Mantive minha boca cheia durante todo o almoço na escola.
Eu adorava sim pudim, sobremesa que segurava em minhas mãos, mas o motivo principal era que Alex e Candice me repreendiam quando eu falava de boca cheia, pois é mal-educado e blá blá blá, e eu não estava muito a fim de falar, surpreendentemente.
Então, apesar da dor na mandíbula, continuei mastigando. Pior foram as vagens antes, que eu odiava, mas me demorei em cada garfada para os momentos em que Alex me fazia perguntas e eu apontava para a boca ocupada.
- Você não tem um fã clube para os "odiadores de vagem"? - perguntou ele em tom de brincadeira. Candice deu uma risadinha sem achar graça.
- Deixa ela comer o que quiser - disse ela, um pouco impaciente.
O silêncio não foi exatamente confortável. Alex tentou de novo, claramente incomodado:
- Estocando pro caso de um apocalipse zumbi? - zombou. Eu teria rido, mas meu cérebro não captou esse comando.
Usei o truque do "olha, não dá pra falar, boca cheia", apenas levantando o potinho de pudim e gesticulando com a colher na direção do meu rosto.
Meu cabelo estava cheirando a cloro por causa da aula na piscina, na qual Kat e eu pagamos nosso castigo e não cometemos o erro de fazer outra coisa senão mostrar completo interesse pela aula de educação física. Mas isso só piorava minha falta de apetite, o que também era novo para mim.
Havia tentado evitar meu amigo, porém pegávamos o ônibus e tínhamos várias aulas juntos. Kat tentou me puxar para uma mesa, sem sucesso. Alex parecia especialmente colado em mim nesse dia em particular. Será que desconfiava de alguma coisa?
É claro que ele devia ter percebido que algo estava errado, afinal, ele era um garoto esperto. Mas ele sempre fora do tipo que não pressionava, por isso fiquei levemente surpresa por essa nova abordagem.
Raspei até o fundinho do meu pudim e mordi o lábio quando percebi que havia acabado. Toda a minha fonte de comida - minha versão de silver tape para calar a boca - estava no fim. Tentei não entrar em pânico.
Candice e Alex riram de alguma coisa e ela beijou sua bochecha, algo que eu já tinha visto milhares de vezes, mas que me afetou de uma forma diferente naquele momento.
Então meu melhor amigo colocou a mão em meu pulso e a inocência do gesto me fez levantar em um ímpeto.
- Zoe? - Alex olhou para cima, a mão ainda tocando meu braço.
- Vou pegar mais pudim - falei, fazendo uma varredura visual procurando por Kat. Alvo localizado. Ela estava sentada com algumas pessoas bem animadas e, aparentemente, sorridentes. Poderia ser o efeito do pudim, quem sabe.
Me apressei até a direção deles, tentando tomar uma decisão sobre tudo. Primeiro o que faria sobre Nate, além de ser esquiva - não ia funcionar para sempre. E depois se contaria a Alex antes de ele me indagar sobre meu comportamento estranho.
Eu só tinha que fazer isso da forma que uma amiga revela as novidades a um amigo. Essa era a parte difícil (Fergus pareceu não ter opinião a respeito quando questionado).
Alcancei a mesa na qual Kat se sentava sobre o tampo, que servia de bateria para um animado garoto ruivo.
Estavam sentados em volta da mesa, além de Kat e o bateirista de baixo orçamento, uma garota da pele morena e cabelos pretos; um garoto de olhos verdes e cabelo escuro e mais uma pessoa ruiva, só que do sexo feminino.
- Oi - cumprimentei com um aceno.
- Zoe - gritou Kat, se virando em minha direção. - Gente, essa é a Zoe.
Todos se apresentaram. Os ruivos eram Kevin e Lydia; a morena era May e o garoto tímido era Elliot.
Logo entendi a dinâmica do grupo. Eram artistas: Kat era musicista, Kevin desenhava e pintava (além de tocar bateria), Elliot escrevia, Lydia atuava e May dançava. As duas eram parte das líderes de torcida.
- E você? - perguntou May.
