Os Rascunhos De Uma Vida

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Coloquei na cabeça que se esses fossem os últimos dias de Sam, eles seriam os mais lindos e proveitosos na medida do possível em um hospital. Decidimos continuar o tratamento, lá no fundo, tínhamos fé sob a cura de Sam. Bolei alguns planos com Artur e com os meus pais. Essa seria uma semana incrível.

Combinamos que todos os dias nós faríamos todas as refeições junto com ele. Meu pai tinha conseguido comprar e colocar uma mesa redonda com cinco cadeiras. Meus pais, Amanda, Artur, Sam e eu totalizávamos 6 pessoas, mas puxávamos a poltrona para fazer as refeições. O médico de Sam, Heitor, aceitou tudo com facilidade, talvez ele estivesse sentindo pena de nós, não sei ao certo o motivo dele ter aceitado isso, mas sei que cooperou com os nossos planos.

Na segunda, combinei de trazer o capitão e algodão doce para alegrar Sam. Na terça, faríamos um torneio familiar de Xbox. Na quarta, nos decidimos nos fantasiar com os personagens favoritos da Marvel de Sam. Na quinta, combinamos de os pais de Artur virem. Na sexta, era o dia do treinador e dos amigos do futebol virem. Tudo estava escrito e programado. No domingo nem consegui dormir direito. Artur havia pedido uma licença de uma semana para o Capitão da livraria para conseguir vir. Todos os momentos ele disse que iria capturar em fotos.

Segunda-feira

O dia raiou e eu havia conseguido dormir pouco, só que um sentimento de confortou veio ao meu coração com o sol irradiado pela janela. Nesses momentos, eu sentia Deus. Sam despertou logo em seguida. Fizemos nossas higienes pessoais e os meus pais chegaram meia hora depois, trouxeram consigo Amanda e haviam encontrado Artur no saguão. A enfermeira Ana também participaria do nosso café da manhã.

Meus pais trouxeram duas sacolas de pães e salgados. Amanda trouxe torta de maça e Artur um bolo de milho feito pela sua mãe. Amanda também trouxe sousplast coloridos de crochê que ela mesmo fez. A refeição foi incrível, Artur tirou foto da mesa e também tirou foto nossa sentados à mesa. O almoço também foi comemos galinha caipira que o meu pai pediu em um delivery, galinha caipira é uma comida típica do Brasil. Pela tarde, meus pais e Amanda foram para casa, levaram tudo o que havia sujo e Artur ficou responsável por buscar o capitão.

Pouco tempo depois, o Capitão adentra a sala com Artur. As vezes você precisa apenas de um contato repentino para se dar conta do quanto sentimos saudade de algumas pessoas. Assim que vi o Capitão, percebi o quanto havia sentido a sua falta. Corri para um abraço apertado, acho que por muito tempo não consegui ter essa intimidade com as pessoas, principalmente pelo fato de não ter experimentado sentimentos verdadeiros. Capitão permanecia com a mesma aparência de sempre, um pouco mais envelhecido, os cabelos mais grisalhos e algumas manchas que acho que são advindas do sol. Ele trazia consigo uma parte da máquina de algodão doce, o resto da máquina estava com Artur.

-Oi, Lizzy, como você está?- o capitão questiona-me

-Estou bem, capitão e o senhor como está?

-Mais feliz agora que os vejo- ele diz sorridente. Ele direciona-se até a cama de Sam, enquanto cumprimento Artur. Ele me abraça aperto e sempre relaxo ao sentir essa proximidade e o seu cheiro. Dessa vez ele me surpreende com um selinho. Coro ao imaginar que capitão ou Sam tenham percebido essa proximidade. Olho-os de relance e percebo que ainda estão conversando. Artur me ajuda a montar a máquina de algodão, são duas peças grandes que se encaixam, como se fosse uma centrífuga e uma forma de bolo. Posicionamo-las próximo à mesa e conectamos na tomada 220v. O capitão adiciona o açúcar e o corante de acordo com o gosto de Sam, que escolheu a cor roxo. Ajudamos o capitão a encaixar os palitos e pouco tempo depois o algodão doce está pronto.

A felicidade estava estampada no sorriso de Sam, era perceptível. Artur surpreendeu-nos com algumas fotos enquanto Sam aproximava o seu algodão doce para experimentarmos. Também houve uma foto de Sam, capitão e eu. Depois sentamos ao redor da mesa

-Capitão, a Liz me contou muita coisa a cerca de Jesus- Sam iniciou outro assunto

-E o que você achou, Campeão?- Capitão o questionou

-Eu achei a história incrível, sempre achei que ele existia, mesmo que ninguém fale muito nele. Capitão, só que não entendo se ele é tão bom, por que permite coisas ruins aconteçam? Eu sei que não fui um menino muito bonzinho, entrei no quarto da Liz escondido, comia os doces antes da refeição que Amanda escondia na geladeira, fingia estar dormindo quando os meus pais entravam no quarto. Eu também dizia que nunca iria me casar. Será que isso tudo é Deus me castigando?- Sam solta de uma vez. Meu peito dói, meus olhos enchem de lágrimas e eu não consigo pronunciar nenhuma palavra. Artur apoia o seu braço em meu ombro.

-Sam, Deus faz muitas coisas que não entendemos. Você parece estar arrependido dessas coisas que você fez, não acredito que isso seja castigo. Acredito que tudo tem um propósito na nossa vida, você sabe o que é propósito?- capitão o questiona

-Acho que não- ele nega cabisbaixo. Capitão levanta o seu queixo com uma das mãos.

-Propósito é o motivo que Deus te criou, é o lugar que você ocupa com a finalidade que Deus quer. Talvez a doença esteja no caminho desse seu propósito, nós não entendemos porque o que pensamos sobre o mundo e sobre a vida é um grão de areia comparado com aquilo que Deus sabe e conhece por nós- capitão diz e eu já não consigo controlar as lágrimas

-Eu acho que entendi- Sam diz um pouco mais animado

-Sabe o que você pode fazer Sam? Você pode orar pedindo que Deus deixe você ficar satisfeito com o plano dele pra sua vida. Eu também vou orar por você e sempre que você precisar de mim pode me chamar- capitão diz enquanto abraça Sam. Artur muda de assunto em seguida para aliviar um pouco mais a tensão. Conversamos um pouco mais e o capitão vai embora.

As palavras do capitão não saem da minha cabeça. Muitas vezes nos últimos dias eu cheguei a questionar Deus. Agora imaginar Sam com todos esses questionamentos chegava a doer o meu peito. É muita coisa para uma criança saber lidar. Mas eu não tinha dúvidas que o Sam tem um propósito.