O comunicado encheu páginas de revistas, jornais e parte dos noticiários durante alguns dias. Nesse período, não consegui evitar algumas pessoas curiosas ou fãs perto da entrada do prédio onde vivia. Gradualmente, as palavras que disse naquele dia, assumiram algum significado e notei um maior respeito pelo meu espaço. Não me incomodava ter que parar na rua ou interromper o meu café da manhã na pastelaria para assinar algum livro ou responder a algumas perguntas. Apenas pedi que o fizessem com calma, sem pressões, sem sufocar-me. Passei também a receber cartas de apoio, cartas que ansiavam pelo terceiro livro e cartas que elogiavam o meu discurso. A maldade de alguns meios de comunicação não acabou por completo, porém, entrar nesse mundo, significa nunca ter o poder para agradar a todos. O certo seria ignorar o mau e desfrutar dos bons momentos.
Só que devo dizer que após esse período, seguiu-se outro que de forma, fulminante ocupou grande parte do meu tempo. Consegui terminar o terceiro livro, concordei com a tradução feita por outros tradutores conceituados, pois não teria tempo para fazê-lo. Embora, tenha imposto a condição de pelo menos, ler a versão inglesa e espanhola antes que esta chegasse ao grande público. Além disso, a anúncio do primeiro filme baseado na minha primeira obra publicada, provocou uma nova agitação. O encontro com o produtor/cineasta e outros especialistas na área tomou grande parte do meu tempo. Contudo, agradou-me ver que estavam dispostos a ouvir e a ter em consideração aquilo que eu também considerava relevante e que devia surgir no filme. Devo assinalar que apesar das horas que passei na sua companhia, sempre estavam com muitos cuidados, quanto ao local onde me encontrava. Levando em consideração, o conforto e mesmo a circulação adequada do ar naqueles que eram dias quentes de verão. A minha gravidez cada vez mais avançada causava-me um cansaço imensurável que por vezes, só notava quando chegava a casa e caía na cama sem ser capaz de manter uma conversa que durasse mais do que cinco minutos. O Axel mostrava-se compreensivo e ultimamente, os problemas financeiros não lhe tiravam o sono dado que a notícia do terceiro livro e do filme, representavam um caché que nos permitiriam ter uma vida bem confortável.
- É um prazer, tê-los no meu programa. – Cumprimentava-nos a apresentadora de um programa do horário nobre americano. Fora um convite aceite pelo Axel, atitude que me surpreendeu bastante, visto que ele tentava evitar ao máximo expor-se. No entanto, não mostrara grande resistência em aparecer naquele programa que conhecia pouco, embora os episódios que tivesse visto, mostrasse que além de falar com celebridades, também tentava alertar para histórias de vida de outras pessoas. Portanto, não era nada muito sensacionalista e pelo pouco que conhecia, pareciam conhecer o limite das perguntas e também levavam em conta, a adequação das mesmas. A conversa fluía com naturalidade. Fomos questionados sobre alguns factos da nossa vida, tal como a nossa naturalidade, o que mais gostávamos na escola, os nossos gostos, coisas que gostaríamos de ter mudado, se pudéssemos. Eram perguntas bem usuais e pouco invasivas, pois não tentava aprofundar muito o seu conteúdo.
- Não excluo a hipótese de regressar a Portugal, mas por agora, estou satisfeita por estar a viver aqui em Washington. Apesar da agitação urbana que lhe é natural, o contraste com outras zonas mais tranquilas e verdes, faz com que me sinta quase em casa. – Respondi a mais uma das perguntas, retribuindo o sorriso que me dirigia.
- Nós também gostamos muito de a ter por cá. – Respondeu a apresentadora. – E então, Axel, conte-me coisas. Ouvi dizer que tinha algo de importante a dizer esta noite.
