Estive poucos minutos naquele devaneio interior até que senti um forte golpe na porta. Assustei-me com a vibração que percorreu o meu corpo e também com o próprio som. Seria o taxista? Teria deixado cair alguma coisa na mala por engano?
Era tarde para tratar-se de outra pessoa. Sabia que o Célsio não iria aparecer e após o negócio ter sido fechado, a Sra. Garcia não teria motivos para aparecer ali e caso precisasse falar comigo, bastaria ligar-me visto que tínhamos trocado contactos.
Apoiei a minha mão direita no chão e encostei a minha orelha à porta. Procurava ouvir qualquer som que revelasse a identidade da pessoa do outro lado. Em pouco tempo, a batida forte repetiu-se mas desta vez acompanhada por uma voz conhecida. Como teria ele descoberto, onde estava? Suspirei pesadamente, erguendo-me do chão e abri a porta. Era o Axel. Estava descomposto. Algo pouco comum ao que costumava ver nele que apesar da sua personalidade insuportável, sempre tinha cuidado com a sua aparência. Ao ver-me, detetei no seu rosto, rastos de alívio.
- O que estás aqui a fazer? Como descobriste onde estava?
Tomei a iniciativa de fazer as perguntas pois por algum motivo, ele parecia ainda estar a ultrapassar algum transe.
- O que querias que pensasse? – Perguntou num tom arrastado e cansado.
- O quê? – Interroguei sem perceber e com a minha mão pousada na lateral da porta.
- Discutimos e tu sais de casa naquele estado, sabe-se lá para onde. – Começou, recuperando o tom ríspido que o caracterizava. – Estive à tua procura! Não queria que fizesses nenhum disparate!
- Achas que o que disseste me iria afetar tanto a ponto de fazer algo com a minha vida? – Ironizei. – Não achas que estás a ser demasiado dramático e também presunçoso ao achar que me afetaste assim tanto?
- És uma pessoa claramente desequilibrada, o que querias que pensasse?!
- Desequilibrado és tu que para quem estava com um ar de preocupação e alívio quando chegou, agora está aí todo arrogante! – Ripostei, elevando o meu tom de voz.
- Catarina… - Falou, tentando manter o tom calmo. Algo que não era muito comum pois sempre parecia disposto a atingir-me com as suas palavras. – Talvez, tenha ido longe demais nas coisas que disse mas a minha intenção é que entendas que algo está errado e que precisas de mudar isso. Não me pareces uma pessoa a quem lhe falte inteligência para perceber que não está tudo bem contigo.
- Por favor, Axel, não venhas com um discurso bonito que isso não faz o teu género.
Recuei, empurrando a porta com a intenção de terminar aquela conversa mas não pude pois ele manteve-a aberta sem muita dificuldade, usando uma das suas mãos.
- Ouve-me! – Exigiu. – Diz-me honestamente e olhando-me nos olhos que estás bem! Diz-me com toda a segurança e certeza que não há nada na tua vida que não gostasses que fosse diferente!
- A vida não é como nós queremos. – Respondi prontamente. – Ficar a pensar no que poderia ter sido se certas circunstâncias nunca tivessem ocorrido não vai alterar em nada o que estou a viver agora. O passado já aconteceu, o que interessa é o agora e o planear de um futuro que se avizinha.
- É estúpido pensar que o passado não afeta o modo como vivemos no presente e também pode vir a ter influência em decisões que tomemos no futuro. – Argumentou. – O facto de teres perdido alguém não te afetou em nada? Diz-me que és a mesma pessoa que eras antes.
- Não, não sou a mesma pessoa. – Afirmei. – Não podia continuar a sê-lo.
- Porquê?
- Porque… - Fitei-o. – A vida ensinou-me do modo mais cruel que nem tudo vai ser como queremos. Recordou-me o quão é efémera é cada vida. Passei também a ver o quão falsas são as pessoas e a facilidade como esquecem ou descartam os outros. Se tiver em conta isto, entre tantas outras coisas, tinha que mudar e deixar de acreditar naquele mundo com paredes cor-de-rosa. Nem tu, nem ninguém tem o direito de dizer-me que fiz bem ou mal. É uma opção minha e que só a mim me diz respeito.
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Recomeçar
RomanceCatarina sofreu uma grande perda na sua vida e isso fez com que encarasse as coisas de forma diferente. Construiu alguém, uma pessoa, uma barreira que se propunha a suportar o resto da sua vida. Será mesmo possível prever o que a vida tem guardada p...