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Nos últimos dias troquei alguns e-mails com Maria. Ela é sempre tão doce, tão amável, já compartilhou comigo alguns sentimentos. Parece que ela se sente a vontade pra conversar sobre coisas profundos. Eu amo esse jeito dela.

Ontem a noite ela me mandou um e-mail para um convite de jantar em sua casa.

Talvez eu não estivesse preparada ainda pra sair de casa assim.

A priori, pensei em várias formas de dizer à Maria que não poderia ir. Mas, como eu escrevi no meu rascunho uns dias atrás, não posso mais me fechar por causa de sentimentos passados.

Nessa manhã decidi responder.

"Oi, Maria.
Será um prazer jantar com você e a sua família. Você é muito gentil. O convite é pra hoje? Me manda o endereço que farei o possível para comparecer.

Esperando a resposta ansiosamente.

Liz."

Mando o e-mail para Maria e em seguida percebo que há um e-mail de Artur na minha caixa de mensagem.

"Oi, Liz

Só queria dizer que estou com saudades. Também.

Art."

Ri sem parar é a minha reação. Como ele consegue tirar essas emoções de mim tão facilmente? Não consigo entender.

Perco-me nos meus pensamentos pensando em uma roupa pra usar nesse jantar.

Vejo que Maria respondeu meu e-mail avisando que será hoje.

Reflito por alguns minutos e decido pedir à ela que vá comigo em alguma loja fazer compras.

"Querida Maria,

Passei alguns tempos meio fora de moda, mas, para uma ocasião tão especial, irei precisar de roupas novas. Gostaria de saber se você tem disponibilidade para me acompanhar.

De já agradeço.

Liz."

Continuo aguardando, pois Maria costuma ser bem rápida na resposta dos e-mails. 

Passaram dez minutos e recebo a resposta dela.

"Claro que sim, Liz. Podemos ir às 14h, eu te encontro no centro da cidade, pode ser? Perto da praça Saraiva. Ainda acho que você deveria usar o Unitedsapp, a comunicação por e-mail é um pouco difícil.
Beijos, Maria."

Rio ao ler. Unitedapp é um aplicativo global de comunicação bastante utilizado. Nunca gostei de usar aplicativos em que todo mundo se comunica, de certa forma, os e-mails acabam ficando uma "rede social secreta" minha.

Olho no relógio e percebo que são 12h.

Respondo Maria, tomo um banho rápido e desço pra comer.

Amanda está em seu quarto assistindo tv, ele fica nos fundos e dá de ouvir o barulho pela cozinha.

Coloco a minha refeição e sento na bancada da cozinha pra comer.

Meu pai chega em casa. Algo inédito, já que não temos refeições em família e eles só chegam em casa depois das 18h.

-Boa tarde, Elizabeth

-Boa tarde, pai- faço questão de falar com um tom diferente

-Você pensou na proposta da visita na empresa?-ele indaga parando em frente ao local que estou sentada

-Não penso em aceitar- ele muda a expressão e posso sentir seus olhos zangados fixos em mim

-Quero saber quando você vai acordar desse seu sonho encantado, você pensa que vai conseguir sobreviver em um país que não é o seu sem um emprego decente? Ou, melhor, acha que vai continuar com essa sua vida perfeita longe da guerra, sem horários de recolhimento, com liberdade de ir e de vir? Eu trabalho desse tanto pra manter vocês- perco a fome enquanto ele diz essas palavras. Sinto um embrulho no estômago. Como o meu pai consegue ser tão cretino?

-Você não percebeu que nessa tentativa toda de tentar nos salvar do mundo você acabou nos perdendo? E não foi pra Guerra. Você nos perdeu morando debaixo do mesmo teto. Você nos perdeu em cada falta de demonstração de amor. Em cada palavra não dita ou mal dita. Você nos perdeu- digo me levantando exausta da situação. Corro para o meu quarto. Apenas ouço os seus gritos chamando "Elizabeth"

As lágrimas vêm como um fluxo. Choro com grande quantidade. Elas tinham sido armazenadas dentro de mim nos últimos dias.

Meu estômago embrulha novamente e vomito todo o meu almoço.

Tomo um banho e passo alguns minutos na minha posição fetal tentando recompor as ideias.

Penso na minha vida nos EUA. Sei que não tenho sido útil aqui. Eu sei.
Só não quero meu pai, que não se importa com nada relacionado a mim,  fingindo se preocupar com a minha profissão.

Ele não se importa. Ele finge. Finge mal.

A alguns anos eu descobri a atuação dele e "papai" perdeu o sentido.

Olho no relógio vejo ser 13:30, meia hora antes do meu encontro com Maria. Visto uma roupa qualquer e encho meu rosto de maquiagem tentando apagar traços que não quero lembrar.

Ligo pedindo um táxi, em 15 minutos chego ao centro da cidade.

Percebo que esqueci de marcar um ponto de encontro mais fixo com Maria, mas ao chegar na praça  percebo que ela está sentada mexendo no celular.

-Oi, Maria- surpreendo-na por trás e ela leva um susto.

-Liz, você quase me matou de um susto- ela diz colocando a mão no coração. Rimos juntas. Ela se levanta e me dá um abraço

-Parece que faz anos que nos vimos- digo encarando-a. Ela me encara séria e quebra o silêncio

-Liz, aconteceu alguma coisa com você?- escondi o rosto

-Não foi nada, não se preocupe-digo tentando fugir do assunto. Ela dá de ombros e me puxa para irmos a rua com muitas lojas

São bem grandes e lindas, repletas de bolsas de última moda, roupas que provavelmente a minha mãe veste. 

Maria parece que aproveitou o encontro pra fazer compras pra ela também. 

Entramos em várias lojas e com o meu gosto bastante excêntrico só consegui comprar algumas peças, dentre eles, casacos.

Na nossa última tentativa, a última loja da rua, eu já perdi as esperanças em encontrar algo

-Liz, na boa, eu que vou escolher uma roupa pra você agora. Nem vem.

Ela diz e se direciona a uma arara com diversos vestidos tubinhos. Ela escolhe um com uma mini comprimento.

-Não uso isso aí nem morta- digo apontando para o vestido. Ela procura outros e consegue encontrar um tubinho na altura dos joelhos e um casaco com uma transparência.

-Pronto, como eu sei que você gosta de casacos, até coloquei um. Esse é o look ideal- ela diz e percebo que nada do que eu diga a fará mudar de ideia. Pagamos o vestido e vamos a Praça tomar sorvete, já são 16h.

-Foi muito estar com você aqui- ela diz olhando para o sorvete

-Sim, Maria. Faz muito tempo que eu não fazia isso. Senti saudades de um tempo atrás- digo

-Já está tarde, mas continuaremos esse dia incrível mais tarde, amiga- ela diz. Nesse momento o mundo parece que paralisou para mim. Amiga.

Faz muito tempo que essa palavra perdeu o sentido. Perco a cor ao ouvir. Faz tanto tempo.

-Liz, está tudo bem?- Maria pergunta. Volto em mim

-Sim, está tudo bem. Só preciso ir que iremos nos ver novamente em breve- falo tentando soar o mais natural possível. 

Nos despedimos e sigo de táxi para casa.

Ansiosa para o jantar na casa da minha amiga.

Os Rascunhos De Uma VidaOnde histórias criam vida. Descubra agora