Capítulo 4

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-Alicia Evans

No dia seguinte em minha casa, desci de manhã para tomar café da manhã e encontrei com papai já na mesa.
_Bom dia, minha filha!_fala. Levanta e me dá um forte abraço._Cheguei muito tarde ontem e não quis acorda-la. Como você está?_pergunta. Ele parece feliz com minha volta, sua expressão é receptiva e leve.

_ Estou bem, pai._falo saindo do abraço. Ele me olha dos pés à cabeça e sorri.

_Como você cresceu!_fala.

_E o senhor está com vários cabelos brancos._falo descontraindo. Sorrimos abertamente um para o outro e nos olhamos por alguns segundos. É bem estranho reencontrar todos depois de tanto tempo, mas tento permanecer em um clima bom a princípio.

_ Então...Como chegou de viagem?_pergunta, se sentando novamente à mesa. Me sirvo com uma xícara de café e sento ao seu lado.

_Bom dia, Alicia. Já acordou querida?_Lydia fala interrompendo-nos e adentrando a cozinha._Pensei que dormiria até mais tarde, a viagem foi longa._conclui. Ela caminha até mim e deposita um beijo em minha testa.

_Bom dia, tia Lydia._respondo._Acho que dormi o suficiente. Não conseguia mais ficar na cama._falo sorrindo. Me sirvo com uma torrada e geleia.

