Capítulo 2: London, the gray city.

157 15 20
                                    


                                                                              Londres, UK

                                                             Memórias de Abril de 1976

    "Sai um expresso!"

    Acredito que essa foi a frase que mais falei quando cheguei à grande e cinza Londres.

    Sair de Ryedale sempre foi o meu maior sonho, mas convenhamos, quando fazermos grandes planos, nunca pensamos no que pode vim depois, até porque, nunca imaginamos alcançar nossos sonhos de fato. Incrível, não acham? Mas essa sim é a essência dos sonhos. Vendo por esse ponto é bem bizarro. Todavia, a vida é bizarra por si só.

    Mas enfim, acho que qualquer garota de 20 anos pensa em deixar para trás a minúscula Ryedale, principalmente, quando se trata da garota mais encrenca do pequeno distrito.

    Minha infância foi muito tranquila, a quarta de cinco filhas, para ressaltar, todas ruivas. Eu até adorava o campo e sua tranquilidade, de fato fui uma criança feliz.... Mas essa felicidade enterrou-se a sete palmos de chão e tudo decidiu ficar de cabeça para baixo. Um assunto muito complexo para se dizer. Minha única saída, foi aceitar essa vida virada e sacudi-la sem temer.

    Foi assim que ganhei o apelido de Devil's Pepper. Uma astuta referência aos meus cabelos ruivos, mas principalmente por eu ter sido o diabo em forma de garota.

A peste.

A drogada.

A filha de satanás.

A Devil's Pepper.

    Eu fui de fato uma dor de cabeça para minha família... Não por ela se importar com minhas danações, mas por sempre eu importunar outras famílias... e a polícia local. Contudo, não foi fácil lutar contra os meus dias sombrios.

    O ser humano não vive só de desventuras.... Eu tinha sonhos, mesmo que não aparentasse, eu tinha muitos sonhos, e foram eles que deram um jeito em minha vida.

   A luz no fim do túnel chegou para mim em formato de carta.

    Aos meus 20 anos sai do meu minúsculo pedaço de chão para cursar medicina na grandiosa Queen Mary University of London. Acreditem, nem eu mesma sei como fui para lá, o maior sonho da minha vida veio por carta numa tarde quente de quinta-feira, avisando-me que eu estava classificada para estudar medicina em Londres.

Que loucura!

    Se soubessem que essa carta valia mais que ouro para mim, com certeza, não teriam deixado chegar em minhas mãos.

    Lembro-me bem da sensação de ligar o "Foda-se" e simplesmente arrumar as malas para viver minha vida longe de minhas quatro irmãs, da "cubo de gelo" da minha mãe e das memórias, as quais me atormentavam e me alimentavam de uma certa forma simultânea. A única coisa que me apertava o coração era deixar minha vozinha, principalmente, por causa da sua torta de maçã...

    Mas, fala sério, era Londres e medicina na Queen Mary, meus amados.

    Tudo que eu queria, era viver minha vida sem ter que compartilhar quarto com alguém, sem ter que escutar ladainhas e desaforos de outro alguém... Sem ninguém para dizer o que devo fazer.

FINALMENTE MINHA LIBERDADE.

Mas...

Não foi bem assim!

É agora onde entra a parte do "pós sonhos realizados', parte em que nunca planejamos nada.

   Eu não conhecia ninguém em Londres. Toda minha vida foi resumida a Ryedale, e isso significava que meu único abrigo em Londres seria embaixo de uma ponte.

   Por minha sorte (acredito), eu era amiga de Rosie Mary, uma garota que passei três anos da minha adolescência matando aula para fumar Marijuana (entende agora como eu me surpreendi por ter conseguido uma vaga em uma das maiores universidades de Londres?).

   Bem, Rosie Mary não pode ser muito importante na história para você, mas se não fosse por ela, com certeza, nada disso tudo estaria acontecendo. Meu sonho iria por água abaixo se eu não encontrasse, o mais rápido possível, um lugar para descansar a cabeça que não fosse concreto com cheiro de xixi.

   Foi nesse requisito que Rosie Mary me salvou. Minha amiga de tragadas tinha uma prima que morava em um apartamento (mais para apErtamento) no leste de Londres. Com dificuldades para pagar o apê, essa tal prima de Rosie Mary precisava de uma "colega de quarto".

   E dessa forma, lá se ia meu sonho de não compartilhar "quarto" com ninguém, ruindo-se em um colapso mortal.

   Mas melhor assim, do que não sair de Ryedale, não acham?

   E foi dessa forma que conheci Madalena, prima mais velha de Rosie Mary, a primeira pessoa que conheci em Londres (Não por ter opções) e que logo mais tarde eu descobri que era a distribuidora de cannabis de Rosie Mary.

   Madalena não era uma pessoa muito convencional. Provavelmente, por eu nunca ter tido contato com Londres, quem sabe, eu era a antiquada. A figura de Madalena era assustadoramente bizarra. A primeira vez que a vi, lembro-me muito bem disso, tomei um belo susto de quase cair no chão por conta dos seus cabelos negros ondulados e esvoaçantes, ao ponto de quase cobrir todo o seu rosto, isso sem falar pelo seu gosto em fazer por si só sua moda. Madalena era estranha e às vezes eu a achava que ela falava outra língua, a morena sempre estava com a cabeça nas nuvens e com o olhar perdido, mas ela era uma pessoa boa (mesmo que metida à traficante de Brick Lane), eu aprendi a gostar dela, até porque, se não fosse meu ET Madalena, eu não teria dinheiro para um curativo.

   Sim, foi minha colega de apê que me arranjou um emprego. Madalena trabalhava em uma pequena cafeteria estilo vintage chamada Lady's Coffee no pouco conhecido oásis por trás da Tower Bridge: St Katharine Docks. Lembro-me bem que Lady's Coffe não estavam precisando de funcionários na época, mas Madalena, além de bizarra, era a malandragem em pessoa. Acredito que foi com essa sua característica especial que ela me conseguiu um empreguinho para me ajudar nas despesas. Não me importo como ela havia conseguido, o que de fato importava era estar lá trabalhando. Bem, foi assim que "Sai um expresso! " tornou-se a frase mais falada em meu dia a dia em um só mês em Londres.

Parece depressivo, não acha?

Até que era.

    Mas o que pouco sabia aquela jovem Delilah recém-chegada em Londres era que aquela cafeteria mudaria sua vida por completo e que cada sofrimento naquele local valeria uma vida toda e até mais. Foi lá ondes minhas joias reluziram pela primeira vez e eu nem fazia ideia do que se tratava.

Boba Delilah.

   Bom que você foi boba o suficiente para tudo dá certo.

   Eu sei que esses detalhes pouco importam para vocês.

   Pode ser cansativo, meu caro amigo, mas eu preciso que entenda como tudo começou.

    Seria muito fácil jogar aqui lembranças avulsas sem explicar nada além dos momentos aleatórios. Todavia, acredito que você não compreenderia um traço da reta, assim como você poderia ter impressões erradas da pessoa que fui e das pessoas que me aproximei.

É uma história que deve ser como uma sonata de Beethoven.

Até porque trata-se dos meus momentos mais valiosos possíveis.

                                                                 Paciência!

                                           (Coisa que não tive... Amém!)

I Was Born To Love YouOnde histórias criam vida. Descubra agora