28. Supermercado

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Deus criou o mundo em seis dias. Primeiro a luz, em seguida o céu, a terra, os corpos celestes — sol, lua e estrelas — e então os animais aquáticos, as aves, os animais terrestres e por último o ser humano. Acho poético o homem ter sido a última criação; como se Ele ainda estivesse pensando se deveria ou não ter nos adicionado às maravilhas deste mundo.

No meu caso, criei o Lutador Verde em quatro dias. A ideia veio enquanto observava meu pai lavar a louça. Acho que ele não reparou que era observado, então apensar fiquei perto dele e acompanhei a forma como o cara era cuidadoso com os talheres e como sujava a pia inteira de espuma com aquele seu jeitinho atrapalhado.

A cena circulou pela minha cabeça e imaginei como um homem que desde a juventude foi treinado para se tornar um lutador desistiu de tudo, foi para a faculdade, teve uma família e fugiu dos próprios sonhos.

No primeiro dia decidi que a história seria a de um homem como o meu pai, no segundo comecei os rascunhos sobre como seria a personalidade dele, os objetivos e o temperamento; e no terceiro dia me reuni com Yuri para que juntos pudéssemos definir o enredo da história em quadrinhos.

Tudo foi feito com cuidado e amor, até que no quarto dia resolvemos que era a hora de definirmos quem seria o vilão da trama.

Relutei um pouco em colocar o jornalista como vilão principal da história, odiei o que criei e me irritei muito com todos os diálogos que tive que construir entre meu herói e aquele homem desprezível. Mesmo assim resolvi que ele era importante para a construção do Lutador Verde.

Afinal, as pessoas não conseguem parar de ler uma história quando encontram um vilão bem construído.

Peguei um pote de maionese da prateleira e joguei no carrinho do supermercado, acertando-o de longe

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Peguei um pote de maionese da prateleira e joguei no carrinho do supermercado, acertando-o de longe. Yuri viu isso e bateu palmas.

— Agora pare de brincar com o carrinho e venha para perto – pedi, sorrindo.

— Posso levar uma tinta vermelha pro meu cabelo? Estou cansado de castanho.

— Claro, pegue ali – e segurei o carrinho. – Eu fico com isso, não precisa andar de lá para cá com ele.

Continuei as compras, tirei da prateleira os demais condimentos de que precisaria, mas minha mente estava longe dali. Minha atenção se alternava entre Judith e os protestos que deveriam ter começado em Florianópolis.

As coisas não saíram como o planejado no pedido de namoro. Assim que terminamos o jantar e mostrei a aliança, minha ex-esposa se levantou, ficou em silêncio e correu para fora do apartamento. Ainda tentei alcança-la, mas o elevador fechou e não fui rápido o bastante nas escadas para impedir que o táxi a levasse embora.

Teria ficado a noite em claro, preocupado, se ela não tivesse me enviado uma mensagem falando que estava em casa e que os protestos não a alcançaram. Infelizmente, sobre o que ela chamou de a minha "ideia absurda", conversaríamos depois.

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