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Sam receia em cortar o cabelo, ele diz que vai ficar horrível e que definitivamente nunca casará. Ele consegue fazer piadas até em momentos assim. Uma mulher especializada nesses cortes entra na sala com tesouras com bichinhos, perucas e imagens de meninos valentes que também passaram por isso.

-Oi, Sam. Eu sou a Clara e irei te ajudar nesse processo- se apresenta. Meus pais estão ao meu lado. Amanda prefere ficar fora da sala para não acompanhar esse momento. Eu a compreendo. É certo que se a minha presença não fosse tão importante para Sam, eu já teria fugido.

-Eu não quero ficar careca- ele diz fechando a cara e cruzando os braços.

-É só por um tempo, querido. O seu cabelo logo vai crescer novamente.

-Mas mesmo assim, vou ficar horroroso. Nenhuma menina vai olhar para mim.

-Sam, o que é mais importante é o que vem dentro de você. As pessoas não devem se importar apenas com a aparência. Além disso, seu cabelo irá crescer em breve- minha mãe tenta confortá-lo e vai ao seu encontro.

-Eu sei mamãe. Só não queria- nesse momento a voz de Sam se embarganha. Sinto que ele vai chorar e decidido intervir.

-Super heróis como Capitão América e Homem Aranha quando vestem as suas roupas não dá pra notar nem sinal de cabelo. O professor Xavier de X-Men também não tem cabelo. Eles são seus personagens favoritos. Você pode se tornar um deles temporariamente. Fique feliz com isso- eu tento amenizar a situação com essas palavras. Sam começa a expressar um tímido sorriso.

-Além disso, se você quiser o papai também raspa a cabeça com você- meu pai diz e nem havia percebido que Artur tinha entrado na sala.

-Eu também raspo a cabeça, quero ser super-herói - Artur também se posiciona. Todos rimos. É tão bom vê-lo, minha vontade é de correr ao seu encontro.

-Agora só falta a Liz e a mamãe quererem raspar- Sam diz e rimos novamente.

-Podemos começar? Hoje o trabalho é longo. São 3 cabeças. Nós vamos a uma sala no segundo andar, ela é toda branca com poucos itens e uma prateleira imensa com objetos que eu entendi que sejam para cortar o cabelo. Mamãe e eu decidimos não participar desse momento, sei que Sam estará muito bem acompanhado pelo nosso pai e pelo Artur. Mas essa seria mais uma imagem que eu nunca conseguiria retirar da cabeça.

Mamãe e eu nos sentamos do lado de fora do corredor.

-Como você está?- quebro o silêncio

-Não sei direito o que pensar. É o meu Sam. Eu sei que estou ausente. Mas continua sendo o meu garoto.

- Eu entendo você.

- Sei que estou  bastante ausente desde a Guerra. Essa mudança aumentou mais ainda no buraco entre nós. Só que eu já estou tentando mudar isso com o seu pai. A gente está muito mais próximo, ele disse que vai passar menos tempo trabalhando. Eu sei que é difícil entendê-lo, mas parece que com essas guerras, o desejo dele em obter itens materiais aumentou muito. O meu também. Parece que quanto mais contratos com empresas eu conseguia, mais desfiles, mais dinheiro para manter a nossa família e livrar-nos de tudo o que nos aterrorizava nos Estados Unidos.

-Vocês se preocuparam em ganhar dinheiro, mas não perceberam que estavam perdendo a gente.

-Sinto muito. Se você ainda pudesse me perdoar- ela diz com lágrimas nos olhos

-Isso não é importante agora- digo ríspida. Eles perderam muito tempo para se arrependerem. Ficamos em silêncio no resto do tempo. Não consigo pensar em como Sam está. Meia hora depois os três carecas saem da sala. Olho primeiro para Sam, ele continua radiante mesmo com a cabeça raspada, ele sorri para mim e vem correndo para me abraçar, o pego no colo.

-Você engordou muito, meu bebê- digo dando beijinhos no rosto dele

-Pare, Liz, eu não sou bebê. Principalmente agora que estou calvo com a idade- rimos juntos

Depois olho para o meu pai. Sorridente mesmo com isso. As olheiras demonstram dias sem dormir. As linhas faciais não escondem a idade. Eu não tinha reparado o quanto ele envelheceu. Agora sem cabelo é como se eu pudesse perceber toda a sua idade na face. Ele é recebido pela mamãe com um selinho que sussurra algo ao seu ouvido e depois vem para me abraçar.

Por fim, vejo Artur meio acanhado observando toda a movimentação. Sempre tão doce e solicito a esperar o momento certo. Agora careca, todos irão perceber como os seus olhos sorriem e do quando cada traço em seu rosto é lindo. Suas pintinhas na face e distribuídas pelo resto do corpo. Sua quase covinha em um dos lados. Tudo nele conseguia ter uma simetria boa que me deixava sem fôlego. Eu corro para abraçá-lo. Seu cheiro é reconfortante e me faz perceber que não há outro lugar melhor para eu estar. Depois de alguns segundos, nos afastamos e ele me encara.

-Você está lindo, Artur.

-Mesmo com o meu topete do Elvis?

-Assim como Elvis, a sua beleza não
estava no cabelo- rimos juntos

-Desse jeito vou me achar

-Muito obrigada por fazer isso pela gente- eu digo sem conseguir fixar meus olhos nos dele

-Sam já faz parte da família. O cabelo vai crescer- afirma Artur com toda a convicção. Aperto os olhos na expectativa de quando eu os abrir ter uma realidade diferente. Família feliz sem doenças conhecendo Artur.

Um tempo depois deixamos Sam em seu quarto onde vai iniciar seus procedimentos. Meu pai fica junto com ele, nessa fase de adaptação ele rejeita qualquer oportunidade de ficar sozinho. Artur vai para casa e decido ir com a minha mãe a umas lojas no centro da cidade comprar enfeites para decorar o quarto de Sam. Compramos alguns posters dos seus times favoritos, algumas bolas menores, um letreiro com o seu nome junto com um pregador para colocar na porta do seu quarto dando mais autenticidade aquele prontuário. Compramos algumas toucas para caso ele sinta que precisa esconder a careca e alguns jogos de cartas e de tabuleiros para passarmos o tempo juntos.

Deixaríamos os dias de Sam no hospital bem felizes e divertidos.

Os Rascunhos De Uma VidaOnde histórias criam vida. Descubra agora