8º Capítulo - Vou descobrir, entender e quebrar

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 Não tive outra escolha senão sentar-me com ele na sala para conversarmos. Evitara essa conversa toda a semana em que me tinha levantado cedo e chegado sempre tarde mas agora já não o podia fazer.

- Peço-te que sejas rápido. O tempo é uma coisa importante e o trabalho em que estou envolvida pode prejudicar outras pessoas.

- Falei com a minha irmã e ela disse-me que estás a frequentar um Mestrado de tradução porque pelos vistos, não gostavas muito da tradutora responsável pela tradução das tuas obras.

- Então ela fala contigo e não comigo.

Confirmava assim as minhas suspeitas de que ele estava por detrás da falta de contato por parte da Sónia.

- Não vale a pena investires na tua formação nessa área se nem consegues escrever o terceiro livro. – Disse num tom ríspido.

- Já o estaria a escrever se não tivesses apagado todo o trabalho que fiz há uns dias atrás.

- Pensei que tivesses compreendido os motivos que te dei mas vejo que estou enganado.

- Os teus motivos para mim são quase ridículos visto que aquilo que um escritor faz é brincar com a imaginação das pessoas.

- Só é possível brincares com a imaginação dos outros se tu própria mergulhares nela. Será que não consegues perceber o significado de “envolvente”?

- Claro que sei o que significa e até podia estar a fazê-lo mas tua mente espetacular parece não entender isso.

Ele suspirou, levantando-se do sofá.

- Há qualquer coisa muito errada contigo.

- Ah sim? Vais criticar o meu estilo de escrita novamente?

- Vou continuar a criticar a pessoa que está por detrás desse estilo e que em aspeto algum recorda a Hanna Melo que li. – Olhou de soslaio. – Diz-me uma coisa, depois da morte do teu namorado, tiveste algum relacionamento?

- Já te pedi para não tocares no assunto.

- Infelizmente temos que falar sobre o assunto porque acho que é por aí que reside o problema.

- Sei separar a vida profissional da vida pessoal.

- Será possível dissociar completamente uma da outra? – Fitou-me como se estivesse a examinar-me. – Desde que te conheci, acho o teu comportamento muito estranho. Não é nada comparado ao que a minha irmã me descreveu há uns anos atrás quando lançaste o teu primeiro livro.

- As pessoas mudam. – Cruzei os braços, optando também por fitá-lo.

- Correto e nem sempre para melhor.

- Quem disse que estou aqui para te agradar? Já disse que as tuas opiniões a meu respeito não me dizem nada.

- Há mesmo qualquer coisa errada contigo. Tu procuraste ajuda depois da morte do teu namorado?

- Vai ser esta a conversa? – Levantei-me. – Não tenho tempo para estas coisas e penso que já está claro que não vou falar da minha vida pessoal.

- Não procuraste, pois não? Tentaste lidar com as coisas sozinha?

- Não me incomodes. Vou estar ocupada. – Falei, virando-lhe as costas e entrando no quarto.

Podia insistir o quanto quisesse, nunca iria falar da minha vida pessoal com ele.

Nem ele, nem uma psicóloga, nem ninguém podia entender aquilo que sentira e ainda sentia quando recordava o Guilherme. A pena dos que me viram depois da sua morte nada mais fazia do que afundar-me ainda mais. Cobrirem a boca ou pedirem desculpa por tocarem no seu nome não me trazia mais do que angústia e raiva porque não aguentava mais aquelas reações à minha volta.

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