Capítulo 1

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Parte 1: GRÃ-FEÉRICA

Eu ainda podia me lembrar da sensação e do cheiro e das cores.
Estava viajando quando o livro foi publicado, a cidade me era estranha, as pessoas eram estranhas e as ruas estranhas, mas nada disso me impediu de arrastar minha mãe para fora do hotel apenas com uma indicação da camareira que encontrei no corredor. O clima era frio e minhas roupas pesadas e grossas, contudo eu era rápida como o vento em direção ao centro de compras, estávamos andando a pé todos os dias para conhecer a cidade com nossos olhos, apenas eu e minha mãe.
Era noite porque eu tinha acabado de ver a notícia de que tinha sido liberado para venda.
Minha escritora preferida era a preferida ainda mais por fazer aquilo por nós leitores, ela publicava todo ano e se não fosse assim meu coração não aguentaria esperar.

Por isso estávamos eu e minha mãe explorando o desconhecido no escuro, até eu admitir que tinha me perdido e minha mãe rolar os olhos antes de perguntar para alguém onde estávamos. Nesse instante, enquanto eu procurava um lugar para esconder minha vergonha, uma luz pareceu se acender e finalmente pude notar na pequena loja, a vitrine sem nenhum nome, mas com dezenas de livros expostas, não perdi tempo e já puxei minha mãe para a loja, ela teve que se desculpar para o estranho aos tropeços.

Um sino tocou quando abri a porta e me deparei com uma loja simultaneamente sinistra e acolhedora, ela era escura e com algumas decorações esquisitas, mas tinha aquele cheiro de livro, o chão era coberto por um tapete felpudo e tinha aquelas almofadas gigantes para se sentar ao lado de uma lâmpada decorada com ossinhos bem pequenos e alguns quebrados, um calafrio percorreu minha espinha antes de eu ver a estante com centenas de livros, fui pulando na direção dela e meus olhos encontraram rapidamente o que eu estava procurando, o último livro de Corte de Espinhos e Rosas, dei uma pirueta com o livro nas mãos e o estendi para mostrar a minha mãe que ainda estava à porta agarrando o seu casaco, ela olhava para os lados com aquela cara de mãe leitora de mentes, que sabe de tudo sem nem precisar da verdade.

- Não gostei dessa loja.

Ela falou antes mesmo que eu perguntasse algo. Fiz bico.

- Então vamos pagar logo e voltar pro hotel. - me virei mais para o interior da loja - Tem alguém aí?

- Por favor, me acompanhe.

Eu dei um salto gigantesco para o lado ao escutar aquela voz sinistra, sinistra e acolhedora como a loja, além da estranheza na voz eu tinha levado um susto pois aquela mulher tinha surgido do nada ao meu lado, quando ela passou direto por mim sem nenhuma reação olhei para minha mãe que olhava para a mulher alta de enormes cabelos escuros com a desconfiança que teria se um homem nos abordasse num beco escuro e isolado sem saída.

- Aqui, querida.

Olhei para o fim do corredor de estantes estreitando minha visão para enxergar um balcão do qual a mulher estava atrás agora. Olhei para o livro em minhas mãos e o restante deixou de importar, eu teria meu livro e fosse de uma loja sinistra ou de uma banca de revistas, ele ainda teria a mesma história. Fui saltitando feito uma corsa para o balcão.

- Vou querer levar este.

A mulher, cujo rosto era muito belo apesar da idade revelada pelas mãos enrugadas, analisou o livro e depois olhou para mim, começou a embrulha-lo.

- Então, você gosta dessa história?

Ah! Ela tinha feito uma pergunta perigosa, escutei minha mãe suspirar atrás de mim já sabendo o que viria.

- Com certeza! É a minha série preferida da minha autora preferida! Tem tudo que mais amo, tem personagens tão reais que as vezes sinto que estou ali, a narração é incrível e os cenários parecem sair das páginas, apesar de acreditar que minha imaginação não deve fazer jus, além disso aborda temas que muitos evitam falar ou falam superficialmente e a autora não coloca como algo estranho ou que deve ser altamente discutido, ela simplesmente mostra: olha, existe e não tem nada de errado, mas pessoas pensam diferente, apenas não as julgue por escolherem diferente. E ainda por cima... os romances...

A mulher sorriu.