    Após tomarmos café da manhã e jogarmos alguns assuntos fora, papai se despediu e foi para o trabalho.
A primeira semana se passou assim, tomávamos café da manhã juntos e ele ia trabalhar. Voltava no almoço e depois saía novamente. Quase não tinha tempo para nos falarmos e sempre que eu fazia perguntas sobre os últimos oito anos ele fugia do assunto.
Em alguns momentos, papai parecia atormentado com minha presença. Passava praticamente o dia inteiro fora e quando estava presente, parecia distante e ausente. Nunca compreendi a frieza de meu pai. Lembro-me de poucos momentos em que o vi sorrir, como quando me recepcionou e isso me entristece porque deveríamos ser mais unidos. Todavia, como minha mãe sempre dizia que era o jeito dele, decido aceitar e tentar me aproximar aos poucos.
Lydia terminou de me contar sobre a doença de minha mãe, a qual os médicos não conseguiram solucionar. Mas guardei o nome dos médicos que a atenderam e decidi que marcaria um horário qualquer dia desses com eles, para sanar dúvidas que Lydia não soube explicar. Depois, me contou que o patrão de meu pai havia falecido há três anos atrás. Parece que deixou a empresa para o filho mais velho.
    Meu pai trabalhava na ETC, uma empresa de telecomunicações e tecnologia. Não sei muitas coisas sobre o que acontece lá, mas ele é completamente apaixonado pelo trabalho dele. Largou de advogar há muitos anos atrás para se dedicar àquela empresa.
No final de semana, papai passou o dia trancado em seu escritório e vieram algumas pessoas visitá-lo. Parecia ter voltado à advogar.
No fim da tarde, me chamou em seu escritório e começou a contar sobre algumas dificuldades financeiras que estava passando. Disse que estava endividado e que, por isso, estava advogando em seu escritório particular. Falou que precisaríamos cortar alguns gastos muito altos e que isso incluiria nos mudarmos para uma casa menor. A princípio, fiquei sem palavras e chocada, mas refleti em silêncio por alguns segundos e cheguei à conclusão de que esse era o momento para apoiá-lo. Precisava manter a calma e me aproximar do meu pai. Lydia e eu já havíamos conversado sobre a possibilidade de papai estar endividado e por isso seus comportamentos estranhos com ela.
_ Tudo bem, pai._falo olhando para ele. Ele está com a cabeça baixa e parece se sentir envergonhado. Então, contorno à mesa do seu escritório e me aproximo dele, o abraçando de lado._Nós vamos resolver isso. Vamos nos mudar para uma casa menor e vou trabalhar para ajudá-lo._falo tentando tranquiliza-lo. Ele ainda olha para baixo.
_ Mas e sua faculdade filha?_fala levantando a cabeça e se virando para me encarar.
_Depois que resolvermos as suas dívidas, eu penso nisso. Não se preocupe._falo. Toco seu rosto, acariciando. Ele se afasta dos meus afagos e para em frente à janela, olhando para a rua.
Fiquei triste por ter que adiar minha faculdade, pois já tinha feito planos quando estava no internato. Mas é necessário. Tentei demonstrar toda minha solidariedade ao meu pai. Ele sempre se esforçou muito para nos dar uma vida agradável.
Antes de partir, minha mãe trabalhava meio período em organizações comunitárias. Era formada em literatura, filosofia e história. Oferecia essas aulas a alunos com menores oportunidades de ensino de qualidade e também dava aulas de dança, pois dançava divinamente bem. Ela havia parado de trabalhar em colégios quando eu nasci. Então, só realizava trabalhos comunitários e não recebia nada em troca, a não ser muito amor. Portanto, meu pai era quem colocava renda em casa nos últimos dezoito anos. Eles combinaram assim.
_Precisarei despedir os empregados, o Senhor e a Senhora Jones._fala preenchendo o silêncio que havia se instalado. Fico estática por alguns segundos, sem saber o que dizer.
_Falaremos com eles._respondo triste.
_ Nos mudamos em duas semanas._fala.
Depois de terminarmos a conversa, saio de seu escritório e subo para o meu quarto. Me sinto triste por ter que me despedir de Lydia e do marido, logo agora que retornei. Sentirei muito a falta deles, Lydia sempre foi como da família. Mas, tenho certeza que nos manteremos unidas. Além disso, eles precisam trabalhar e não temos mais como pagá-los. Então...é necessário.
Na segunda semana, informamos Lydia e seu marido de que não poderíamos mais pagar por seus serviços. Papai acertou com eles o último salário e eles trabalhariam só até o final desta semana. Por isso, teriam esse prazo para arrumar outro emprego. Fiquei muito triste com a situação, mas eles compreenderam e disseram que nos manteríamos em contato. Lydia me abraçou e disse que nos visitaria sempre que possível.
Metade da semana passou e já estávamos empacotando muitos de nossos pertences. Papai vendeu vários móveis que não caberiam na casa nova. Os Jones passaram essa semana nos ajudando a organizar tudo.
No final de semana, o Sr. Jones e Lydia já haviam conseguido outro emprego, em uma mansão de uma família muito importante de Madrid. Começariam em dois dias, na segunda-feira. Por isso, nos ajudaram ao máximo com os empacotamentos para a mudança.
_ Faltam nove dias para o seu aniversário, querida._fala Lydia. Estamos em meu quarto, colocando minhas roupas de volta nas malas e empacotando meus objetos._ Tentarei vir aqui lhe entregar um presente. Na verdade são dois presentes._fala.
_Obrigada Lydia, mas não precisava comprar nada para mim. Estar com vocês de novo já é um presente. Irei visitá-la sempre que puder e você estiver em casa._falo.
Na terceira semana, Lydia já havia começado a trabalhar na mansão e seu marido também. Por isso, éramos somente eu e papai empacotando tudo. Ele contratou alguns carregadores para irem levando alguns móveis para a casa nova, para que nos mudássemos o mais rápido possível. Eu não havia visto a casa, mas papai disse que era muito agradável e confortável apesar de pequena.
Como eu não sabia cozinhar, passamos a semana encomendando comida em um restaurante próximo. Tomávamos café da manhã e logo íamos empacotar mais objetos. E dessa forma, íamos organizando tudo.
Encontrei uma caixa enorme no porão com roupas da mamãe. Pensei que meu pai tivesse doado tudo, mas estavam ali. Fiquei algumas horas trancada lá dentro, sentindo o perfume da mamãe.
Como senti saudades do seu cheiro embriagando minhas narinas. Sair dessa casa, talvez para sempre, onde passei a infância com minha mãe, era triste. Mas, por outro lado, já não havia mais a alegria de antes. As lembranças felizes davam espaço para a tortura de uma saudade física. Talvez fosse melhor começar tudo de novo, em outra casa, e deixar que essa casa seja apenas um memorial interno de lembranças.
Na noite anterior ao meu aniversário, passo a maior parte do dia em meu quarto, que está uma bagunça de coisas encaixotadas. Fico deitada na cama, refletindo sobre os últimos acontecimentos. Tenho sido paciente em relação ao meu pai, mas por vezes tenho cogitado colocá-lo contra a parede de uma vez por todas. Mas estou esperando o momento ideal para que ele não fuja de mim. Queria perguntar porque ele me evitou por tantos anos e não mandou notícias. Durante anos senti raiva dele por se fazer tão ausente, mas trabalhei meu psicológico para esse retorno e não tem sido fácil. Às vezes me sinto uma estranha ao seu lado, mas essa casa não se perdeu de mim. E isso tem me mantido firme a adiar o que daqui a pouco será inevitável. Eu preciso saber o que aconteceu quando estive fora e porque fui abandonada de tal forma.
Meu penúltimo dia nesta casa e tudo que consigo pensar é em minha mãe. Esse é o fim de um ciclo de sofrimento por sua partida e início de um período que ela sempre esperou de mim. É o início de uma Alicia que precisa ser mais forte do que nunca. Ser forte e nunca desistir dos meus sonhos, é tudo o que penso quando lembro de minha mãe nesse momento.

Meu ímpeto: Prazer (Livro 1)Onde histórias criam vida. Descubra agora