NEGAÇÃO

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FLORIANÓPOLIS, SANTA CATARINA

As cenas do casamento eram vistas no imenso céu, o mesmo céu que foi cenário de juras de amor eterno. Cada estrela era uma promessa, agora elas se multiplicaram e tornaram-se dores. Corpo preenchido por cores amargurantes, corpo dolorido, mente despedaçada, o desejo pela morte. O momento de lutar ou morrer, o momento de voltar a viver.

Ana Cardoso observava o pequeno ser a sua frente brincando de casinha e sentia orgulho de ter gerado a criança mais linda que já viu.

"–Mamãe, que horas papai vai chegar do trabalho? — brincava a pequena Alice com suas bonecas.

–Ele já deve estar chegando, querida. Vamos preparar um lanche para quando ele chegar e...

–Ana! — gritou uma voz ríspida.

Ana engoliu a seco e foi de encontro ao marido que acabava de chegar do trabalho.

–Sim, querido. Como foi seu dia?

–Cadê o controle da maldita TV? Você devia organizar melhor essa casa, e espero que o café não esteja tão fraco quanto tem feito ultimamente.

Ana abriu a gaveta da mesa de centro e entregou ao marido que já tirava o calçado sujo de terra molhada e jogava para o canto da sala. No caminho para a cozinha perguntava-se onde estava o amor de sua vida, quem era esse homem horrível e o que fez com o único homem por quem se apaixonou. Cada dia mais estava estranho, começou parando com os beijos carinhosos, não andavam de mãos e nem saiam mais juntos, já não demonstrava afeto algum, nem por ela, nem pela filha.

Chorando e pensando: "Será que tinha arrumado uma amante?" Negava a si mesma, pois era jovem e bonita, uma mulher com um corpo esbelto e intacto, mesmo depois de ter uma filha. Tinha 23 anos e ainda era a mesma de quando se conheceram a 4 anos atrás, cabelos sempre bem penteados, sempre sendo uma rainha da beleza como ele mesmo dizia, sempre bem arrumada para o seu príncipe encantado. Perguntava a si mesma: "Será que o encanto acabou? Será que as rugas começaram a aparecer?"

O que aconteceu com aqueles que seriam eternos? Sem ganâncias, apenas viver o amor. Chorando e rindo ao lembrar de todos os momentos bonitos, por pouco que seja o amor ainda existia, negava a si mesma o inferno que sua vida começava a se tornar, sentindo-se o ser mais orgulhoso por considerar-se imune aos perigos do mundo. Sabendo que a negação é um elemento essencial, começando a ser fã da verdade.

O café não estava forte o bastante, o bolo não estava bom, suas roupas estavam desbotadas, bobs em seu cabelo, brinquedos pela casa e as flores estavam secas.

MEDO DO ÍMPAROnde histórias criam vida. Descubra agora