- Oh, sim! Você gosta de tudo então. Imagino como gostaria de poder ver tudo de perto.

- Claro que sim! - respondi automaticamente, então algo me passou pela cabeça - Mas eu teria muito medo...

Lembrei de todas as criaturas dos livros da Sarah. O sorriso da mulher se abriu mais e aquilo ficou mais sinistro.

- É um euro.

- Um?

Ela acenou. Minha mãe também se espantou.

- UM?!

A mulher confirmou, depois se abaixou atrás do balcão e me estendeu um marcador de páginas, era lindo, tinha a pintura de um pavão feita meticulosamente, simplesmente perfeito.

- Você está pagando por isso.

Eu peguei o marcador e me apaixonei, como uma leitora voraz eu também tinha a mania de ter marcadores, fitas e desenhos para marcar os livros, escolhia um especialmente para cada livro que lia, o que mais combinasse.

- Só vai funcionar uma vez, então recomendo que use nesse livro.

Do que ela estava falando?

- Mas e o livro?

Mamãe parecia mais atenta que eu. A bela e velha mulher pegou o livro embrulhado e o estendeu para mim.

- Eu não vendo livros, vendo decorações e marcadores. O livro é um presente.

Minha boca caiu enquanto eu escutava aquilo.

- Não posso aceitar...

Era o único volume ali e sim, eu podia aceitar, mas minha maldita educação não permitia que eu o fizesse sem parecer um pouco relutante, coisa que eu não estava e esperava muito que a mulher não voltasse atrás.

- Você o quer e ele estava aqui esperando por você. Pode levar, mas peço que seja carinhosa com ele, que cuide bem de sua história preferida.

Eu segurei o livro.

- Eu vou.

- Muito obrigada por tudo. Pague logo ela, Lianna!

Tirei um euro do bolso e o entreguei para a dona da loja esquisita um milésimo antes de minha mãe me girar e empurrar porta afora.

- Me lembre de nunca mais deixar você escolher as lojas.

📖

Eu estava realizando o meu sonho no último dia de viajem. Ali estava eu em uma cafeteria, numa daquelas mesinhas na calçada, com um delicioso cappuccino na xícara lendo o meu amado livro com aquelas roupas, um sobretudo preto, meia calça preta, boina preta e um cachecol vermelho, eu só não quase chorava todo momento porque o livro tinha me fisgado por completo mesmo naquela emoção toda.

Mamãe já tinha reclamado centenas de vezes que eu não largava mais aquele livro nem para me divertir com ela, eu simplesmente não conseguia e naquele último dia eu havia me determinado a realizar aquele sonho, por isso peguei o sobretudo preto de mamãe emprestado, infelizmente nenhuma de nós duas tinha um sapato mais arrumadinho e ali estava eu com meu tênis azul destoando de tudo, mas quem ligava? O restante estava perfeito e não era como se todo mundo fosse olhar logo para meu all star azul.

Era a última página, todos os problemas resolvidos, e eles estavam todos juntos na cabana, não na casa em Velaris, mas na cabana isolada coberta por pinturas que foram refeitas e substituídas, com novos personagens no meio, mas apenas dois deles estavam ali. Eu ia chorar, na verdade já tinha chorado umas quatro vezes durante todo o livro, mas agora era pelo final feliz e triste pelo fim. Era o último livro e depois daquele nem mais uma novela extra, acabou e ponto final.

Bom, não tinha um ponto final naquela última frase, mas tinha acabado, fechei o livro e terminei de tomar meu cappuccino, guardei o livro e encarei meu marcador, aquele pavão não iria para dentro de nenhum outro livro, apenas uma vez foi minha promessa e não deveria existir nenhum outro digno e combinando com ele, o peguei também.

- Então, sua missão acabou.

Falei para o pavão e então algo aconteceu.
O pavão que ficava de costas e com a cauda baixada se virou. Sim! Aquela pintura se mexeu e ele estava de frente para mim, quando ele abriu o leque de cores arco-iris preencheu minha vista a tive que piscar.

No momento em que abri os olhos novamente meu mundo mudou, não só o meu mundinho pessoal, mas todo o que me cercava e eu estava lá, na cabana nas montanhas, olhando para todos os personagens que sempre amei sentados à mesa sorrindo até que me viram.

Corte de Livros e SonhosOnde histórias criam vida. Descubra agora