To see what you find

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Agatha

Eu fecho meus olhos enquanto vejo Rodrigo sendo levado de meus braços. Meus gritos alertaram as pessoas do corredor em que ele morava, sinalizando que algo dentro daquele quarto não estava bem. Senti-o desfalecendo ao meu lado, seus olhos fechando-se em dor, tumultuados com o que quer que estive acontecendo com seu corpo, naquele momento sendo o mais frágil de todos.

Ver quem se ama nessa situação era algo que eu não desejo para ninguém. Não saber como agir, não saber o que exatamente estava acontecendo, o que seria a partir daquele momento, era o que mais doía – pelo menos em mim, que estava perfeitamente bem, observando-o. Eu já havia passado por isso antes com ele e mesmo assim eu não estava preparada para uma segunda vez.

Nesses meses em que passamos separados, eu aprendi a como lidar com suas limitações e como lhe dar um pequeno empurrão para voltar a ser como o Rodrigo por quem eu havia me apaixonado, como incentivá-lo. Algumas noites eu não ia mais longe do que a sua porta, enquanto outras noites terminávamos em uma confusão, suados entrelaçados em sua cama. Até aquela noite, eu era totalmente grata quando a visita não terminava com seu choro implorando-me para lhe explicar as coisas para ele... outra vez.

Ficou claro para mim há um tempo atrás que dizer à Rodrigo o que de fato havia acontecido a cada novo dia só nos causava sofrimento. Os médicos insistiam que eu só deveria lhe explicar as coisas quando ele pedisse. Contando com isso, eles não tinham objeções para que eu o visse nas visitas, que eu forçasse um contato mais direto com ele. Eu vinha através do meu próprio caminho, das minhas maneiras para conseguir mais dele, de compartilhar momentos que fossem especiais para cada um de nós, sem força-lo mais que o necessário para apenas tentar lembrar.

É sempre um jogo de espera. Todos os dias eu acordo pensando na possibilidade de encontrar um Rodrigo diferente, mas é tudo tão difícil. É difícil deixar meu marido todas as noites quando tenho a sorte de encontrar-me de volta em sua cama. É tão difícil saber se ele vai se preocupar em me procurar no dia seguinte. É tão difícil saber quanto tempo eu vou realmente me permitir viver assim.

Os médios plantonistas o levaram do quarto desacordado, em uma maca tão fina que eu poderia jurar que ele iria parar no chão no meio do caminho. Disseram-me que eu não poderia acompanha-lo, mesmo sendo da família. Praticamente sua única família. Então eu fiquei, ali parada, no meio das suas coisas, de suas lembranças, tentando não pensar no pior cenário.

Enquanto estou saindo, eu paro quando percebo seu caderno vermelho na mesa. Eu normalmente nunca olho para ele, mas noto que ele foi deixado aberto em uma página na parte de trás. Eu não posso evitar, mas olho, e minhas mãos começam a tremer enquanto eu leio. Eu coloco de volta aonde estava e, o mais dolorosamente possível, saio de seu quarto. As lágrimas nublam meus olhos enquanto as suas palavras escritas repetem em minha mente.

O nome dela é Agatha. Você a ama. Por favor, não se esqueça.

***

- Rodrigo... sou eu, Agatha. – eu começo, sentada ao seu lado, segurando sua mão tão firme quanto eu podia, com medo de solta-la e perde-lo de vez. Meu nariz coça enquanto as lágrimas começam a aparecer por conta própria. Olho em seu rosto e admiro quão pacífico e contente ele parece. Quero traçar suas feições, me perguntando, como sempre, se esta noite é a última vez que vai ser assim. – Eu... eu só queria agradecer por hoje. Quando tivemos a sobremesa juntos lá no refeitório, me fez lembrar de um de nossos primeiros encontros. Você se lembra?

Eu balanço a cabeça. É claro que não. Uso a camiseta que ele usava antes de tudo aquilo acontecer para limpar os meus olhos antes de continuar. Sinto seu cheiro tão forte nela que me perco por alguns segundos, tragando-o.

- Você não quis me dizer onde estava me levando e, claro, eu facilmente me apaixonei com o mistério de tudo isso. Acabamos em uma velha casa verde isolada na praia. Você arrumou uma pequena mesa com um piquenique nela. Sentamos e comemos observando o sol no fim do oceano. Foi perfeito. Hoje foi perfeito em sua própria maneira também, eu suponho.

Faço uma pausa e tomo uma respiração profunda.

- Os médicos não sabem com certeza, mas você sofreu uma sobrecarga psicológica. Eu lhes disse que eu não havia feito nada diferente do habitual, mas eu acho que eles não acreditaram. Não queriam nem me deixar ficar aqui com você. Nessas horas eu gostaria de ter cursado medicina para saber exatamente o que te dizer e saber o que de fato aconteceu. Sei lá, no fundo, apesar do que dizem, talvez um dia você vai acordar de tudo isso. Tem sido um ano Rodrigo. Um ano disso. Eu... eu não tenho certeza de quanto mais posso aguentar... eu estou tão triste...

Recosto-me no assento da poltrona por um segundo, elevando minha cabeça para trás afim de conseguir um ar mais puro, menos carregado com minhas dores. Sento-me lá por um minuto enquanto lágrimas deslizam silenciosamente pelo meu rosto. Limpando meu rosto, me debruço e pressiono um beijo na sua testa antes de me endireitar.

- Rodrigo... meu eterno abô, eu te amo tanto...

Enquanto minha testa permanecia junto à dele, sinto sua mão apertar a minha, indicando que o sedativo provavelmente parara com seu efeito no organismo do meu marido. Afastei-me e tentei retirar minha mão da sua, antes que meu toque pudesse assusta-lo mais ainda. Mas ele a segurou, impedindo-me de me afastar.

Seus olhos castanhos, molhados pelo cansaço, abriram e pousaram nos meus, seguidos de um sorriso preguiçoso vindo dos lábios mais lindos do mundo.

- Agatha? – Sua voz preencheu o quarto, meu nome ecoando em todas as paredes, como se tivéssemos voltado no tempo.

- Rodrigo? – eu solucei, meus olhos não conseguindo segurar as lágrimas que os inundaram ao ouvir meu nome. – Você... você... se lembra? De mim?

Ele apertou minha mão ainda mais forte.

- Ei, abô, eu nunca me esqueceria de você, nem mesmo se eu quisesse.

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