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Faz uma semana que Sam iniciou o tratamento com radioterapia e quimioterapia, pois como se trata de uma metástase invasiva não era mais um caso que pudesse se fazer uma cirurgia. Meus pais, Artur, Amanda e eu ficamos trocando de lugares para que ele nunca fique sozinho. Mas, eu sou teimosa, há uma semana durmo nos corredores do hospital ou deitada na maca junto com Sam.

O médico que sempre acompanha Sam é Heitor. Ele aparenta ter 40 anos, é alto, tem os olhos claros e sempre fala muito da esposa. Parece que eles nunca conseguiram ter filhos, em função dela ter uma obstrução no istmo das tubas uterinas. Ele sempre está pelo hospital cantarolando.

A enfermeira que sempre nos acompanha se chama Ana, ele é bem mais velha, talvez 50 anos, tem cabelos grisalhos e anda sorrindo para o vento. Ele é muito otimista e Sam a ama. Durante essa semana, só vou em casa deixar as roupas sujas e trazer novas, quando Sam cochila passeio pelo hospital visitando outras alas. A minha favorita é a de neonatal. Amo ver os pequenos bêbes, eles são tão inocentes e tão aptos para receber-nos. Seus olhos brilham. Alguns precisam de aparelhos para respirar.

Saio dos meus pensamentos quando escuto Artur atrás de mim.

-Eu sabia que estaria aqui- ele diz se aproximando. Viro-me de maneira abrupta. Sorrio ao vê-lo.

-Oi, Artur- digo e ele me abraço, depositando um beijo em meus cabelos. Depois do dia no meu quarto, nunca mais nos beijamos. Talvez não soubéssemos quando fosse a hora certa.

-Fui ao quarto de Sam ele estava dormindo e não a vi. Soube na certa que estaria aqui. Você se apaixonou por esses bêbes.

-Sim, não consigo para de olhar, a pureza deles me resgata, parece que eles tem tanta vontade de viver. É tão lindo.

-Sem dúvidas eles são lindos. Não vejo a hora de começar a ter filhos- ele diz  e eu sinto as minhas bochechas ficarem vermelhas.... Será que ele imaginaria ter um filho comigo?

-Você pretende ter quantos filhos?

-Não sei ao certo, mas sempre quis a casa cheia. Talvez seja o número suficiente que a gente possa encher a casa e mesmo assim cuidar de todos. Estilo Full House.- paraliso no "a gente" porque ele consegue me incluir nos planos futuros. Tento mudar de assunto.

-Full house é a série norte-americana dos anos 90?

-Sim! Essa mesma- ele diz e rimos juntos. Passamos mais um tempo olhando os bebes. Depois disso, voltamos para o quarto de Sam, onde ele já está emburrado.

-Oi campeão- Artur quebra o silêncio. Vou até Sam e o surpreendo com um beijo.

-Liz, quando vou poder ir para casa?

-Não sei ao certo, meu lindinho. Mas vai passar rápido.

-Estou com saudades de casa. Do time de futebol. Dos meus colegas.- ele diz pausadamente.

-O que acha que podemos fazer para você se animar?- Artur questiona.

-O papai poderia trazer minha tv e o xbox para jogarmos algum jogo- ele dá a sugestão.

-Eu posso ligar para ele, mas o que você gostaria de fazer agora?- falo fixando em seus olhos.

-Acho que podemos dar uma volta no hospital- ele ri e se senta na maca animado. Balanço a cabeça negativamente.

-Você está muito fraco por causa da medicação. Não pode sair andando por aí.

-Mas eu posso usar máscara e luvas. Você e o Artur podem segurar essa haste com o meu soro. Eu prometo que vai ser rápido, Liz. Só quero saber como é por aí- ele diz e eu olho para Artur atrás de alguma resposta.

-A gente pode tentar caso a Ana permita- Artur diz. Sam toca o biper e Ana aparece cinco minutos depois.

-O que aconteceu?- ela diz ofegante por ter vindo correndo.

-Sam quer dar uma volta pelo hospital- digo com um leve sorriso.

-Como assim uma volta?

-Ana, eu só quero ver como é lá fora- Sam tenta convencê-la.

-Você está muito fraco e isso aqui é um hospital. Existem milhões de microorganismos. Inúmeras bactérias.

-Mas, Ana, eu posso usar luvas, máscara. Coloco luva até nos pés. Eu prometo- ele pede fazendo biquinho e ela acaba deixando. Nós o arrumamos. Enchemos ele de proteção. Ana nos orientou ficar longe das áreas com doenças contagiosas e UTI. Artur segurava a Haste do soro dele e eu o guiava pelos corredores do hospital. Por onde ele passava, saudava todos. As pessoas sorriam por ele. Levamos ele para o neonatal para que ele pudesse ver os bebezinhos.

-Liz, mas eu já fui desse tamanho?

-Sim, você era tão pequeno quanto eles. Eu te segurava no meu colo e te protegia de todo o exterior.

-Não consigo me imaginar tão pequeno.

-Você vai entender quando tiver os seus próprios filhos.

-Não sei se quero ter filhos. Não penso em me casar- rimos quando Sam diz isso.

-Mas você ainda é muito novo para poder se casar.

-Talvez eu nem viva para me casar- Sam diz. Minha voz falha e meus olhos se enchem de água.

-Claro que vai viver, não pense assim, cara!- Artur fala tentando acalmá-lo.

Esses dias fiquei pensando em como está sendo difícil para a família enfrentar tudo isso e como seria grande a dor em perdê-lo. Mas o que eu não pensei é em como já deve estar sendo difícil para ele enfrentar essa barra toda. O que será que ele pensa quando fica só? Como está sendo ficar preso em um hospital sem ao menos poder sair do quarto? É por isso que o seu desejo foi passear pelo hotel. Nem consigo acompanhar meus pensamentos ao viver Sam dizendo essas palavras. Meu peito está partido.



Os Rascunhos De Uma VidaOnde histórias criam vida. Descubra agora