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Celaena disparou pelas ruas da cidade, desfazendo-se do manto e das armas pesadas conforme
corria, qualquer coisa para lhe dar mais velocidade, qualquer coisa para chegar ao castelo antes que
Nehemia... Antes que Nehemia...
Um relógio começou a soar em algum lugar da capital, e uma vida inteira passou entre cada
badalada ressoante.
Era tarde o bastante para que as ruas estivessem na maior parte desertas, mas as pessoas que a
viam se mantinham bem distantes conforme Celaena disparava por elas, os pulmões quase se
estilhaçando. Ela afastou a dor, desejando força para as pernas, rezando para quaisquer deuses que
ainda se importassem para que lhe dessem agilidade e força. Quem o rei usaria? Se não Chaol,
então quem?
A assassina não se importava se fosse o próprio rei. Ela o destruiria. E aquela ameaça anônima
a Nehemia — Celaena desvendaria isso também.
O castelo de vidro se aproximava, imponente, as torres cristalinas brilhando com uma luz
esverdeada pálida.
De novo não. De novo não, disse a si mesma a cada passo, cada batida do coração. Por favor.
Ela não podia pegar o portão da frente. Os guardas ali certamente a impediriam ou causariam
um alarde que poderia levar o assassino desconhecido a agir mais rápido. Havia uma muralha de
pedra alta beirando um dos jardins; estava mais próxima e era bem menos monitorada.
Celaena poderia jurar que ouviu cascos ecoando atrás de si, mas não havia nada no mundo
exceto ela e a distância até Nehemia. A assassina encarou a muralha de pedra que cercava o jardim,o sangue rugiu nos ouvidos quando ela correu e deu um salto em direção à muralha.
Acertou a lateral de forma mais silenciosa possível, os dedos e os pés encontrando
imediatamente um apoio, cravando as mãos com tanta força que as unhas racharam. Celaena
escalou e atravessou a muralha antes que os guardas sequer olhassem naquela direção.
Pousou no caminho de cascalho do jardim, caindo com as mãos no chão. Em algum lugar no
fundo da mente, ela registrou dor nas palmas das mãos, mas já estava correndo de novo,
disparando agilmente na direção das portas de vidro que davam no castelo. Trilhas de neve
brilhavam azuis ao luar. Ela iria para o quarto de Nehemia primeiro — iria para lá e trancaria
Nehemia em segurança, então eliminaria o desgraçado que estava atrás da princesa.
Os homens de Archer podiam ir para o inferno. Celaena os havia derrotado em questão de
segundos. Quem quer que fosse enviado para ferir Nehemia — essa pessoa era dela. Dela, para
desmembrar aos poucos, até acabar com a vida. Celaena atiraria os restos mortais aos pés do rei.
Ela escancarou uma das portas de vidro. Havia guardas caminhando, mas Celaena escolhera
aquela entrada porque eles a conheciam — e conheciam seu rosto. A assassina não esperava, no
entanto, ver Dorian conversando com eles. Os olhos cor de safira do príncipe não passaram de um
borrão colorido quando Celaena disparou por ele.
Ela conseguia ouvir gritos atrás de si, mas não pararia, não podia parar. Não de novo. Nunca
mais.
Celaena chegou às escadas, pulando de dois em dois ou três em três os degraus, as pernas
trêmulas. Apenas um pouco mais longe — os aposentos de Nehemia ficavam somente um nível
acima, e dois corredores adiante. Era a Assassina de Adarlan — era Celaena Sardothien. Não
falharia. Os deuses deviam a ela. Wyrd devia a ela. Celaena não falharia com Nehemia. Não
quando tantas palavras terríveis tinham sido deixadas entre as duas.
Chegou ao topo das escadas. Os gritos atrás dela aumentavam; as pessoas gritavam seu nome.
Celaena não pararia para ninguém.
Ela se virou no familiar corredor, quase soluçando com alívio ao ver a porta de madeira. Estava
fechada; não havia sinais de arrombamento.
A assassina sacou as duas adagas restantes, conjurando as palavras de que precisaria para
explicar rapidamente à princesa como e onde se esconder. Quando o agressor chegasse, a única
tarefa de Nehemia seria ficar calada e escondida. Celaena lidaria com o resto. E teria muito prazer
ao fazer isso.
Celaena chegou à porta e a escancarou, estourando as trancas.
O mundo se reduziu à batida de um tambor velho e infinito.
Celaena avaliou o quarto.
O sangue estava por toda parte.
Diante da cama, os seguranças de Nehemia estavam com as gargantas cortadas de orelha a
orelha, os órgãos internos esparramados no chão.
E na cama...
Na cama...
Ela ouvia os gritos se aproximando, chegando ao quarto, mas as palavras estavam, de alguma
forma, abafadas, como se ela estivesse debaixo d’água e os sons viessem da superfície.
Celaena ficou no centro do quarto congelante, olhando para a cama, e para o corpo
desconjuntado da princesa sobre ela.
Nehemia estava morta.

coroa da meia noite Onde histórias criam vida. Descubra agora