Destinada a brilhar ( Português ) #wattys2019

Capítulo 5 - Tess.

Quando penso nessa época da minha vida, me recordo de uma tarde no início do verão, minutos antes da aula começar. Foi nesse dia que eu conheceria uma das minhas melhores amigas. Nossa professora Jaqueline nos apresentou a nova aluna da turma, ela tinha: cabelos ruivos, olhos verdes e quase não sorria; o nome dela era Tess. Ao chegar ela virou o assunto do momento e todas só falavam das teorias que a fizeram se mudar de Cannes para Paris. No vestiário, no aquecimento antes da aula e na saída; esse era o assunto que predominava.

Quando a vi, nunca imaginei que seriamos amigas, pois Tess mostrou-se teimosa e arrojada. Algo totalmente aposto as minhas características. Seu talento a destacava diante das outras alunas e com o tempo ela demonstrou ser uma ótima bailarina. Claro que você já deve estar imaginado o quanto isso desagradou as demais.

A princípio, Viviane e suas amigas até quiseram fazer amizade com ela, afinal vir de uma cidade à beira mar tão charmosa como Cannes a transformou na sensação da turma e despertou a curiosidade delas, mas isso mudou assim que passaram a inveja-lá. Todos os dias ela me cumprimentava gentilmente, no entanto, eu não era uma pessoa muito comunicativa. Então, meu vocabulário variava entre olá e boa tarde.

Tess tinha uma autoconfiança e não se sentia intimidada pelos comentários ou risinhos que as outras meninas da turma faziam para tentar atingi-la, por isso eu a admirava. Se alguém de alguma forma a tratava mal acredite, ela não aceitava desaforos e na mesma hora, tirava satisfação. O que nos leva à seguinte narrativa.

Todos os dias nós praticávamos movimentos básicos era parte da nossa rotina; durante uma das aulas acabei errando um dos passos, tropecei e literalmente desabei no chão. Foi nesse momento que as meninas começaram a rir e debochar do que tinha acontecido. Tess então se posicionou a meu favor e perguntou:

_ Nenhuma de vocês nunca errou? Vocês deveriam se envergonhar e aprender a tomar conta de suas próprias vidas.

Imediatamente ela me deu a mão e me ajudou a levantar enquanto dizia:

_ Não foi tão ruim! Você soube cair com estilo, o que é importante quando estamos prestes a passar por uma situação embaraçosa.

Embora suas palavras soassem estranhas a princípio, senti-me na obrigação de agradecê-la pela defesa. Então eu fiquei surpresa quando Tess aproveitou a conversa e me convidou para o seu aniversário de dez anos no final de semana. Nós não nos conhecíamos bem, mas ela foi tão gentil que decidi ir.

No dia da festa Pauline me levou. Percebi que Tess tinha algumas coisas em comum comigo, entre elas ter poucos amigos parecia a mais óbvia. No caso dela ser tão autoconfiante, sincera e a garota nova na cidade dificultou a convivência com as outras meninas, no entanto, eu não me importava. Na verdade, nós identificamos a existência de uma compatibilidade e nos entendemos de imediato. Foi um dia realmente maravilhoso, nos divertimos, além de significar o começo da nossa amizade. Eu também tive a oportunidade de conhecer seus pais e Augustine, sua avó materna, uma senhora muito gentil que costumava buscá-la no balé.

Como ela havia se mudado no período das férias escolares e ainda faltavam três semanas para o início das aulas, passamos a sair mais juntas depois do balé e nos finais de semana. Nós podíamos conversar sobre qualquer coisa eu confiava nela, apesar de ser tímida e retraída. Tess era criativa e como eu não falava muito a princípio gostava de ouvi-la, às vezes por horas. Ela inclusive me contou sobre a transferência do seu pai, que foi a razão de sua mudança para Paris. Rimos bastante desse "grande mistério" e das especulações mirabolantes que as meninas criaram para justificar sua chegada.

O fato de ela ser filha de uma designer de moda e um economista que, desde cedo, incentivaram sua autenticidade e a não se importar com o julgamento das outras pessoas pode ter originado àquela grande determinação que Tess carregava. O relacionamento com seus pais, Danielle e Julian, era tão afetuoso algo que sempre idealizei. Bastava observar a relação de mãe e filha delas que estava envolvida por cumplicidade, amizade e amor.

Semanas depois, percebemos uma coisa muito importante: nós éramos apaixonadas por livros. Eu adorava ler romances, enquanto Tess demonstrava ser uma aficcionada por aventuras. Passamos a nos encontrar com frequência e descobrimos uma autora em comum: Lucy Maud Montgomery, que nos presenteou com uma das histórias mais formidáveis já escritas, a adorável Anne de Green Gables.

O que nos fascinava em relação à Anne se resume ao fato dela ser uma garota corajosa, inteligente, sonhadora e com uma fértil imaginação. Mesmo passando por várias adversidades, ela continuava se mostrando tão genuína e espontânea, sem medo de se expressar. O que é surpreendente, uma vez que a sociedade da época estava imersa em práticas tradicionalistas e conservadoras, que a levou a ser vítima de alguns preconceitos.

Suas experiências em alguns lares adotivos e no próprio orfanato também não foram nada favoráveis. Antes de ser adotada pelos Cuthbert, ela não era compreendida, muitas vezes maltratada e forçada a trabalhar como empregada. Mesmo assim, ela não perdeu a esperança de encontrar um lar e uma família que a amasse; então quando chegou a Avonlea rapidamente soube conquistar e cultivar amizades verdadeiras. Nós a admirávamos e nos emocionávamos ao ler uma de suas aventuras.

Posso afirmar que foi Anne que ensinou Tess a gostar de ser ruiva e me ajudou a superar minha fixação por fadas, contribuindo para que eu viesse a me importar menos com a opinião de quem não a merecia. Nunca se esqueça desta lição: "Se alguém faz uma critica a você é porque de alguma forma se sente intimidado ou com inveja de uma peculiaridade sua".

No dia em que Marcus e Phillip conheceram Tess, eles a adoraram. Mas a princípio os dois chegaram a considerá-la um pouco metida. Nós vivíamos sendo subestimadas e desafiadas ao brincarmos com eles, por serem meninos e mais velhos se achavam mais perspicazes. No entanto, nós éramos mais espertas e saíamos vitoriosas na maioria das vezes.