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É incrível como o Sam fica tão animado nesses treinos de futebol. Nos EUA é bem mais comum futebol americano e Sam é ótimo jogando, a sua posição era Kicker. Coincidentemente a sua afeição por chutes com os pés se iniciou cedo. Kickoff é o chute inicial de uma jogada, nesse tipo de futebol, da linha de 30 jardas, fazendo-a passar entre os postes do gol, conhecidos por "uprights". 

Assistir é mais complicado do que ler o que eu disse. Mas, sem dúvidas, é um esporte encantador. 

Vejo Sam no campo. Como o time é formado por crianças de até 11 anos, a partida só dura 20 minutos. Sento-me na arquibancada junto com aqueles pais entusiasmados. Fecho os olhos e imagino que os nossos pais também estivessem aqui.  Eles nunca vieram. 

O tempo do jogo começa e percebo que em algumas vezes o Sam põe a mão na cabeça como se estivesse sentindo dor. Não é a primeira vez que isso acontece e não posso me esquecer de ir ao médico com ele. O jogo é rápido. Procuro com olhos aquele garoto que conheci no primeiro dia de Sam apenas por curiosidade. Não o vejo. 

Jogo termina e os meninos correm para o vestuário.  O treinador vem em minha direção. Ele possui um corpo atlético, com 1,80 de altura, cabelo grisalho meio ralo nas laterais, aparenta ter uns 40 anos. 

-Você é a irmã do Sam?- indaga

-Sim, sou eu

-Oi, eu sou o treinador Scott- estende a mão

-Eu sou a Elizabeth- retribuo a saudação

-É que desde os primeiros jogos, o Sam reclama de dores de cabeça e eu acho que você deveria levá-lo ao médico o quanto antes- diz com o semblante preocupado. Meu coração acelera.

-Eu percebi mesmo que em alguns momentos ele tocava a cabeça, vou levá-lo hoje até o hospital, creio que exista algum que faça exames esse horário.

-Sim, no centro da cidade, há o Hospital Central

-Irei hoje mesmo, muito obrigada pela atenção com ele- digo sorrindo

-Esses meninos são muito importantes pra mim- fala apontando para o vestiário. Nos despedimos e ele segue em direção à saída.

Fico preocupada com Sam, meus pais nos deram cartões do plano de saúde assim que chegamos e há um chip de reconhecimento que foi implantado em nossos pulsos. Doeu no implante, mas depois valeu a pena, porque não é mais necessário ficar usando cartões.

Vejo Sam sair banhado após 5 minutos. Corro até ele e ele me recebe com um abraço apertado.

-Oi, liz, você gostou do que viu hoje?

-Sim, campeão. Você é sempre bom em tudo o que faz- ele gargalha

-Obrigada, Liz

-Nós temos que ir ao hospital, Sam. Você anda tendo bastante dores de cabeças- ele se afasta

-Está tudo bem, Liz, são apenas dores de cabeça

-Não está tudo bem, Sam. Isso é demais. Obedeça-me, por favor- ele fecha a cara e sai andando na frente. Peço um táxi pelo celular e vamos ao hospital.

É em torno de 20h. A cidade está cheia de luzes, quase não dá de ver o céu estrelado. Sam fica longe de mim emburrado o tempo todo. Ele tem pavor de hospitais, de sangue e de agulhas.

Entramos no hospital, não há muita gente na recepção e em 5 minutos nossa senha é chamada. Dirijo-me até o box.

-Boa noite- diz a senhora, com cabelos pretos com mechas brancas e olhos bondosos.

-Boa noite

-O que deseja?

-Meu irmão, Sam- aponto para a cadeira onde está sentado- anda tendo umas dores de cabeça que se acentuam em atividades físicas- digo e ela digita algumas coisas no computador. 

-Ele tem cartão do plano?

-O chip implantado- aponto para o pulso e faço um sinal para Sam vir até mim. Ele vem e passa o pulso na máquina. 

Os códigos dele apareceram no computador imediatamente. Ela imprime um papel com a sala do médico. Subimos  dois andares até a porta do médico, esperamos 30 minutos até o nome de Sam apareceu na tela do computador. 

A sala do médico estava demasiadamente fria. As paredes eram todas brancas com alguns quadros abstratos. 

-Boa noite- Sam e eu dizemos juntos

-Boa noite- ele olha para nós e depois vira para Sam vendo provavelmente a ficha dele na tela do computador- O que você está sentindo agora, Sam?

-Só dor de cabeça- diz sem muita atenção

-Mas acredito que você não veio aqui por sentir essa dor só uma vez, né?- pergunta

-Não, Dr. Ele sente há muitos dias, o treinador dele e eu ficamos muito preocupados- digo e o médico dirige os olhos para mim. O médico é muito bonito. Aparentemente  30 anos. Cabelo preto, pele muito branca parecendo um vampiro.

-Qual o seu nome?

-Elizabeth

-Sim, Elizabeth, não dá para saber o que é olhando apenas para ele. Por hoje, só posso passar uns analgésicos, mas há um série de exames que eu quero que ele faça amanhã.- ele diz colocando os braços em cima da mesa. Logo após, prescreve um remédio simples com Paracetamol. Prescreve também os exames que Sam tem que fazer.  Nos despedimos e sigo com o Sam para casa.

No caminha, reflito sobre tudo o que aconteceu.

Sobre a ausência dos nossos pais. Eles erram tanto. Como não percebem?

Como podem não ser presentes na vida de uma pessoa tão linda como Sam?

Chegamos no nosso apartamento. Sam corre para o seu quarto e eu passo na cozinha para beber água.

Penso no horário de levá-lo para fazer os exames e se eu vou falar ou não com os meus pais. Decido não falar.

Subo para o meu quarto, tomo um banho, visto um pijama aleatório. Abro o computador e vejo que há um e-mail de Artur.

"Oi, Liz, Boa noite. Andou sumida hoje. Espero que esteja aproveitando alguma coisa aí e que esteja demasiadamente bem. Conta comigo. Artur."

Se há uma pessoa que sempre é uma surpresa, essa pessoa é Artur, sem dúvidas.

Os Rascunhos De Uma VidaOnde histórias criam vida. Descubra agora