- Você está molhando meu carro - observei,começando a dirigir.
- Consequência dos seus atos - lembrou-me Zoe. - E esse carro é da sua mãe - acrescentou.
Esbocei um sorriso. Nada é mais normal do que amigos que se provocam. E normalidade parecia a coisa certa no momento.
- Pior ainda - rebati. - Se fosse do meu pai, talvez ele não reparasse no cheiro de cachorro molhado. Mas minha mãe...
Ela me chutou de brincadeira, aproveitando que o farol estava fechado.
- Nem sei o que você está sugerindo, meu filho. Não existe cheiro mais agradável do que o meu e você sabe.
Caímos na risada quando o sinal abriu.
- Vamos comer alguma coisa - eu disse, já estacionando em uma lanchonete.
Sabia que deveria prestar atenção enquanto dirigia, mas minha mente se voltava para o momento na piscina. Só conseguia me lembrar que estava muito perto e, de repente, nada estava claro. Era uma bola nebulosa de dúvida e batimentos cardíacos acelerados.
Decidi que teríamos um dia normal. Além do mais, eu estava muito distraído e até que comer não parecia uma má ideia.
As roupas de Zoe já estavam quase secas quando nos sentamos. Dada a nossa familiaridade com local, pois já havíamos estado lá outras vezes, dispensamos o cardápio e fizemos o pedido.
- Algo mais? - perguntou o garçom.
- Queijo extra, por favor - pediu Zoe. - E não economiza no bacon - finalizou.
- Desse jeito você vai entupir uma artéria - avisei. O garçom já estava a meio caminho da cozinha.
- Só tem graça se entupir - respondeu ela. Não sei se era assim tão engraçado, mas eu ri por minutos seguidos, até que ela começou a rir também. Soltei o ar que vem depois de uma boa gargalhada e pensei na sorte que tinha por sermos amigos e como eu não queria estragar isso jamais.
A dúvida me deixou. Eu sabia que sempre amigos era uma promessa que valia a pena cumprir.
Finalmente trouxeram nossos hambúrgueres e os comemos felizmente, mal respirando entre uma mordida e outra. Era quase um desafio: quem terminaria primeiro? Zoe era uma fã de desafios. Eu a deixava ganhar as vezes, porque prêmio nenhum era melhor do que vê-la se gabar enquanto ria.
Zoe largou o guardanapo sujo de óleo, catchup e maionese do prato e sorriu vitoriosa, dando batidinhas na barriga. Gostava de como podíamos ser nós mesmos um com o outro.
- Minha vó sem dentadura ganharia de você - zombou ela, o nariz se franzindo enquanto ria, e pegou uma batata com muito cheddar.
- Me lembre de nunca participar de uma competição de quem come mais cachorro quente com ela, nesse caso.
Quase cuspi o último pedaço do meu lanche quando Zoe me bateu de brincadeira. Ainda bem que ela não tinha uma personalidade muito violenta, senão seriam necessários bem mais hospitais em Portland.
Zoe começou a contar sobre como estava cansada de ver filmes nas aulas de filosofia e eu apenas escutei, tão atentamente que só percebi que peguei a pimenta ao invés do catchup tarde demais.
Senti minha garganta pegar fogo e até os pelos do meu nariz pareciam queimar. Apesar da surpresa, Zoe agiu rápido e me passou um copo d'água.
O garçom se aproximou e tentou me socorrer apenas com palavras de apoio moral, parecendo desesperado sem saber o que fazer. Limpei as lágrimas que desciam e tentei me recompor. A água ajudou, mas não tanto quanto um gole de milk shake de caramelo.
- A conta - falei com um fiozinho de voz e pigarreei.
- Certamente. - O garçom assentiu, levemente afetado pelo ocorrido e se retirou.
- Nem uma palavra - adverti Zoe com a voz rouca. Maldita pimenta!
- Podemos chamar de O Episódio da Pimenta Assassina - sugeriu animada e tomou um gole de refrigerante, só para logo após espirrá-la pelo nariz ao começar a gargalhar.
