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A tristeza é minha companheira nos últimos anos, a depressão tomou conta do meu ser desde a morte da minha avó. Inúmeros obstáculos enfrentei nesses últimos anos, muita coisa mudou, em muitas vezes, não consegui me reconhecer. Perdi massa corporal. Mudanças significativas. A Guerra abalou a maneira como nos comportamos, os toques de recolher me fizeram desenvolver uma crise de ansiedade forte, além da diferença exorbitante entre os Estados Unidos e os outros países.

É difícil admitir que você possui uma doença, muita gente não acredita que você realmente não consegue controlar.  Ela tem uma força, prende gradativamente e quando nota, não consegue mais sorrir sem tomar remédios. A minha vida é resumida a isso, inclusive acumular uma peso sobrecarregado em não conseguir confiar mais nas pessoas. É como se abaixo dos meus pés estivessem apenas água. Eu não conseguia caminhar, pois a água embaixo de mim não me permitia. Mergulhos e mergulhos profundos, sem perspectiva de salvação. Sam sempre foi o meu escudo nisso tudo, era por ter medo deixá-lo sozinho com os nossos pais que eu me obriguei a continuar vivendo. 

Quando nos mudamos para o Brasil, a quatro meses atrás, prometi a mim mesma que mudaria a minha situação, começando pelos remédios que pararia de tomar e não iria mais machucar o meu próprio corpo. Tenho praticado isso nos últimos dias. Depois que conheci Jesus através do Novo Testamento, os meus pensamentos começaram a se realinhar. Artur também fez parte desse processo, pensar em alguém como ele se interessando por mim, fez amenizar a minha raiva interior. Comecei a viver criando uma superfície de gelo em cima da água. Continuava com medo de caminhar, mas, por hora, havia algo firme.  

Com a notícia da doença de Sam, toda a superfície que construí desabou. É um furo em toda a estabilidade que firmei. Meus pés já até começaram a afundar. A tristeza voltou a dominar. O medo é frequente.

Penso enquanto Sam está sentado ao meu lado. Corro ao encontro de seu olhar e percebo que observa algumas crianças brincando.

-Liz, você acha que vou morrer em breve?

-Não, querido, não se preocupe com isso. Nós vamos fazer o seu tratamento direitinho e tudo ficará bem.

-Eu estou meio triste, mas sem acreditar

-Eu também-digo enquanto o abraço, meus olhos enchem de água, mas não posso chorar novamente na sua frente. Eu preciso ser forte para enfrentar essa barra junto com ele. 

-Estou com fome

-Eu tive uma ideia, espere aqui vou comprar algodão doce no Capitão.

Saio correndo enxugando as lágrimas que escorrem em meu rosto. "eu preciso ser forte" "eu preciso ser forte" ecoa em meus pensamentos.  Há uma dor forte em meu peito, perco o ar em meus pulmões. Como que pode acontecer algo dessa maneira com Sam? Por que não comigo? Quantas vezes eu já pensei em morrer, por que não comigo? Deus, com certeza, estava me punindo por todos os meus pecados.

Mais lágrimas vem. Corro pelo parque e esbarro em um corpo. Levanto os olhos e vejo Artur. Afasto-me por impulso, não queria vê-lo, não iria deixar nenhuma pessoa se quer mais se aproximar de mim. Abaixo a cabeça e saio sem olhar para atrás. Ele corre atrás de mim. Segura-me pelo braço me impedindo de sair.

-Liz, o que aconteceu?- indaga preocupado. Não respondo. -Liz, olhe para mim, o que você tem?- tento me desvencilhar da força dele. Ele hesita um pouco. Mas me abraça sem me deixar sair. Não retribuo no início, mas tudo o que eu precisava era do colo dele. O abraço com força, choro em seu ombro. 

-Calma, minha princesa, vai ficar tudo bem- ele diz enquanto pega em meu cabelo. Alguns minutos se passam nessa posição. Separo-me dele quando penso em Sam que está sozinho na espera do algodão doce. Seco as minhas lágrimas no casaco.

-Desculpe, Artur- digo enquanto encaro os meus pés. Ele segura meu queixo e levanta para cima.  

-Está tudo bem, Liz, você quer me contar o que aconteceu?- ele me pergunta

-Não quero contar agora- digo cabisbaixa

-Não tem problema, Liz. Quer caminhar um pouco?

-O meu irmão está aqui perto, eu ira apenas comprar um algodão doce para ele.

-Sei que você não está em condições de querer falar com ninguém, faz assim, vamos juntos até próximo a barraca, compro e entrego pra você- diz, é incrível como  ele faz exatamente o essencial nesse momento.

-Obrigada- é a única coisa que consigo dizer. Seguimos juntos até próximo a barraca sem trocar nenhuma palavra, vejo-o de longe se aproximar, cumprimentar o capitão e comprar o algodão. Artur volta até mim, entrega-me.

-Você quer ficar sozinha com o seu irmão?- reflito sobre a pergunta. Artur realmente seria uma boa companhia nesse momento.

-Não, você pode ir conhecê-lo- digo e ele assente com a cabeça. Caminhamos juntos  e eu o guio entre as árvores do parque. Sam se assusta ao nos ver de longe, mas, sorri de. Aproximamo-nos dele, sentamos ao seu lado e entrego o seu algodão doce.

-Liz, você demorou muito. Eu já estava pensando que tinha me abandonado- Sam sorri ao dizer

-Nunca eu faria isso- digo beijando o seu rosto- Esse é Artur.- digo apontando para Artur

-Muito prazer, Artur- Sam diz.

-O prazer é todo meu, ouvi falar muito sobre você. Há muito tempo queria conhecê-lo.- Sam ri tímido. Olhamos juntos as pessoas passarem, Sam avista alguns pássaros e vai até eles.

-Você deve estar pensando o motivo de eu estar assim- quebro o silêncio

-Sem dúvidas isso passou pela minha cabeça, mas agora só penso o quanto ele é parecido com você.

-Sim, ele é incrível- o olho mais uma vez e as lágrimas brotam.

-Você quer me falar alguma coisa?

-Não sou muito boa com palavras orais

-Tenho uma solução, você pode digitar para mim como se estivéssemos no e-mail- ele diz e me entrega o seu celular. É um Sony G9 Preto e a caixa de notas está aberta. Sorrio com a ideia dele. Começo a digitar.

"Hoje descobri que Sam está com um tumor no cérebro, com pouca chance de continuar vivendo. Meu mundo todo caiu" digito com as lágrimas me impedindo de ver continuar escrevendo. Levo o celular em sua direção, ele pega, não consigo encará-lo para ver a sua reação. Ele simplesmente vem até o meu encontro e me abraça forte. 

-Você pode contar comigo- é tudo o que ele diz, sem aqueles clichês "vai ficar bem".

O mundo embaixo de mim caia mais uma vez, cada mergulho que eu dava era mais agoniante. Não conseguia achar paz no meio dessa confusão





Os Rascunhos De Uma VidaOnde histórias criam vida. Descubra agora