Agatha
- Mariana. – eu a chamo, demonstrando meu descontentamento através de minha voz, tentando lhe chamar a atenção. Ela está com os olhos em algum cara numa mesa próxima ao balcão e continua a me ignorar. – Você cuida disso? Eu preciso ir buscar uma coisa lá atrás.
Ela acena com a cabeça, mal olhando para mim. Nesse momento, eu apenas estou muito grata que as coisas na cafeteria se acalmaram no último par de horas. Pelo menos não é como se ela estivesse ignorando clientes. Eu precisava de ajuda extra e não podia ser muito precipitada em demiti-la, não importa o quão irritante ela seja.
Saí para a parte de trás do café e deslizei pelo vão aberto entre as paredes, deixando o peso de meu corpo descansar sobre elas enquanto eu alcançava a rachadura em um dos vasos derrubados. Recuperei um pacote escondido de Marlboro e um isqueiro. Talvez Yanna não conheça o meu esconderijo secreto, mas caso saiba, ela não disse uma palavra sobre isso para mim.
Eu só preciso dessa libertação. Só hoje. Jurei à ele que iria parar mas, ele não se lembra mais de nenhuma de nossas promessas.
Puxo um cigarro e o coloco entre meus lábios. Eu ascendo o isqueiro e assisto, fascinada pela chama laranja piscando. Meu dedo indicador trilha um caminho lento pela chama, quase insensível ao calor. Quando volto a repetir o movimento, a dor lancinante de uma queimadura me atinge. Encolho meu dedo e o coloco em minha boca, deixando o cigarro cair no esquecimento. Não é como se eu estivesse tentando me machucar, mas algumas vezes o sentimento de dor em um lugar que não seja no meu coração parece... bom, pensando assim parece perturbador demais.
Meu dedo para de latejar até que se torna uma dor incômoda. Pego o cigarro do chão, limpando-o antes de colocá-lo de volta na minha boca e, finalmente, acendê-lo. Eu dou uma inspiração profunda quando a fumaça invade meus pulmões e uma onda de inundações de calma entra em meu corpo. O pior de tudo é que eu sei que é apenas passageiro.
Eu fecho meus olhos enquanto fumo e flashes da minha manhã passam pela minha mente. Havia um casal que entrou depois que Rodrigo saiu e foi por um milagre que eu não tive um colapso completo. Eles estavam de costas para mim e o homem esfregou os ombros da mulher em sua frente. Ele se inclinou sobre ela, sussurrando em seu ouvido. Pude ouvi-la rir do que foi dito. Quando ela se virou para ele, vi que ela estava grávida. Minhas mãos tremeram tão forte no momento que, a caneca que eu estava enchendo escorregou e se espatifou contra o chão, criando uma confusão de cerâmica e café. Felizmente, Yanna estava por perto e trouxe mais um esfregão para limpar a minha bagunça, para que eu pudesse trabalhar sem derramar um copo de café novo.
Não é como se cada pequena coisa me deixasse assim. Eu não sou tão frágil. Eu vejo mulheres grávidas quase que diariamente e sempre sou capaz de lidar com isso. Mas isso... isso era diferente. Mais familiar de certa forma. Talvez fosse o jeito que ela olhou para ele, ou a forma amorosa com que ele a tocou, com cautela. Enquanto esperavam na fila, o homem passou os braços em volta dela, esfregando a barriga e sussurrando as coisas mais bonitas em seu ouvido. Ele tocou um anel de ouro que estava colocado em volta do pescoço dela. Talvez sua aliança de casamento era pequena demais para caber sobre seus dedos inchados. Eu os assisti por um tempo, com ciúmes e tristeza, ansiando por algo que talvez eu nunca mais pudesse ter. Algo que eu não me permitiria procurar em outro lugar.
Uma névoa de fumaça dançava na frente dos meus olhos, fazendo-lhes lacrimejar. Meu cigarro agora é só cinzas. Eu o jogo no chão e amasso com meus pés. Passo a mão pelos meus olhos e sinto lágrimas – eu não tenho certeza se é por causa da fumaça ou a memória de mais cedo.
Observar o casal – feliz, despreocupado, e obviamente, apaixonados – fez-me lembrar do que já tive. Eu torço meu próprio anel de ouro no meu dedo e penso sobre como Rodrigo estava hoje mais cedo. Ele olhou para mim, para o meu dedo, quase com anseio. Se ele soubesse...
- INFERNO! – eu não consigo evitar um grito que cruza minha garganta ao pensar nele. Pego uma pedra próxima e a jogo no vão. Ela atinge alguma parte metálica, fazendo um barulho alto, satisfatório. Estou tão irritada que eu quero quebrar alguma coisa, machucar alguma coisa. Em vez disso, eu me inclino para trás, puxo outro cigarro e acendo. Fecho os olhos e me permito lembrar da cena que venho evitando há alguns dias, mesmo que apenas por um breve minuto.
Cetim branco e rendas... Dois anéis idênticos, de ouro... Em pé no altar em frente dos nossos amigos e familiares, comprometendo-nos a amar e cuidar um do outro até que a morte nos separe.
Morte.
Eu jurei não o deixar até que a morte nos separasse e eu preso nossos votos. Mal sabia eu no momento, que há coisas muito piores do que a morte.
Quando Yanna me encontra, o maço de cigarros está vazio. Meu rosto está riscado de lágrimas secas e meus olhos estão irritados e inchados. Felizmente, ela não diz uma palavra, apenas me levanta e me permite inclinar sobre ela até chegar ao banheiro dos funcionários. Ela pega um pouco de água quente na pia e oferece-me uma toalha molhada para lavar meu rosto. Ela passa os dedos através do meu cabelo, penteando-o até eu parecer apresentável de novo.
Com um abraço, ela pressiona um beijo na minha bochecha antes de deixar-me saber que eu tenho alguma papelada para olhar em meu escritório enquanto ela mantém um olho na parte da frente. É como se Yanna soubesse que nada de bom viria de mim se eu estivesse entre as pessoas agora. Eu não tenho certeza de quantas vezes por semana isso acontece, mas ela consegue passar através de cada uma.
Eu não tenho certeza por quanto tempo mais qualquer um de nós consegue fazer isso.