Candy era o apelido mais sem noção e ridículo que eu já tinha visto. E eu já vi muitas coisas.
É claro que ela criticou meu peso, meu cabelo e meus óculos. Pelo menos Alex não queria me mudar. E pensar que eu e Candice fomos amigas.
Antes existia um equilíbrio. Eu e Alex éramos como o dia e a noite, nos completávamos e um não podia existir sem o outro. E Candice foi a tarde. Discreta entre os dois, inevitável. A transição do dia para a noite.
Candice parecia tímida, era engraçada e não me fazia sentir estúpida. Alex era tão inteligente que às vezes fazia isso sem perceber. Então não só reconheci a existência da tarde, como a apreciei. Como olhar o sol se pôr. A partes mais bonitas: quando o sol nasce e quando ele se põe. Começo da manhã e fim de tarde. E a noite, em sua escuridão, feita pra temer, esconder, e passar por ela com os olhos fechados.
Percebi que Alex tentou me defender quando ela falou dos carboidratos. Mas havia decidido durante a aula de Filosofia que precisava me afastar pra respirar um pouco, e principalmente para pensar. Alex me amava e eu sabia. Mas ele não precisava de mim; ele sentia pena e interpretava como necessidade. Passamos por muitas coisas juntos e é difícil deixar esse tipo de coisa acabar.
Ele não percebia que quando você abre mão de alguém que integra suas memórias, quando deixa essa pessoa ir, as lembranças não precisam ir também. Sempre serão suas.
Varri o refeitório com o olhar e reparei em uma garota de cabelos e olhos castanhos sentada sozinha. Andei até ela com meu saco do Burger King.
- Oi, eu sou a Zoe. Se importa se eu sentar? - perguntei.
- Vá em frente - respondeu, gesticulando para a cadeira à sua frente. - Sou Kat. Do Arizona.
- Você é nova, legal.
- Não é muito legal, mas é, me mudei faz uma semana - contou ela.
- Porque veio pra Portland? - eu quis saber.
- Acho que eu e minha mãe precisávamos de um recomeço - explicou Kat. - Era quente lá. E perto de Nevada, fator que levou meu pai a perder tudo apostando.
Assenti enquanto bebia o refrigerante. Não acho que ela queria minha pena, por isso "sinto muito" não parecia adequado.
- Mas minha mãe é de uma família bem rica em Londres e por isso moramos numa casa linda, então meu pai que se divirta na sarjeta - falou com amargura. Depois de uma pausa me olhou com os olhos semicerrados. - Qual a sua história?
- Por onde eu começo? - Eu ri. - Resumindo minha vida, eu sou de Guildford, mas morei aqui quase minha vida toda. Meus pais brigam o tempo todo, mas, por algum motivo desconhecido, ainda estão casados. E me apaixonei pelo meu melhor amigo - confessei. - E vim correndo comendo cereal hoje cedo - completei.
- Uau - Kat riu. - Você é uma bagunça - disse ela e depois sorriu levemente. - Gostei.
- Foi bom dizer isso em voz alta. - Suspirei.
- Guildford... - refletiu ela. - Notei um quê inglês na sua voz, mas nunca teria adivinhado. - Kat abandonou o olhar reflexivo. - Mas me diga... Quem é esse melhor amigo a quem pertence o órgão central do seu sistema circulatório?
- Vou presumir pelo contexto que você quer dizer coração - falei balançando a cabeça. - Ele se chama Alex.
- Tá, tá, mas cadê ele? - perguntou Kat, abanando a mão como se dispensasse o que eu acabara de dizer.
- Uma mesa à frente, três pra direita.
Ela passou os olhos pelo lugar e vi a expressão se reconhecimento quando achou a mesa certa.
- O casal ali?
- Essa parte também é complicada. Ele pode ou não namorar - falei com um dar de ombros.
- Ele está olhando pra você - observou Kat.
- Então para de olhar pra ele - repreendi a garota do Arizona.
Kat tinha que olhar pra trás pra ver ele, eu estava de frente para meu melhor amigo e sua namorada. Mantive meu olhar sempre pra baixo ou direcionado a Kat.
Ela se virou pra mim de novo.
- Ele é bonitinho. Devia dizer a ele - opinou Kat.
- Olha, não dá. Nós prometemos que sempre seríamos amigos e gostar de outro jeito está fora dos limites - esclareci. - Eu tenho um plano, além disso. Me afastar um pouco até essa loucura passar e aí vai ficar tudo bem.
Kat soltou uma risada alta que fez algumas pessoas olharem em nossa direção curiosas ou incomodadas. Arregalei os olhos.
- Quer dizer que pra não perder ele você vai perder ele? Isso é ridículo.
- Não é ridículo. Confesso que não é um plano muito bem elaborado, mas...
- Querida, isso nem chega a ser um plano.
- Bom, eu não tenho nada melhor - admiti assim que o sinal para a próxima aula soou.
***
Assim que o último sinal tocou e corri pra fora da escola. Tinha esquecido que Alex pegava o ônibus por minha causa.
Ele sentou ao meu lado e ficou em silêncio pelos primeiros cinco minutos.
- Zoe, eu realmente não sei qual é o problema. Se foi algo que eu fiz, me desculpa mesmo, mas se não foi, eu preciso que você me diga.
Fiquei em silêncio refletindo minha próxima jogada. Continuar fingindo? Falar a verdade? Inventar uma história?
- Você não quer mais ser minha amiga? - insistiu Alex.
- Claro que quero - admiti. - Eu sinto muito, Alex. Eu só... - Não consegui completar.
- É a Candice?
- O quê? - Arregalei os olhos. Ele sabe?, me desesperei. - Como assim?
- Você acha que estou negligenciando nossa amizade por causa dela? Porque eu juro que nunca foi minha intenção. Ainda somos eu e você contra o mundo.
- É, eu e você contra o mundo - concordei.
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Nós Podemos Ter Tudo
RomanceZoe era boa em manter promessas. Como quando sua mãe disse que ela deveria voltar até as 22h na primeira vez que foi a um show, e 21h59 ela estava girando a chave na porta. Ou quando sua irmã pediu que ela guardasse o que era o maior segredo dela n...