31.º Capítulo - Acasos?

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Com o decorrer dos dias, mais boatos surgiram. A esta altura, já era considerada uma devoradora de homens que devia ter tido ajuda para escrever os meus livros e esse era um dos motivos para nunca aparecer em público. Julgavam que não seria capaz de responder a perguntas sobre algo que não tinha escrito sem ajuda. Claro está que existiam outros motivos. As teorias acerca da minha aparência real alimentavam a fogueira de rumores que a cada dia pareciam piorar.

Todavia, nos últimos dias tentava ignorar ligar a televisão e resistir à tentação de espreitar as redes sociais. Já sabia que não me traria nada de bom e por isso, usei esse meu tempo para entrar em contacto com a minha faculdade e pedir uma data à minha escolha para defender o meu relatório de estágio que enviaria nos próximos dias através de correio eletrónico. Apesar do meu pedido invulgar, as boas relações que tinha mantido com a diretora de curso valeram um esforço da sua parte para que o meu pedido fosse aceite. Assim, fiquei com a promessa de que me avisaria de datas mal tivesse conversado com outros professores que teriam que estar disponíveis para ocupar o lugar de jurados e avaliar o meu relatório de estágio. Além disso, liguei novamente ao meu pai que mostrou alguma preocupação com a loucura da comunicação social, assegurando-me que não tinha dito nada sobre mim e que ligara à minha mãe para que também ela tivesse a decência de manter-se em silêncio. Para dizer a verdade, não me interessava o que ela poderia dizer visto que não achava que pudesse desiludir-me ainda mais.

- Vou ao escritório do Miguel. – Disse, acabando de calçar uns sapatos pretos sociais.

- Podes ir. Não te preocupes. – Respondi, sentada na cama, enfrentando mais uma manhã infernal de enjoos.

- Prometo que não demoro. – Beijou-me no rosto. – Se não estivesses assim, podias vir comigo.

- Vai descansado. – Disse, sorrindo-lhe.

Trocámos mais algumas palavras e ainda com um ar um pouco preocupado, saiu de casa. Ultimamente, ele andava a receber telefonemas de investidores e patrocinadores que tinham relações com as editoras que administrava. Por muito que quisesse ficar comigo em casa, ambos sabíamos que as coisas não se iam resolver assim e por isso, mesmo que o quisesse perto de mim, dizia-lhe para ir e tentar solucionar os problemas que agora nos assolavam.

Todavia, por algum motivo que não compreendia, as imagens, ou seja, fotografias minhas ou do Axel ainda não tinham chegado à comunicação social. Sabia que Fabiana provavelmente ainda teria esse trunfo na manga e no entanto, parecia estar a esperar por alguma coisa. Ou talvez, estivesse a cobrar parcelarmente por cada furo de informação. Qualquer que fosse o motivo, criava em mim uma angústia quase insuportável. Todos os dias quando me levantava de manhã, tinha medo de ligar a televisão e ver a minha cara em algum noticiário. Gostava de passar despercebida e de poder observar as pessoas à minha volta e não do oposto. Aliás, seria bem pior porque todos os olhares não estariam apenas a observar-me e sim a acusar-me. Não queria imaginar a minha vida com mais esse peso sobre os ombros. Suspirei arrastadamente e saí da cama. Tomei um duche rápido e ainda de toalha, voltei ao quarto e ia ver as horas no meu telemóvel quando vi o papel que o Axel já tinha deixado ali há dois dias. Nesse pequeno papel, estava o número da Joana. Ele disse-me que ela lhe pedira para me dar. Desde então, mostrei-me pouco recetiva à ideia, porém, quando pensava no que ela poderia saber sobre o Axel, sentia uma pontada de curiosidade. E se realmente pudesse confiar nela? As dúvidas ultrapassavam de longe as certezas. Conhecia as consequências da deceção e não tanto as vantagens que podia ter ao confiar em alguém que se apresentava como uma completa desconhecida. Toquei no papel, sentando-me na cama. Peguei na pequena folha fitando-a demoradamente. Pensava também nas consequências de não confiar em ninguém. Mais uma vez, ver-me-ia na solidão. E se havia coisa de que estava cansada era desse sentimento que só aliviava com a presença do Axel em quem estava a depositar grande parte das minhas necessidades. Isso não era o certo. Ele não devia ser o meu único escape daquela terrível realidade que me assombrava dia após dia.

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