Percebi que ela olhava para o garçom retirando frascos de pimentas sutilmente das mesas cobertas por toalhas quadriculada de azul escuro e branco.
- Você traumatizou o cara, meu amigo - disse ela, secando o rosto da Coca-Cola. - Sabe - acrescentou -, talvez seja melhor O Episódio da Pimenta Quase Assassina. - Ela fez uma pausa. - Você com certeza não sobreviveria ao restaurante mexicano. Tudo é mais temperado do que você poderia aguentar, baseado no que acabei de presenciar. Só gente da pesada vai lá, sabe. Tipo minha vizinha de oitenta anos, Gertrudes.
- Ria enquanto pode, Zoey. O carma vai te pegar - avisei de brincadeira.
- Seria esse um empate com O Incidente do Alho Inteiro? - ponderou, batendo uma batata frita no queixo com falso olhar reflexivo. Senti meu rosto esquentar ao me lembrar desse dia. Estávamos comendo uma torta de alho num restaurante com Chloe quando eu engoli um inteiro (cozinheiro descuidado, pra dizer o mínimo). Só posso dizer que a manobra de Heimlich foi necessária.
- Me lembro de um Fiasco do Escargot, ou estou enganado? - lembrei-a, tirando a Batata da Reflexão e comendo. Ela apertou os olhos.
- Está indo por um caminho perigoso, Lex Luthor - disse ela com um meio sorriso. Esse apelido era reservado para quando ela dizia que eu estava sendo mau.
- O Ocorrido do "Ei, tira a mão da minha pipoca, moça!" foi hilário - continuei. - Agora estamos quites?
Ela arqueou as sobrancelhas.
- O Lex Luthor gosta de negociar - falou de modo musical. - Devo acionar o Batsinal?
- Não! - falei, deixando a cabeça cair por sobre meu braço apoiado na mesa. Senti meu cabelo cair na testa quando olhei para Zoe novamente. - Me diz - implorei - que sabe que o Lex é vilão do Superman.
- Não seja dramático, Bieber. - Ela tirou meu cabelo dos olhos.
- Intervenção necessária - afirmei.
- Não vai rolar - discordou.
Balançando a cabeça, paguei a conta e saímos. Tocava Behind Blue Eyes quando liguei o rádio do carro. Eu e Zoe cantamos despreocupadamente até o fim. E a próxima também. Não demorou e eu estava estacionando no meio fio em frente ao prédio dela.
- Até amanhã às 10h? - perguntei enquanto ela saia desajeitadamente do carro.
Zoe parou e virou pra trás. Um brilho diferente passou por seus olhos, mas sumiu tão rapidamente que eu poderia ter imaginado.
- Certo. Obrigada. Faça inveja no Phelps e tudo mais - respondeu ela com uma risada levemente forçada e entrou no prédio.
Batuquei os dedos no volante e continuei o caminho até minha casa.
Como sempre, o ar cheirava a perfume, mas meus pais não estavam em casa, então apenas tomei uma xícara de café e fui estudar. Queria arrasar mais do que nunca para Harvard.
Espalhei meu material e comecei a ler sobre ecologia. Usava post-its e marca texto. Meus olhos estavam cansados quando vi que já eram dez da noite. O cansaço me atingiu em cheio e bocejei.
Minha mãe queria que eu jantasse, mas meu travesseiro pareceu mais convidativo. Nem havia visto nenhum dos meus pais chegarem de seus trabalhos. Por outro lado, havia agora uma nova leva de informações no meu cérebro.
Vi que Candice havia respondido minha mensagem. Enquanto eu marcava a reprodução das gimnospermas, ela queria saber se eu queria ir a uma festa. Respondi que estava estudando. A nova mensagem dela dizia que esse era um jeito triste de passar um sábado a noite.
Discordei.
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Nós Podemos Ter Tudo
عاطفيةZoe era boa em manter promessas. Como quando sua mãe disse que ela deveria voltar até as 22h na primeira vez que foi a um show, e 21h59 ela estava girando a chave na porta. Ou quando sua irmã pediu que ela guardasse o que era o maior segredo dela n...