A pessoa do lado de fora da biblioteca provavelmente não tinha nada a ver com o rei, disse Celaena
a si mesma conforme caminhava — ainda sem correr — pelo corredor até o quarto. Havia muitas
pessoas estranhas em um castelo tão grande, e embora Celaena raramente visse outra alma na
biblioteca, talvez algumas pessoas apenas... quisessem ir à biblioteca sozinhas. E incógnitas. Em
uma corte em que ler estava tão fora de moda, talvez fosse apenas algum cortesão ou cortesã
tentando esconder dos amigos debochados uma paixão por livros.
Um cortesão animalesco e bizarro. Que fizera com que o amuleto brilhasse.
Celaena entrou no quarto assim que o eclipse lunar começava e resmungou.
— É claro que há um eclipse — murmurou ela, afastando-se das portas da varanda e se
aproximando da tapeçaria estendida na parede.
E embora não quisesse, embora desejasse jamais ver Elena de novo... precisava de respostas.
Talvez a rainha morta risse de Celaena e dissesse que não era nada. Pelos deuses, ela esperava
que Elena dissesse isso. Porque se não...
Celaena balançou a cabeça e olhou para Ligeirinha.
— Quer se juntar a mim? — A cadela, como se sentisse o que a dona estava prestes a fazer,
tratou de andar em círculos na cama e se enroscar dando uma bufada.
— Foi o que pensei.
Em apenas segundos, Celaena empurrou a grande cômoda de gavetas que ficava diante da
tapeçaria escondendo a porta secreta, pegou uma vela e começou a descer, descer e descer pelas
escadas esquecidas que davam no andar bem abaixo.
Os três arcos de pedra a cumprimentaram. Aquele à esquerda conduzia a uma passagem que
permitia espionar o salão de baile. O do centro dava para os esgotos e para a saída escondida que
algum dia poderia salvar a vida de Celaena. E aquele à direita... Aquele levava ao mausoléu
esquecido da antiga rainha.
Conforme caminhava até o mausoléu, Celaena não ousou olhar para o andar em que havia
descoberto Cain conjurando o ridderak de outro mundo, embora os destroços da porta que a
criatura destruiu ainda cobrissem a escada. Havia rombos na parede de pedra por onde o ridderak
saíra, quebrando-a para perseguir Celaena em direção ao mausoléu, até que ela mal conseguira
alcançar Damaris, a espada do rei Gavin, havia muito falecido, a tempo de matar o monstro.
Celaena olhou para a mão, onde um círculo de cicatrizes brancas perfurava-lhe a palma e
circulava o polegar. Se Nehemia não a tivesse encontrado naquela noite, o veneno da mordida do
ridderak a teria matado.
Por fim, a assassina chegou à porta na base da escada espiralada e se viu encarando a aldraba
de bronze em formato de caveira no centro da porta.
Talvez aquilo não tivesse sido uma boa ideia. Talvez as respostas não valessem a pena.
Ela deveria voltar. Pensando bem, aquilo era não era uma boa ideia.
Elena parecera satisfeita por Celaena ter obedecido à sua ordem de se tornar campeã do rei,
mas se desse as caras, pareceria que estava se voluntariando para executar mais uma das tarefas de
Elena. E Wyrd sabia que Celaena tinha coisas demais com que se preocupar no momento.
Mesmo que aquilo — que aquela coisa no corredor ainda há pouco não parecesse amigável.
A aldraba de caveira pareceu sorrir para Celaena, os olhos ocos fixos nos dela.
Pelos deuses, ela deveria virar as costas.
Mas seus dedos estavam, de alguma forma, apontados para a maçaneta, como se a mão
invisível de alguém a guiasse...
— Não vai bater?
Celaena deu um salto para trás, uma adaga já nas mãos e inclinada para derramar sangue
enquanto pressionava o corpo contra a parede. Era impossível — ela precisava ter imaginado
aquilo.
A aldraba de caveira tinha falado. A boca do objeto se movera para cima e para baixo.
Sim, aquilo era certamente, absolutamente, inegavelmente impossível. Muito mais improvável
e incompreensível do que qualquer coisa que Elena tivesse dito ou feito.
Encarando-a com os olhos metálicos brilhantes, a caveira de bronze estalou a língua. Aquilo
tinha uma língua.
Talvez Celaena tivesse escorregado nas escadas e batido com a cabeça nas pedras. Isso faria muito mais sentido do que aquilo. Uma torrente infinita e imunda de xingamentos começou a
percorrer sua mente, cada um mais vulgar do que o seguinte, quando olhou, boquiaberta, para a
aldraba.
— Ah, não seja tão patética — falou a caveira, bufando, com os olhos semicerrados. — Estou
preso a esta porta. Não posso lhe fazer mal.
— Mas você é... — Celaena engoliu em seco — mágico.
Era impossível — deveria ser impossível. A magia tinha sumido, desaparecera da terra havia
dez anos, antes de sequer ser considerada ilegal pelo rei.
— Tudo neste mundo é mágico. Muitíssimo obrigado por afirmar o óbvio.
Celaena acalmou a mente acelerada por tempo o suficiente para dizer:
— Mas a magia não funciona mais.
— Magia nova não funciona. Mas o rei não pode apagar antigos feitiços, feitos com poderes
ainda mais antigos... como as marcas de Wyrd. Aqueles feitiços antigos se mantêm até hoje;
principalmente os que dão vida.
— Você... está vivo?
A aldraba deu um risinho.
— Vivo? Sou feito de bronze. Não respiro, não como ou bebo. Então não, não estou vivo.
Também não estou morto, se faz diferença. Eu simplesmente existo.
Celaena encarou a pequena aldraba. Não era maior do que seu punho.
— Você deveria pedir desculpas — falou o objeto. — Não faz ideia de como tem sido
barulhenta e entediante nos últimos meses, com toda essa correria por aqui e a matança de bestas
fedidas. Fiquei quieto até achar que você havia testemunhado coisas estranhas o suficiente para
aceitar minha existência. Mas, pelo visto, serei desapontado.
Com as mãos trêmulas, Celaena embainhou a adaga e apoiou a vela.
— Fico tão feliz por finalmente ter achado que sou digna de que fale comigo.
A caveira de bronze fechou os olhos. Ela possuía pálpebras. Como Celaena não havia reparado
antes?
— Por que eu deveria falar com alguém que não tem a cortesia de me cumprimentar, ou
mesmo de bater à porta?
Celaena respirou para se acalmar e olhou para a porta. As pedras do portal ainda exibiam
buracos onde o ridderak havia passado.
— Ela está aí dentro?
— Quem está aí dentro? — falou a caveira, timidamente.
— Elena... a rainha.
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coroa da meia noite
FanfictionCelaena Sardothien, a melhor assassina de Adarlan, tornou-se a assassina real depois de vencer a competição do rei e se livrar da escravidão. Mas sua lealdade nunca esteve com a coroa. Tudo o que deseja é ser livre e fazer justiça. Nos arredores do...