17º Capítulo - À luz das velas

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- Podes explicar outra vez porque estamos a ir a pé até um restaurante que fica no outro lado mundo? – Resmunguei pela quinta vez, durante aquela caminhada infindável que Axel tinha iniciado há cerca de quarenta minutos atrás.

- Está uma noite agradável. – Respondeu com as mãos dentro das suas calças de ganga escura.

- Está uma noite gelada e completamente inadequada para um passeio destes. – Retruquei quase de imediato, soprando ar quente para as minhas mãos.

Incrível como podia estar ali a tremer de frio e ele apenas com uma camisa cinza e um blazer preto por cima, parecia estar a andar numa daquelas primeiras noites de primavera em Portugal. Essas caracterizavam-se por ser ainda frias, porém confortáveis o suficiente para uma indumentária daquelas. Contrariamente, o cenário que nos rodeava era sobretudo invernoso e mesmo tendo estado doente há pouco tempo, ele parecia não incomodar-se em absoluto com aquelas temperaturas baixas. Já eu não podia dizer o mesmo. Levava uma camisa fina por baixo de uma camisola de lã grossa lilás, umas meias calças por debaixo das minhas calças de ganga, umas botas sem salto mas forradas com um tecido confortável e quente por dentro e por fim, ainda levava um casaco preto e longo que se estendia até a meio das minhas coxas. Erradamente desprezara as luvas e um cachecol que agora desejava ter levado. Contudo, nunca poderia imaginar que iríamos fazer aquele percurso a pé.

- Chegámos. – Anunciou, parando diante de uma pequena porta que assim que foi aberta, deixou escapar um agradável calor que quase me fez empurrá-lo para o interior. Não era um restaurante de luxo algum. Era bem simples. Mal queria acreditar que tínhamos andado tanto para ir até um local que poderia ser encontrado em qualquer esquina. Abanei a cabeça em sinal de desaprovação à medida que nos dirigíamos a uma das poucas mesas presentes naquele pequeno estabelecimento. Ponto positivo? Talvez pudesse caracterizar aquele sítio como acolhedor e com uma temperatura bem mais agradável do que aquela que tinha experienciado no exterior. Aquele espaço tinha cerca de dez mesas forradas com toalhas cor de vinho e com duas pequenas velas aromáticas no centro. As paredes pintadas com um amarelo pálido e a fraca iluminação do local com cores um pouco exóticas, fez-me pensar, se estaria em algum restaurante tailandês, indiano ou algo do género. Todavia, a ementa mostrou-se bem normal e espanhola e feitos os pedidos, foi-nos dito que seríamos servidos em pouco tempo.

- Pensei que depois de andar tanto, pelo menos fôssemos até um restaurante que valesse a pena. – Decidi comentar, vendo que ele observava o espaço decorado com alguns quadros com paisagens bucólicas.

- Ainda nem fomos servidos e no entanto, já estás a dizer que isto não vale a pena. – Replicou, fitando-me diretamente e colocando as mãos sobre a mesa, brincando um pouco com as velas no centro da mesa.

- Podíamos ter vindo de táxi. – Falei num tom francamente cansado.

- Sempre foste assim? Habituada a todo e qualquer luxo? – Questionou.

A resposta tardou. Bastava um não e no entanto, sabia que ele iria insistir no porquê da mudança e inevitavelmente, teria que reviver momentos do passado. O certo é que mesmo sabendo que tinha que seguir em frente com a minha vida, também tinha perfeita consciência da dor que me causava falar sobre um passado onde estava uma pessoa que não me conformava que agora já não existisse.

E, se era verdade que ele estava completamente à vontade, numa postura relaxada, eu encontrava-me retraída na minha cadeira com as mãos sobre as minhas pernas. Procurava manter uma distância que me permitisse escapar aos seus olhos inquisidores e observadores. Era disso que tentava escapar embora soubesse que para seguir em frente, teria que ser capaz de olhar e falar do meu passado abertamente. Porém, isso era complicado e nunca poderia ser feito de uma hora para a outra. Levaria tempo. Testaria a paciência. Abriria feridas que então, quem sabe, finalmente sarassem de vez.

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