- Não tenho nada que possa chamar de talento - respondi, pensando que o mais próximo disso era minha habilidade comer como se não tivesse um limite quando estava triste.
- O que você gosta de fazer? - quis saber Lydia. Observei ela prender o cabelo longo, brilhando como se pegasse fogo ao sol, em um rabo de cavalo.
- Bem... - falei, reflexiva. - Eu acho que talvez confeitaria. Mas não sou ótima nem nada - acrescentei rapidamente.
- E aí está - disse Kevin. - Culinária também é arte. Meu estômago com certeza concorda.
Todos riram. Tive a impressão que iria gostar deles. Só então me dei conta de que, embora tivesse alguns colegas por associação, havia me segurado tanto à minha amizade com Alex que nunca me permitira conhecer outras pessoas.
May reparou nos meus brincos e tirei o cabelo pra ela ver. Alex havia ido comigo fazer cada um daqueles furos. Depois do primeiro, achei que não conseguiria fazer os demais, mas consegui. Chloe me dera vários brincos de presente e eu tinha chance de usar quase todos ao mesmo tempo.
Logo as conversas se sobrepunham, todos querendo falar, cantando, batucando e rindo. Kevin também era do time de lacrosse e iria jogar sexta. Eu havia quase me esquecido desse jogo. Mas claro que iria ver Alex, como sempre. Apoiar é uma parte importante de uma amizade saudável, que logo eu voltaria a ter com Alex, assim que superasse esses sentimentos intrusos.
Não segurava cartazes ou fazia parte de nenhuma torcida organizada como a Candice. Eu só sentava lá e sorria. E quando ele fazia a jogada certa nos olhávamos com cumplicidade.
As pessoas da mesa acharam que eu estava rindo de Kevin imitando um dos professores como se uma batata frita fosse o bigode fino dele, mas na verdade foi porque havia percebido o quanto estava sendo boba.
A primeira coisa que sempre me ocorrera após qualquer um dos cinco beijos que havia dado na vida fora contar ao meu melhor amigo. E quando beijos não eram constantes na vida de Alex, era o que ele fazia também.
Nos ajudávamos a tentar conquistar a pessoa por quem tínhamos uma queda e depois nos gabávamos nas poucas vezes que o Sr. e a Sra. Cupido tiveram sucesso.
Tendo isso em vista, falei que já voltava e fui em direção a Alex na máquina de snacks.
- Ah, não - comentei, dando um susto nele. - Espero que a máquina não guarde ressentimentos da cabeçada da semana passada.
Ele riu, abaixando pra pegar o que havia comprado.
- Eles tem Snickers hoje, tive que arriscar. - Alex riu e levantou a pequena barra.
Apoiei o corpo na máquina gelada e senti meus pelos ficarem arrepiados, mas não desencostei.
- Você não vai acreditar - falei, como se me lembrasse naquele momento apenas.
- No quê? - perguntou ele, mordendo o chocolate.
- Sabe o seu amigo Nate? Então, nós fomos naquele café com as letras douradas e ele me beijou. Loucura, né? - contei em um só fôlego. Por sorte ele presumiria que meu nervosismo se devia somente ao fato de Nate e ele já terem sido amigos e não ter acabado muito bem, ocasionando o aviso do "ele é legal, mas é encrenca" que só naquele momento eu percebi que ignorara totalmente.
Para a minha surpresa, Alex não pareceu surpreso.
- Foi o que eu ouvi. - Ele jogou a embalagem vazia na lixeira.
- O que isso quer dizer? - indaguei com a testa franzida, inclinado a cabeça na direção dele.
- Nate e eu jogamos video game e ele me disse. - Alex deu de ombros.
Tanto drama para nada. Nem havia sido uma grande revelação.
Repeti o gesto do meu amigo e levantei a mão em um "até mais".
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Nós Podemos Ter Tudo
RomanceZoe era boa em manter promessas. Como quando sua mãe disse que ela deveria voltar até as 22h na primeira vez que foi a um show, e 21h59 ela estava girando a chave na porta. Ou quando sua irmã pediu que ela guardasse o que era o maior segredo dela n...