Véu I

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Naquela ilha secreta, no meio do mar grego, um campeonato acontecia nos arredores de Amastris. A vencedora receberia a armadura de Crux. Tradicionalmente, desde os tempos de Pallas de Noctua, a armadura da constelação de Cruzeiro do Sul pertencia a general dos exércitos das amazonas. Crux para os cartógrafos celestes gregos, Cruzeiro do Sul para os uranógrafos lusos.

As finalistas eram Elis e Sora. Amigas de longa data, ambas foram discípulas de Diotima de Vela, uma das amazonas mais poderosas na ilha. As adversárias precisaram superar a amizade para realizar um embate digno de honrar a posição a qual elas pleiteavam.

Queimando seus cosmos até atingir a técnica amazona conhecida como sentido zero, as amazonas podiam controlar o peso de seus corpos e alterar a percepção de tempo. As lutadoras então saltaram bem alto e diminuíram suas massa, tornando leves o suficiente para cair lentamente, enquanto trocavam socos.

Elis acertou um chute meia lua na cabeça de sua adversária que a fez sobrevoar por todo o descampado e cair arrastando o corpo pelo chão desértico, levantando poeira. Aquela era o combate final e Elis, a amazona filha da rainha era a favorita.

O público que assistia a disputa já vibrava com a iminente vitória de Elis, gritando o nome da guerreira em uníssono, enquanto o corpo da adversária permanecia imóvel, estatelado no chão. Porém, ela se mexeu. Sora se ergueu, mais uma vez. Limpou o sangue da boca. No lábios de Elis, um riso debochado.

— Não cante vitória ainda Elis. Essa luta não terminou.

Como um disparo de revólver, Sora partiu para cima de Elis, por sua vez se preparou para receber um único golpe, mas foi surpreendida: ela não conseguiu se defender do ritmo exponencial que recebia de socos, mas permanecia em pé. Seu elmo voou alto e caiu no chão, um silêncio se fez. Sora havia terminado sua sessão de socos abruptamente.

As duas estavam de pé naquele descampado. Seus corpos estavam exauridos da batalha sob o sol. A tensão da platéia quase podia ser tocada, de tão densa. Só quem se utilizou do sentido zero para alterar a percepção do tempo percebeu o que aconteceu. De repente, um corte se abriu e o sangue de Sora jorrou. A amazona recebeu um golpe perfurante da adversária. Elis era agora a campeã do torneio das amazonas.

Elis, então foi carregada pelas suas amigas, por todas as ruas e praças da cidade amazonas de Amastris e uma multidão se formou. Elis foi levada até ao pé do altar de Hera, a Deusa Mãe, e uma das deusas cultuadas pelas moradoras da ilha.

Ajoelhada a frente da ampla nave do templo da Deusa Mãe, Elis ainda estava coberta de sujeira e machucados, quando Natassia lhe entregou um pano úmido limpar seu rosto, para que estivesse ao menos apresentável para a rainha amazona.

Ao sua costas estava Sora, cabisbaixa, mas presente como mandava a tradição. E atrás de Sora, seu grupo de amigas. Todas muito animadas, esperando que a pira da vitória fosse acesa pela sacerdotisa.

— Parabéns, Sora! Você lutou bravamente e se dedicou muito aos treinos. Foi uma luta memorável. - Sussurrou uma mulher grávida de cabelo castanho, usando um tapa-olho, ao pé do ouvido de Sora, para não interromper o ritual. Era mestra Diotima vestindo um manto azul, adequado para mulheres grávidas, a amazona que treinou Elis e Sora juntas.

— Obrigada, mestra. Estou muito feliz por Elis, minha companheira de treino. - Sora percebeu que sua mestra a queria consolar como perdedora.

— Mais tarde venha a Colina de Atena, tenho um assunto a tratar com você.

Sora fora criada por Diotima para ser sempre cordial e sorriu, para pontuar a frase. Diotima, que conhecia Sora desde muito nova, sabia que a pupila fingia o sorriso. Sora era uma das raras amazonas sem mãe na ilha. A mãe da amazona, morreu logo após o parto, e Diotima, por ser muito próxima da mãe de Sora, pegou a filha da amiga para criar.

Então de trás do altar surgiu a rainha amazona. Apesar de estar em hiatus dos árduos treinamentos amazonas - como exige o cargo de rainha desde os tempos de Pallas, a soberana daquela ilha vestia sua armadura de Pavo, de brilho púrpura. Seu nome era Hipólita.

— Com as bençãos de Atena, nossa deusa, e Pallas de Noctua, a primeira amazona, eu a recebo como general do exército da ilha de Amartis. - bradou a rainha. - Que se inicie a láurea.

A imponente Hipólita fez um gesto e três mulheres com máscara de ouro entraram no cenário da cerimônia. A prioresa, Teona de Carina, estava no meio, pareada com suas sacerdotisas subalternas. Seus cabelos grisalhos já indicam que era mais velha, mais velha que a rainha inclusive.

As sacerdotisas dançavam ao redor de uma pira sagrada, segurando em mãos, um ramo de folhas, que passava diversas vezes na fumaça saindo da grande fogueira. A noite na ilha era clara e fresca,mas conforme manda o ritual, Teona e as demais cobriam suas armaduras com uma capa preta. Elis, que assistia a tudo ajoelhada, já prontamente vestindo a armadura de Crux.

Então a sacerdotisa, após terminando a dança ritualista, aproximou-se da vencedora que lhe entregou o elmo da armadura de Crux, como mandava o ritual, e então corou a vencedora, enquanto recitava um cântico antigo. Elis estava laureada, era a general do exército de Amartis. No entanto, Teona titubeou e caiu pra trás. Começou a se contorcer no chão e a gritar.

Suas assistentes vieram de imediato acudir a mestra sacerdotisa e Elis se levantou. "Ela está recebendo uma profecia", disse Atalanta, a discípula mais velha. A outra discípula, Himiko, tirou o próprio manto e o usou para cobrir a mestra. A rainha então se aproximou.

— Chamem as médicas para socorrer Teona - ordenou a rainha.

— Não será necessário chamar as médicas, minha senhora. Peço apenas que retire todos do templo, nós sabemos o que fazer. - disse a Atalanta.

— Ouviram a garota. - disse batendo palmas Hipólita.- Deixem-nas em paz.

Prontamente, as guardas da rainha começaram a evacuar o público, de forma que só ficassem as sacerdotisas. A platéia saiu decepcionada, esperando o fim da cerimônia, alguns olhavam para trás, tentando ver o corpo da velha sacerdotisa se debatendo. O templo de Hera ficou vazio e as portas foram fechadas.

Saint Seiya - Amazonas Parte I: Além do VéuOnde histórias criam vida. Descubra agora