchados e desesperados por uma saudade que ja se estabelecia antes de partir.
Despedi-me de Lydia e seu marido, que vieram conosco até a estação, e também de meu pai. Papai me abraçou com o seu jeito de sempre, inexpressivo. Mas pude sentir seu carinho e conforto. Deu-me um beijo na testa e pegou minhas malas, levando até o maleiro. Enquanto via a hora de entrar no trem se aproximar, guardava cada gesto e semblante de minha mãe. Tentava memorizar todas as suas feições para que pensasse nelas e não me sentisse tão sozinha.
Então, quando um senhor anunciou para que os passageiros entrassem, meu coração disparou. Minha mãe e Lydia deram as mãos e caíram em prantos. Dei a elas um último abraço e choramos juntas. Minha mãe sussurrou algumas palavras em meu ouvido e juramos nosso amor.
Afastei-me dos afagos, despedindo-me, e caminhei em direção ao trem. Meu pai me acompanhou até a entrada do trem e foi comigo até o assento, onde me acomodei e nos despedimos outra vez. Depois de desejar-me boa viagem, ele se afastou em direção à saída do trem.
Meus olhos procuraram pela janela do trem pela minha mãe e a medida que nossos olhares se encontraram, deixei cair lágrimas silenciosas. Pressentia algo ruim em meu coração, como se nunca mais fosse voltar a Madri e vê-los.

Meu ímpeto: Prazer (Livro 1)Onde histórias criam vida. Descubra agora