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Quando voltamos ao quarto de Sam, ligo para o meu pai na expectativa de trazer o xbox para alegrá-lo. 

Disco o número e faço a chamada. 

-Oi, Eliza, aconteceu algo com o Sam?- ele questiona com a voz preocupada

-Não, pai, não aconteceu nada. Sam está meio tristonho e pediu pra eu falar sobre trazer o xbox deles e alguns jogos. Resolvi ligar para você trazer e conversar com o hospital sobre a possibilidade de recebê-lo. O xbox está no quarto dele e os jogos na última gaveta da parte do meio do guarda-roupa dele.- falo e um grande silêncio se instala na ligação. Talvez o meu pai estivesse percebendo a realidade do seu filho estar nessa situação em um hospital.

-Está bem, querida. Sem dúvidas eu posso levar. Espero que eu consigo fazer com que os dias de Sam melhorem.

-Aguardo então- é tudo o que eu consigo dizer. Não consigo achar palavras. Eu sei que o meu pai tem sofrido também. Artur vai embora e ficamos apenas Sam e eu em seu quarto. Resolvo falar sobre Jesus com ele.

-Sam, você se lembra que um dia me pediu para falar um pouco de Jesus para você?

-Sim, Liz, eu te pedi mas você cortou o assunto.

-É que você sabe que é proibido falar dessas coisas e falar sobre Jesus, né?

-Eu não sou mais criança, Liz, claro que sei.

-Sam, sempre ouvi falar muito sobre Jesus, a vóvo sempre me dizia coisas sobre ele antes de morrer. Mas eu nunca tinha tido contato com ele, até que quando chegamos na cidade e eu fui na biblioteca próxima à aquele parque, encontrei um livro chamado Novo Testamento em que tudo sobre Jesus começou a ter sentido. É um livro proibido para a nossa época, sabe? Capitão me emprestou e eu não devolvi ainda, tem tanta coisa que não entendo e nem sei se irei entender- respondo meio tristonha

-Liz, mas me conta o que tem nesse livro, quero muito ouvir falar sobre Jesus

-Você me promete que não vai contar pra ninguém? Nem mesmo para o papai, mamãe ou Amanda? 

-Sim, Liz. Eu prometo- ele diz querendo ir direto ao ponto.

-Pelo seu xbox?

-Juro, Liz, vai logo- Sam fala já sem paciência. 

-Então.... Você já deve ter ouvido falar sobre Deus, que criou o mundo em 7 dias e enviou o seu filho Jesus para a terra. Jesus veio em forma de ser  humano para nos ensinar sobre muitas coisas, Sam. Ele nos ensinou como Amar, como dar a nossa vida em favor dos nossos irmãos, por onde Ele andava a paz reinava, Ele curou enfermos, paralíticos e cegos. Não sei ao certo porque houve a proibição sobre o nome de Jesus, talvez seja porque Ele sempre pregou que o maior na terra é o menor no Reino de Deus, Ele disse que é mais fácil um camelo passar por um buraco de uma agulha do que um rico entrar no reino dEle- disse com algumas pausas entre as frases.

-Mas, Liz, existe tanto animal maior por que Jesus iria comparar com um camelo?- Sam diz sem entender essa comparação de Jesus. Não consigo controlar a gargalhada.

-Sam, Camelo não é o animal, mas sim uma linha bem grossa usada para pescar peixes. Entendeu?

-Acho que sim- ele diz meio confuso

-Posso ler um versículo para você assim que quiser, podemos ler algumas histórias para você entender mais de quem se trata Jesus.

-Liz, mas quero saber, se Jesus curou tantas pessoas, Ele pode me curar?-ao ouvir Sam dizer isso, sinto um nó se formando em minha garganta.

-Sim, querido. Se você acreditar de todo o coração, Ele pode fazer muito além do que você imagina-digo com os olhos marejados e o abraço. Há momentos como os que eu abraço Sam, que eu gostaria de ser capaz de congelar no tempo e ficar repetindo várias e várias vezes. Desde que eu soube da sua doença, era como se uma parte de mim sentisse ele morrendo e o outra quisesse ficar com ele a todo instante. 

Conversamos um pouco mais, digo as minhas passagens favoritas do Antigo Testamento para Sam. Ele observa tudo com atenção, vejo-o ficar sonolento com as minhas palavras, desde o inicio do tratamento percebo que ele está ficando sem força. Isso é normal, a ação dos medicamentos faz com que o corpo dele perca muita energia atacando os invasores. Espero ter a certeza que ele está dormindo, para eu sair e dar uma volta pelo hospital. 

O hospital é muito grande, tem tantas alas que facilmente me perco. Não é novidade para ninguém que a minha parte favorita do hospital, é a maternidade, a ala que ficam os bebes recém-nascidos. Sigo em direção a essa ala. Vejo, Ana, uma técnica em enfermagem que também acompanha Sam.

-Oi, Liz- ela me cumprimenta com um forte abraço

-Oi, Ana- digo sorridente.

-Indo para a ala dos bebês?- ela me pergunta

-Sim! Muita gente nova por lá?

-Acabaram de entrar uns gêmeos idênticos, são lindos!!- ela diz com a expressão de felicidade no rosto

-Vou lá conferir, tchau, Ana- eu me despeço

-A gente se vê mais tarde, Liz- ela diz e eu sigo em direção a ala. Há um vidro que separa o público dos bebês. Nós, pessoas de fora, possuímos muitos micro-organismos que podem ser letais as vidas dos bebês. Alguns nascem antes do tempo e precisam ficar em incubadoras aguardando o tempo certo de viverem sem esse monitoramento hospitalar. Consigo avistar os gêmeos, são louros, um está dormindo e  ou outro acordado, olhando para o teto sem fixar em um ponto. As pulseiras contém a identificação deles com o seu nome e o nome de suas mães. Estou em uma distância suficiente para não conseguir ver nitidamente. Tento me aproximar o máximo que consigo do vidro, quando ouço alguém rir atrás de mim. É a pediatra responsável por aquela ala.

-Desculpe, só queria conseguir ler o nome dos gêmeos.-digo envergonhada sem conseguir encará-la.

-Você não está doente, né?-ela questiona. Consigo vê-la nitidamente. Ela tem cabelos negros nos ombros e em seu jaleco está escrito o nome Alice.

-Não, o meu irmão está internado aqui.

-Você quer entrar? É só trocar a roupa por uns EPI's que ficam naquele armário e você pode dar uma olhadinha neles de perto

-É sério que eu posso?- digo sorridente

-Sim, querida, eu não vejo problema nisso- ela diz e eu a abraço sem exitar. Corro no armário e vou até o banheiro, as roupas são um pouco largas e tem um tom de verde. Eu calço uma bota, ponho luvas e touca. Quando volto, a médica está com um crachá a minha espera. Entramos juntas na sala que por alguns dias eu só observava do lado de fora. Consigo ver inúmeros bebês, inclusive os gêmeos que possuem o nome de Nick e Alex. É incrível essa conexão que eu descobri ter com os bebês, conseguiria ficar ali observando eles por horas e horas. 

Os Rascunhos De Uma VidaOnde histórias criam vida. Descubra agora