herança, entulho e lembrança

28 3 0
                                    

Herança, entulho e lembrança

Deixe esta casa para mim,
Farei dela poesia.
Deixe-me os velhos retratos, as cartas,
Os estúpidos ornamentos,
Os vestidos empoeirados,
Os retalhos de tecido,
A caixa de costura,
As louças antigas.

Dê-me as lembranças, boas e más.
Os segredos de Estado,
As cabulosas histórias.
Na minha imaginação de asas longas,
eu vejo isso tudo...
Tudo o que você joga fora,
Tudo o que você deixa para trás.
Eu vejo tudo, os sonhos e os desafetos,
o tédio dos acumulados artefatos.
Vejo os vazios emoldurados na parede,
Os riscos da dor nos rabiscos nos muros.
Eu vejo, meu bem, eu vejo.
Seus temores e seus desejos.

Eu sou sangue do seu sangue,
Sou carne crua como a tua,
Sou alma que já foi pura.
Sou espírito de idade já madura.

Sendo assim, alma nua,
Mera humana,
Fugindo da morbidez mundana,
Mantenha os pés na Terra plana.
Não insista neste erro,
Correria desnecessária, inútil arquejo.
Somos velhos trapos de pano,
Com prazos de validade esquecidos.

Traças nos consumem em gavetas enferrujadas,
Temos vários buracos em nossas almas desgastadas,
Desgostosas de vidas espoliadas.
Paredes de areia ruindo com o vento,
Nossas casas abandonadas ao relento.

O veloz passar dos dias
Degrada sua pele enrugada,
Mas espero que perceba a si mesma, antes de desaparecer.

Seu cheiro permanece nestes corredores vazios,
Mas o que se ouve neles são agora meus passos.
Quietos, pesados e escassos.
Ando passando as mãos nas paredes brancas.
Gélidas e com cheiro de coisa velha.
Posso refazer teu castelo de areia vazio
ou posso deixar tudo para trás.
Prendo essas memórias maltrapilhas
Em mil pilhas de papel.
Farei delas palavras
Antes que se lhe consumam,
Como fogo em palha.

Sem saber se parto ou insisto,
Ao menos me resta o registro.

Revisado em 21/07/2020

Eternidade IntrínsecaOnde histórias criam vida. Descubra agora