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Ao entrar em meu quarto, vejo Artur olhando as minhas coisas. O meu quarto é simples, a maior parte dos móveis já estava nele quando vim morar aqui. A porta era de madeira, com dois ganchos. Neles estavam duas mochilas minhas e um fone. Do lado da porta havia um grande espelho que eu cobri com trechos dos meus livros favoritos e da bíblia. O guarda-roupa pegava uma parede inteira, com uma escrivaninha ao lado, na qual eu usava o notebook e escrevia nos rascunhos. Ao lado da minha cama havia uma janela enorme com a vista para a rua. Por vezes nos últimos dias eu ficava imaginando como seria a vida das pessoas que passavam por mim. Havia também uma estante cheia de livros, a única coisa que eu realmente havia levado em cada mudança.

Vejo que Artur percorre os caderno com o nome rascunhos deixados por minha avó. Sei que dentro dele há uma vontade de percorrer aquelas páginas, mas ele não ousa percorrer nada além da textura.

-Oi- digo quebrando o silêncio

-Oi, desculpa, não queria ser invasivo- ele diz assustado

-Não tem problema- digo me sentando na cama. Arregaço um pouco as mangas para pentear o meu cabelo

-A gente nunca conversou sobre essas marcas- ele disse e eu me retraio um pouco.

-Nunca gostei de falar muito sobre mim- digo cabisbaixa, ele se senta ao meu lado.

-Eu sei disso, não quero te forçar a nada. Mas acho que para o nosso relacionamento evoluir a gente precisa falar dessas coisas- sorrio ao ouvir nosso relacionamento

-É bom ouvir o "nosso"

-Sei disso- ele também ri. Decido quebrar essa barreira entre nós. Estou vestida com uma blusa manga comprida e um top cropped por baixo. Tiro a blusa e deixo meus braços expostos. Há muitas marcas, meus olhos se enchem de lágrimas ao ver isso. Artur me encara, ele percorre o meu corpo com os olhos, a cintura, braços e ombros.

-Eu só me culpava o tempo todo. Achava que era um peso para todos. Meus sentimentos doíam muito, eu realmente podia sentir. Só queria descontar isso em mim mesma. Por favor, não me julgue- eu disse já chorando. Artur me abraça de imediato. Como se fosse a última vez.

-Eu não vou te julgar.. Todas as suas cicatrizes são importantes pois geraram quem você é. Você é uma menina doce, encantadora e incrível. Só me prometa que não vai mais fazer isso com você mesma. É como se me matasse por dentro- ele diz já chorando também

-Eu não posso fazer promessas que não tenho certeza que irei cumprir- digo fungando em seu ombro. Ela me gira o suficiente para olhar fixo em meus olhos e me beija. Seu beijo é quente e doce. Meu coração erra uma batida. Não há desejo carnal, mas há amor. Por mais que nunca tenhamos falado dessa palavra.

-Pois eu te prometo que serei auxílio suficiente para você nunca mais pensar em fazer isso- ele diz e pouco a pouco vou recuperando o fôlego. Desvencilho dos seus braços da maneira mais doce possível, não pelo meu querer, mas é estranho eu estar apenas de top, sem blusa em sua frente.

-Acho melhor eu me vestir- digo corando e vestindo a minha blusa.

-Nunca imaginei que a primeira vez que tiraria a blusa seria assim- ele diz fazendo piada com a situação.

-Nem eu- digo e sou surpreendida por um abraço. Vamos até o quarto de Sam.

-Sam, vamos descer- digo quando ele ainda joga videogame

-Não, Liz, me deixe jogar mais um pouco.

-Querido, Amanda fez a sua comida preferida. Torta de maçã- seus olhos brilham quando digo isso.

Descemos as escadas no mesmo momento da chegada dos meus pais. Os vejo primeiro e peço que Artur vá novamente ao quarto com Sam.

-Oi querida, assim que ouvimos a sua mensagem viemos. Temos uma surpresa pra vocês- minha mãe diz tentando me abraçar. Saio do seu abraço.

-Preciso conversar com vocês algo muito sério. Sam vinha sentindo umas dores de cabeça estranha, fizemos os exames e hoje descobrimos que ele tem um tumor cerebral. O médico não prometeu melhoras, mas quer que o tratamento se inicie imediatamente- digo engasgando com as lágrimas.

Meus pés perdem a cor. Minha mãe começa a chorar compulsivamente e meu pai parece que perdeu as palavras. Observo Amanda nos encarar de longe.

-Onde está Sam? Isso só pode estar errado. Nós vamos fazer outros exames, contratar médicos dos EUA, nem que eu gaste até o último centavo com isso.

-Pai, ninguém liga para o seu dinheiro. Ele foi diagnosticado assim. Temos que iniciar o tratamento. Sam está lá em cima com Artur, um amigo meu, vocês irão simular os pais presentes e perfeitos que vocês nunca foram e nem mencionar essas besteiras de dinheiro. Entenderam?- falo e quando noto o meu tom de voz foi muito alto. Sam já vem descendo assustado.

-O que está acontecendo? Vocês já sabem né?- Sam pergunta. Ele vai até a nossa mãe e se senta no colo da minha mãe. Ela o abraça.

-Não foi minha culpa, mamãe. Não quero morrer- Sam diz e mais uma vez me sinto perdendo o chão. Os meus pés fraquejam, quando vou caindo para trás, Artur me segura e me impede de cair no chão. O mundo fica meio silencioso. Vejo o vulto de Artur pedindo para que eu acordasse.

Não sei quanto tempo passei assim, demoro alguns minutos para voltar a consciência. Amanda está com um pano com álcool e eu estou nos braços de Artur. Tento me sentar

-Está tudo bem- digo me apoiando no sofá.

-Beba um pouco de água, Liz- Artur me pede. Eu bebo sem me lembrar a última vez que gotas de água passaram em minha garganta. Sam está no colo do meu pai. Minha mãe está ao meu lado também. Ela me abraça.

-Eu sinto muito filha, não queria que as coisas fossem assim. Nos últimos dias eu tenho tentado. A abraço. Quanto tempo eu senti a falta do colo de uma mãe. Deixo as lágrimas saírem livremente.

Artur vai embora depois de um tempo, comemos torta de maçã todos juntos. Nos despedimos lá fora e ele me dá um beijo na testa. É tão bom tê-lo


Os Rascunhos De Uma VidaOnde histórias criam vida. Descubra agora