Even if the skies get rough

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Agatha

Estiquei meu pescoço, sentindo-o estralar nos lugares certos enquanto eu o mexia. A memória de voltar para casa tendo duas mãos fortes que habilmente massageavam meus ombros até que o incômodo se abrandasse rodava pela minha cabeça. Eu fecho meus olhos e saboreio a sensação que eu já não sabia quando sentiria outra vez.

Tem sido um longo dia. Não mais do que qualquer outro, mas esse parece uma eternidade. Estou ansiosa para sair daqui e, quando olho para o relógio, sussurro um pequeno murmúrio de agradecimento pelos cinco minutos que faltam para a cafeteria fechar. Mariana e nosso novo funcionário foram embora à quase uma hora, deixando Yanna e eu para fecharmos tudo.

Sentindo quão esgotada estou, Yanna aparece e alerta os últimos poucos clientes que estão ali que vamos fechar as portas em poucos minutos. Procuro pelos pães que sobraram para vendermos pela metade do preço amanhã. Percebo que só temos uns bolinhos com passas sobrando e decido mantê-los para mim mesma, sem me lembrar da última vez que eu comi. Eu desmorono atrás do balcão enquanto Yanna retira as toalhas das mesas e permito-me um minuto para relaxar. Eu parto um pedaço de bolinho e coloco na minha boca, saboreando-o.

Meus lábios se contraem em um sorriso não premeditado. Não posso deixar de sorrir lembrando de Rodrigo e do quanto ele gosta desses bolinhos. Observa-lo enquanto seus olhos brilhavam ao coloca-los na boca para prova-los me deixou feliz. Apesar do longo dia e o quase ataque de pânico desta manhã, ter a memória de Rodrigo sorrindo parecia dissolver todas as partes ruins que eu precisava enfrentar.

Se apenas um sorriso pudesse resolver todos os problemas da vida...

Eu suspiro, pego o resto do bolinho mais uma vez e percebo como eu realmente estava com fome.

Retiro as migalhas que caíram em minha roupa e levanto de onde me encostei, encarando o local e percebendo que o café já está vazio, além de Yanna e eu. Mesmo com as últimas tarefas que eu preciso fazer, vou ter tempo suficiente para correr para casa e tomar um banho antes dos meus planos para a noite.

Pensar sobre o que está por vir coloca um sorriso no meu rosto, fazendo-me assobiar enquanto tiro o meu avental para pendurá-lo. Essas minhas mudanças de humor fazem-me me preocupar com minha saúde mental, e é um milagre que eu não tenha ficado completamente louca ainda.

Yanna diz que vai terminar a parte da frente assim que eu pego a impressão dos registros para terminar alguns papéis no meu escritório. Ligo o meu iPod porque sempre trabalho mais rápido dessa forma.

Estou quase acabando com os recibos quando as notas da música começam e eu já não estou balançando com Queen. Ao contrário, é Johnny Cash e, em particular, a música que tocou enquanto eu tinha a primeira dança com meu marido em nosso casamento. Eu não ouvia essa música há tanto tempo que é quase uma surpresa que eu ainda a tenha no meu iPod.

Fecho meus olhos enquanto as letras passam por mim e uma risada amarga escapa com a ironia das palavras que soam tão belas quando atingem meu corpo.

You are My Sunshine – Johnny Cash

The other night, dear, as I lay sleeping
I dreamed I held you in my arms

A música continua e eu aperto meus olhos o mais forte que eu consigo para reprimir as lágrimas, crendo que talvez assim seja mais fácil para ver as imagens nítidas.

When I awoke, dear, I was mistaken
So I bowed my head and I cried

Eu vejo nós dois girando em torno do salão, sussurrando coisas bobas um para o outro enquanto nossos convidados gritam e batem palmas para nós. Ele me beija apaixonadamente enquanto sua mão desliza pela minha cintura. Quando o beijo acaba, sua testa encosta na minha e nossos corpos continuam a se mover juntos, assim como eu pensei que aconteceria até o resto de nossas vidas, juntos. Seu rosto estava queimando de tão vermelho quanto o meu, enquanto todo mundo exigia que nos beijássemos novamente.

You are my sunshine, my only sunshine
You make me happy when skies are grey

Durante toda a valsa, ele apertou as mãos fortes em torno de mim, acariciando minhas costas através das camadas de cetim. Ele começou a cantar para mim, sua voz era a única coisa que eu ouvia, superando até mesmo a de Johnny.

You'll never know, dear, how much I love you

Abro os olhos e percebo onde realmente estou. A música continua e eu enxugo uma lágrima perdida que escapou, fungando enquanto mantendo o resto reprimido. Pelo menos eu não tive um colapso completo neste momento.

Isso é progresso, certo?

Cantarolo até o final, perdida nas notas e nas minhas lembranças no momento em que a voz de Yanna me interrompe.

- Ele ficou de novo hoje, não foi?

- Hm...? – Eu pergunto, retirando meus fones de ouvido e abrindo os olhos, triste de ter sido puxada para fora do meu pequeno paraíso.

Yanna está em pé na frente da minha mesa, olhando para mim com curiosidade. Ela repete a sua pergunta e eu posso sentir meu rosto esquentar com a menção... dele.

- Como você sabe? – Eu a desafio, já sabendo que eu realmente sou tão óbvia quando as coisas dão certo. Ele sempre me disse que poderia me ler como um livro.

- Você age diferente nos dias em que ele fica. – Yanna observa, tentando escolher as palavras certas para o que tinha para me dizer. – Como se houvesse uma corrente de felicidade através de todo o estresse.

Eu sorrio verdadeiramente, lembrando de como ele fazia eu me sentir nos dias que ficava mais um pouco no lugar em que nos conhecemos pela primeira vez.

- É tão difícil, Ya... – Eu admito, olhando para Yanna enquanto minhas palavras deixavam-me em um sussurro.

- Você nunca vai ser capaz de desistir dele, não é? – Ela pergunta, inclinando-se contra a minha mesa.

- Eu não acho que poderia, mesmo se eu quisesse.

Please, don't take my sunshine away

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