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Depois do aniversário de 1 mês desde que houve a internação de Sam, o médico Heitor marcou uma reunião com a nossa família para discutir sobre o caso clínico de Sam. Não consegui dormir a noite toda de ansiedade, tive pesadelos, nem a poltrona ao lado da cama de Sam foi confortável em função da agonia que eu sentia. 

O dia clareou e não havia conseguido pregar os olhos. Eram tantos pensamentos que eu nem conseguia controlar, o medo de perder o Sam estava me dominando. Meus pais chegaram uns minutos após o dia clarear. O semblante deles não estava bom, pareciam que como eu, eles não haviam conseguido dormir. Sam ainda permanecia dormindo.

-Bom dia, Liz- meus pais disseram ao mesmo tempo sorrindo

-Bom dia- sorrio fraco e eles me beijam, cada um em um lado da bochecha. E um silêncio se instala entre nós , enquanto todos nós observávamos Sam dormindo.

-O médico marcou às 8 horas em seu consultório com a gente- o meu pai quebra o silêncio

-Já são 07:00, podemos tomar café lá em baixo antes de ir até o consultório dele?- questionou minha mãe, olhando direcionada a mim.

-Pode ser, vou só escovar meus dentes antes- entro no banheiro que fica dentro do quarto de Sam, é bem apertado mas confortável. Escovo meus dentes e dou uma organizada no meu cabelo. Encaro meu reflexo no espelho, aparento ter envelhecido uns 2 anos nos últimos dias, as olheiras se sobressaem na minha pele branca e torna o aspecto engraçado junto com as minhas sarnas. O meu cabelo cresceu um pouco. A minha pele está mais pálida, em função de quase nunca tomar sol desde a internação de Sam no hospital. 

Saio do banheiro, pego meu moletom que está estendido sobre a poltrona. Meus pais me aguardam na porta do quarto, seguimos juntos até o refeitório do hospital. 

Encaro o cardápio e peço o de sempre,  um pedido típico do brasil: café com leite e pão de queijo. Não consigo escutar o pedido dos meus pais, mas vejo quando meu pai paga a conta. Sentamos na mesa mais próxima do local em que pedimos. O silêncio se instala enquanto aguardamos o pedido. Em momentos em que há uma superfície próxima de mim, só consigo batucar os dedos. Batuco tentando escutar apenas o som dos meus dedos, que preenche o silêncio com os meus pais e que silencia as vozes da minha cabeça.

Após alguns segundos, minha mãe deposita as suas mãos sob as minhas. Ela me encara. Seus olhos penetram os meus e ela parece ter adquirido o poder de olhar a minha alma. 

-Ficará tudo bem, querida- ela afirma e balança a cabeça

-Você sabe que talvez não- digo mordendo o meu lábio inferior, na tentativa de diminuir a tensão

-Mas estamos juntos. Passamos por maus bocados juntos- meu pai diz unindo as suas mãos às nossas. Fecho os olhos, perguntando à Deus o motivo disso só ter acontecido depois de tanta coisa ruim. Por que é necessário acontecer algo tão ruim com Sam para que os meus pais acordassem? Sinto as lágrimas brotarem em meus olhos, mas a funcionária interrompe com a entrega dos nossos pedidos.

Encaro meu pedido, mas não sinto fome. Mexo no meu pão e dou um gole no café. Quando estou em algum momento de ansiedade, parece que se formam espinhos em meu estômago que me causam náuseas. Posso até tentar comer, mas é como se eu a ansiedade afastasse todo o meu apetite. E a comida perde a graça que havia nos outros dias. 

Minha mãe também não consegue comer, ela deposita algumas gotas do seu chá, mas sente uma náusea súbita e corre para o banheiro. Meu pai a acompanha. Fico sozinha sentada na mesa. Avalio as mesas ao meu redor, exceto por alguns funcionários sentados em uma da mesas que estão sentados na mesa conversando, todas as outras estão que pessoas tão tristes quanto eu. 

Um hospital consegue ter essa dupla característica, em algumas salas dão-se a largada de inúmeras vidas, com recém-nascidos, mas em outras salas são narrados os capítulos finais de muitas pessoas.

E esse capítulo final pode ser o de Sam. Sinto as lágrimas molharem as minhas bochechas e um gosto amargo na boca. O capítulo de Sam não pode ser encerrado assim. Decido ir para o quarto de Sam aguardar os meus pais lá.

Ao entrar no quarto, percebo que Sam já despertou e a enfermeira já o auxiliou a fazer as suas higienes.

-Bom dia- digo a entrar  no quarto. Os dois sorriem ao me ver

-Bom dia- a enfermeira diz quando passa pela porta nos deixando a sós.

-Pensei que já estava na reunião com o médico- Sam diz. Olho o relógio

-Ainda faltam 15 minutos. Como você está? - questiono e me sento ao seu lado na maca

-Mais ou menos, amanheci meio enjoado - ele diz enrugando a testa. Os nossos pais entram no quarto. A minha mãe parece mais pálida que o normal, mas tenta disfarçar com os cabelos soltos. Os dois abraçam o Sam. O tempo parece passar devagar nesses minutos que restam. Mas o médico de Sam, chega às 8 horas em ponto.

-Bom dia- ele diz ao entrar na sala.

-Bom dia- dizemos uníssono

-Vocês podem me acompanhar até o meu consultório?- ele questiona. Meu pai confirma com a cabeça, mas encaro Sam.

-Por que não pode ser aqui?- Sam questiona e percebo pelo tom de sua vez e seu semblante que está chateado. 

-Os seus exames estão em meu quarto, por isso preciso levá-los até lá, mas prometo que voltaremos rápido- ele diz tentando convencer Sam, que confirma com a cabeça exausto, não sei se por causa das náuseas de hoje ou pela situação. Ou por tudo.

Seguimos-no pelos corredores, até alcançar sua sala. Sinto como se estivesse dormente ao dar passos.  Ao entrar na sala, ele oferece os assentos. Meus pais sentam mas permaneço de pé.

-Então, sei que vocês estão ansiosos para ir direto ao ponto. Eu sinto muito em dizer, mas não estamos conseguindo bons resultados com o tratamento de Sam. O câncer dele já está em metástase, espalhado pelo pulmão. E em uma cintilografia óssea, percebemos que há áreas em seus ossos que já estão afetados, já que o tumor alcançou a corrente sanguínea. Infelizmente, a continuação do tratamento só irá postegar alguns dias, mas esses dias serão dolorosos. A cura nesse estágio é impossível. Sei que deve ser difícil.

Parece que consegui paralisar o tempo à medida que ele falava. Há um looping entre nós. Nesse momento, me arrependo de não ter me sentado em uma cadeira. Sinto uma frieza vindo da ponta dos dedos dos pés e subindo até a cabeça. E apago.


Os Rascunhos De Uma VidaOnde histórias criam vida. Descubra agora