Os Rascunhos De Uma Vida

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É incrível como ele consegue respeitar o meu espaço de não querer conversar sobre os problemas que me aterrorizam. 

Ele é capaz de passar a tarde sentado aqui no parque sem me perguntar os motivos de eu estar daquela maneira.

Mas eu sentia necessidade de compartilhar isso com ele. Eu não tinha amigos. Essa é verdade. O meu relacionamento com a minha mãe havia melhorado nos últimos dias mas ainda não conseguia ver nela um porto seguro para desabafar. O meu pai nunca estava presente. Sam era muito pequeno para me entender. Amanda tinha tantos problemas consigo que eu não possuía coragem de interrompê-la. E não sobrava ninguém próximo.

Não faço ideia em qual momento o ciclo social ao meu redor ficou tão restrito. Será que a culpa foi toda minha?

-Você deve estar me achando no mínimo louca, né?- Pergunto ao Artur. Ele ri

-Todo mundo tem um pouco de loucura, Liz- ele diz convicto em me fazer sorrir. Ele consegue.

-Se você diz

-Você quer conversar sobre algo específico?

-Acho que sim, só não sei por onde conversar

-É só dizer o que está sentido agora- ele diz e eu reflito sobre isso. São tantos sentimentos.

-Parece que estou dentro de um mar agitado, bem longe da praia e correndo o risco de me afogar a qualquer momento. A parte pior disso tudo é que o mar sempre foi meu local favorito. Ou seja, o caos está nos locais em que amo- termino de falar e percebo que essa é a melhor descrição para a minha situação.

-Então, acho que você tem duas saídas, ou você procura um timão para te guiar nesse caos ou você busca um porto seguro pra te proteger- ele diz pausadamente 

-O problema é que não consigo encontrar nenhuma das duas

-Acredito que isso vai depender do seu campo de visão

-Não é só isso, Artur, hoje a vontade de morrer veio forte como nunca antes. Eu não tenho apoio da minha família. O meu irmão é muito pequeno para entender essas coisas. Não tenho amigos. Estou mergulhada em uma depressão que eu não faço ideia de onde começou. Eu me sinto mal por ir tão longe da vontade de Jesus sob a minha vida. O caos é maior do que eu estou conseguindo suportar aqui. Dói por dentro e as vezes eu não consigo suportar- termino falar e quando percebo já estou chorando. Ele me abraça e permite que eu chore. 

-Eu sei que dizer que tudo vai ficar bem parece que será muito clichê. Mas o  Deus que diz que no mundo nós teríamos aflições, é o mesmo que diz que se o choro dura uma noite, a alegria viria pela manhã, é o mesmo que diz que somos mais que vencedores nEle. Não sei como estão os seus sentimentos dentro do seu coração, mas mantenha a calma, minha querida, estou com você e Jesus também- diz enquanto eu só sei chorar.

-Desculpa ficar assim perto de você, mas tudo aqui está tão quebrado e eu não sei mais como reconstruir. 

-Não se desculpe, Liz. Pessoas autênticas passam por processos difíceis. Quando maior é a dor, maior é a pessoa que você está se tornando

-Vou ser a melhor pessoa do mundo então-digo rindo. Artur assente.

-Não tenho dúvidas disso- ele fala rindo também. Ficamos parados escutando os pássaros nas árvores. Longos minutos que em silêncio ao lado de Artur eram extremamente significativos. Ele era único em tudo o que fazia. 

-Artur, eu nunca te perguntei, mas quantos anos você tem mesmo?- faço uma pergunta aleatória para mudar o assunto.

-Tenho 23- ele diz e ri. Eu fico boquiaberta- sei que tenho um rostinho de bebê com rostinho de 17. Não tenho culpa da minha genética ser tão boa.

-Inacreditável. Você é um velhote

-Só sou 5 anos mais velho que você

-5 anos é muito tempo, querido

-Não faz muita diferença para mim- ele me dá uma piscadela e eu coro. Passo um tempo analisando umas árvores e ele surpreende mais uma vez com uma foto

-Acho que vou ter que tomar essa sua câmera

-Desculpe, mas não pude resistir.

-Vou querer umas aulas de fotografia um dia

-É só marcar um dia

-Artur, se você quisesse ir um dia comigo em um jogo do meu irmão Sam seria ótimo.

-Nem estou acreditando que você está me chamando para sair- ele diz colocando a mão no coração.

-Aproveita que não é todo dia

-Será uma honra acompanhá-la, alteza- ele levanta e faz uma reverência. Rimos juntos.

-Já passou muito tempo desde que cheguei aqui. Acho que é hora de voltar para casa e enfrentar a realidade- eu digo e ele se finge de ofendido

-Ei, Elizabeth, isso aqui também é realidade- diz apontando para si mesmo. Corro para dar um abraço nele.

-Tudo dará certo, minha Liz- ele completa

-Obrigada, Artur-digo e nos despedimos. Vou para casa sentindo coração mais leve após ter conversado com ele. Entro em casa tentando passar despercebida por todos. Sam aparece nesse exato momento.

-Onde você estava?

-Eu fui dar uma volta no parque.

-E por que você está com cara de choro?

-Eu não estou com cara de choro, Sam.

-Não minta para mim, estou cansado de todo mundo aqui nessa casa mentir para mim.- Sam diz bastante zangado. 

-Vamos até o meu quarto e lá a gente conversa- convido-o enquanto subimos as escadas. Entramos no quarto e sentamos em minha cama.

-Sim, Liz, pode começar a contar.

-Estou passando por alguns problemas e não estou me sentindo bem agora.

-E por isso você estava chorando?

-O papai me magoou e me deu muita vontade de chorar. Encontrei alguém especial no parque e ficamos conversando.

-Você está namorando e não me pediu autorização?- ele diz aborrecido e eu rio

-Não, eu não namorando, querido- digo e a sua expressão muda

-Mas vai ficar tudo bem, Liz, no livro que encontrei debaixo de sua cama e que fala sobre Jesus em algumas partes com marca texto ele diz isso- Sam fala sem perceber. Não sei se fico zangado em ele ter lido ou feliz nele saber sobre Jesus

-Não acredito que você andou mexendo nas minhas coisas, Samuel. 

-Desculpe, Liz, mas aquele livro pareceu bastante interessante. 

-Tudo bem, após o seu treino de amanhã eu prometo lermos juntos, pode ser?

-Sim, Liz, você é a melhor irmã do mundo- ele me abraça feliz e depois sai correndo do meu quarto.

Não sei ao certo o que vou escolher para me livrar desse caos. Mas ter Sam faz tudo aqui ter sentido. Não irei medir esforços para fazê-lo feliz.