Olhei para ele, surpresa. Por seu lado, simplesmente, esboçou um sorriso, segurando na minha mão e disse:
- Quero recordar-te uma coisa. As palavras que me disseste naquele dia, a primeira vez que nos encontrámos e não fomos conscientes disso. Ou pelo menos, demoraste mais tempo do que eu a aperceberes-te dessa situação. – Começou, fitando-me sem vacilar, como era seu hábito quando pretendia que não desse atenção a mais nada. – Naquele dia, preparava-me para fazer alguma espécie de despedida encoberta. Queria falar com a minha irmã, a única pessoa que para mim ainda merecia alguma explicação. Enquanto esperava por ela no seu gabinete, bateste à porta e pela forma como te respondi, não te atreveste sequer a abri-la. Ouvindo a minha resposta, podias ter virado costas e voltado mais tarde para falar com ela, mas por algum motivo, ficaste. Sem entender porquê, falaste que alguma coisa no meu tom de voz e até mesmo a escolha de palavras, deixava adivinhar que algo não estava bem. Ignoraste quando disse que não me conhecias, não sabias nada sobre mim e sobretudo, que não tinhas nada a ver com isso. Isso não te demoveu. – Fez uma pausa. – Disseste-me que não devia fazer nada ou pensar em fazer nada naquele momento porque a raiva, o rancor e sobretudo, o desespero de não ter qualquer tipo de saída, não traria bons conselhos. Assustei-me com aquelas palavras, pois as pessoas que me viam todos os dias, julgavam-me feliz, bem-sucedido e perfeito e tu, sem nem sequer me veres, apenas ouvindo a minha voz, parecias ter entendido algo que apenas eu sabia. Somente eu compreendia a tristeza, a amargura, o desespero, a angústia em que me encontrava mergulhado. Todos os dias eram iguais. Nada era diferente. A vida tinha-se tornado num triste filme cíclico, repetitivo e a preto e branco. Sem nada de atrativo, sem nada que valesse a pena. – Pressionou um pouco a minha mão, prosseguindo. – O meu silêncio não te impediu de continuares e disseste-me que talvez, as coisas não mudassem ou melhorassem rapidamente como eu queria, mas que no momento em que deixasse de acreditar que tal podia acontecer, tudo estava perdido. Pediste-me que acreditasse num dia melhor, numa vida recheada de coisas que valiam a pena. Fosse os raios do sol a bater-me no rosto ou o cheiro do mar a misturar-se com os meus cabelos. Coisas tão simples, como acariciar um animal na rua ou sorrir enquanto se ouvia uma música. Pediste-me que apreciasse as pequenas coisas, que me lembrasse como um dia olhei para essas pequenas coisas e que a partir daí, sonhasse novamente. Recuperasse as forças para sonhar de novo. – Esboçou um dos seus sorrisos mais bonitos na minha direção. – Ainda te perguntei porque te interessava que eu ouvisse aquilo e tu disseste que não acreditavas num mundo em que cada um seguia o seu caminho, ignorando os outros. Acreditavas que se estendesses a mão a alguém, um dia podias ter a sorte de te fazerem o mesmo se precisasses. Afirmaste inocentemente que se algum dia precisasses, gostavas que estivesse presente para estender-te a mão e recordar-te de tudo o que tivesses esquecido. – Nessa altura, as lágrimas corriam pelo meu rosto, enquanto ele concluía. – Tu foste embora, antes que conseguisse ter coragem de abrir a porta e ver quem era. Também não queria que ninguém visse as lágrimas que corriam pelo meu rosto e apenas quando mais tarde, a minha irmã chegou, percebi que tinha falado contigo. A escritora que tinha avaliado meses antes e que chamou a minha atenção pela capacidade de ligar-se ao leitor, através de uma atmosfera que nos puxava para dentro da história. – Passou a mão, limpando algumas das minhas lágrimas. – Desde então, admirei-te não só como escritora, mas também pela pessoa que eras. Capaz de dizer aquilo a um desconhecido. Capaz de tirar-me daquele lugar que julgava não ter saída e fico muito feliz, que apesar de tudo o que passaste, eu tenha sido capaz de estender-te a mão quando precisaste.
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Recomeçar
RomanceCatarina sofreu uma grande perda na sua vida e isso fez com que encarasse as coisas de forma diferente. Construiu alguém, uma pessoa, uma barreira que se propunha a suportar o resto da sua vida. Será mesmo possível prever o que a vida tem guardada p...