13º Capítulo - Palavras

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O peso das minhas pálpebras inchadas fazia com que quisesse continuar a dormir indefinidamente. Aliás todo o meu corpo aparentava estar dormente e recusava-se a reagir. Entre todo esse cansaço, havia apenas uma coisa que me recordava que ainda respirava e essa era a dor que parecia ramificada dentro de mim.

Nem ao menos nos meus sonhos, conseguia vê-lo como antes. A imagem do Guilherme deitado na cama do hospital era intermitente naquele mundo em que queria escapar à realidade. Contudo, não me era possível escapar. O mundo real e o mundo dos sonhos voltaram a tocar-se e não faziam nada mais do que gerar mais dor e lágrimas. Porquê? Fiz de tudo para não deixar que esses universos se tocassem e agora ali estavam eles, em choque, quase constante. Dilaceravam a minha alma que pedia que aquele suplício parasse.

Inesperadamente, o aroma de comida fez com que despertasse. Abri os olhos vagarosamente, perguntando-me de onde viria aquele cheiro que não devia estar ali. Devia ter despertado com a minha almofada molhada e não com aquilo. Uma névoa pairava sobre as minhas últimas lembranças. Como teria ido para a cama? A última coisa que recordava era uma troca de palavras com o…

- Axel… - Murmurei, erguendo-me da cama com dificuldade. Só podia ser ele. Mas por que teria ficado ali? Deveria saber que não queria vê-lo uma vez que era o único responsável pelo meu estado lastimável. Com passos lentos, caminhei até à cozinha onde por instantes, prendi a respiração. De costas e com o avental, apenas a partir da cintura, a imagem do Guilherme cruzou a minha mente. Foi apenas um flash mas que fez os meus olhos arderem mais um pouco. Isso apenas deixava mais claro como por dentro, estava completamente vulnerável a qualquer lembrança. Logo eu que tinha lutado contra essa fraqueza com todas as minhas forças, agora deixava-me vencer.

Assim que o Axel deu-se conta da minha presença, sem se voltar, perguntou:

- Estás melhor?

Aquilo soava quase como um insulto. Era revoltante que fizesse aquela pergunta quando estava naquele estado por culpa dele.

- Com que direito perguntas-me uma coisa dessas? – Perguntei num tom rancoroso.

Ele desligou o fogão, retirando o avental e em seguida, voltou-se para mim.

- Pensei que estarias um pouco melhor depois de dormir mas parece que ainda continuas a dirigir a tua raiva à pessoa errada. – Afirmou calmamente.

- Estás contente agora? Achas que é assim que vais obter o terceiro romance? – Mantive o mesmo tom que usara anteriormente, sentindo-me tremer a cada palavra. – Custava-te assim tanto deixares-me viver a minha vida sem teres que meter-me neste estado?! – Não conseguia controlar as minhas emoções e apesar da raiva, as lágrimas começavam a cair. – Porquê?! Porque fizeste isto comigo?!

- Precisavas de acordar e não alimentar o teu chamado “controlo emocional” à custa de alguém que já está mais do que morto! – Exaltou-se, atirando o avental que tinha nas mãos para o chão. – Quero que aceites o que aconteceu e sigas em frente em vez de tentares encontrar atalhos ou andar em círculos!

- Quem tinha que decidir isso, sou eu! – Ripostei.

- Neste caso, precisavas que alguém tomasse alguma atitude. Diz-me, de quantas pessoas escondeste que continuavas a falar com um fantasma? Quantos dos teus amigos sabem que ainda guardavas fotografias e vídeos no teu computador que nada mais fazem do que alimentar essa ilusão estúpida de que podes conversar com alguém que já morreu!

- Tu mexeste no meu computador?! – Inquiri, sentindo-me ultrajada. Como pôde ele ir tão longe? Passando essa pergunta para segundo plano, corri até à sala para pegar no meu portátil e confirmar os meus receios. Não havia qualquer rastro dos ficheiros que preciosamente tinha guardado ao longo dos anos. – Como pudeste?

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