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Segunda-Feira.

Silencio.

O máximo que eu podia ouvir era uma música baixa e instrumental, que eu possivelmente conhecia, mas nada conseguia entrar na minha mente agora. As paredes brancas eram sufocantes e o quadro com um grande sorriso escrito em letras gigantescas "sorria mais" era quase pavoroso.

Talvez em uma situação diferente eu acharia o ambiente bem tranquilo. Talvez se eu não tivesse que estar ali duas vezes na semana pra falar de coisas não muito animadoras. Talvez se eu não estivesse em transe pensando em milhares de talvez.

Despertei do transe quando meu marido começou a cutucar de leve meu braço, me chamando para o acompanhar até uma das salas. Não lembro de ter ouvido sua voz. Tudo era tão... Automático. No momento seguinte já estava sentado ao seu lado, nossas mãos entrelaçadas no meu colo e lágrimas descendo pelos meus olhos inchados e avermelhados.

Algumas horas depois eu já estava sozinho no meu apartamento jogado no sofá e o barulho do microondas alguns minutos depois chegava a machucar os tímpanos destruindo todo aquele silêncio ensurdecedor. Percebi que aquele yakisoba pela metade de quase uma semana atrás não seria suficiente para minha fome de quase 2 dias completos sem comer, então era melhor dormir. Dormir até precisar voltar à aquele consultório. Dormir por um dia inteiro.





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Quarta-Feira.

Angústia.

Os remédios que tomei por quase um dia inteiro para não acordar ainda faziam certo efeito no meu corpo, o que fez eu chegar alguns minutos atrasado. Como eu não tinha nada pra dizer supus estar tudo bem. No momento que entrei na sala de espera ouvi meu nome ser chamado em uma das salas e um homem baixinho saiu dela indo até onde eu estava. Parado. Imóvel.

O sorriso do psicólogo parado com a mão no meu ombro me fez perceber que tudo aquilo era real e tudo que eu não queria era fazer parte da realidade. Tentei retribuir o sorriso, mas meu corpo me traiu e pude sentir uma lagrima escorrendo pelo meu rosto. "A nossa sala é a ultima". Foi tudo que eu consegui absorver e sem me lembrar dos meus passos eu estava sentado em um sofá de couro marrom com os braços apoiados nas pernas e as mãos escondendo os olhos vermelhos.

"Sr. Way? Está tudo bem?" Suas mãos tentavam afastar as minhas do meu rosto e eu percebi que nem mesmo sabia seu nome, mas sua voz era tão calma... "Talvez devesse tomar um pouco d'agua"

"Obrigado" Minha voz saiu tão fraca que se ele não estivesse sentado ao meu lado era improvável perceber que eu tinha falado alguma coisa.

Peguei algumas das pílulas de cafeina que sempre carregava comigo e tomei umas duas ou três. Respirei fundo mantendo os olhos fechados e senti o copo vazio ser substituído por um par de mãos. Eram macias e o toque sutil transmitia algo que não sentia a anos. Tranquilidade.

"Se sente pronto para falar?" Assenti ainda com os olhos fechados e o toque de nossas mãos foi quebrado. Percebi que ele tinha se levantado e abri os olhos lentamente por causa da claridade. Ele se sentou em uma grande poltrona do outro lado da sala e diminuiu a luz quando percebeu meu incômodo. "Como se sente, Sr. Way?"

Não sabia como responder essa pergunta. Eu sabia que não estava bem, mas não sabia dizer como me sentia. Passei a girar a aliança no meu dedo como se aquilo fosse me dar uma resposta, quando na verdade, aquela aliança era a maior das respostas "Sr. Way? Gerard?"

"Desculpa" A palavra saiu por entre meus lábios trêmulos no instante em que nossos olhos se encontraram. Eu não poderia falar aquilo em voz alta. Não poderia dizer aquelas palavras senão elas seriam ainda mais reais. Não poderia simplesmente dizer que Bert tinha me traído e quebrado meu coração "Eu não consigo dizer, Dr."

"Você pode dizer o que quiser, Gerard" Ele não parecia chateado com o fato de eu não querer falar sobre aquilo, mas eu sabia que uma hora eu precisava dizer e isso só fez eu querer sair dali o mais rápido possível "Quer me contar o que fez durante essa semana?"

"E-eu dormi"

"O que mais? Sua ficha me diz que é um artista. O que você faz? Quadros ou talvez livros?"

"Eu não to mais trabalhando" Os olhos dele pareciam procurar alguma coisa em mim e algo me dizia que era a esperança que eu já tinha perdido a meses "Eu só dormi"

"Então me diz uma coisa que você gosta de fazer, pode ser mais de uma também" Era provável que eu fiz alguma cara engraçada já que ouvi uma risada baixa vinda do psicologo e logo ele voltou a falar "Pode ser o que você gostava de fazer antes de apenas dormir"

Eu sabia o que gostava de fazer antes de uma tsunami de coisas ruins destruir tudo no meu caminho, mas nada parecia a coisa certa a dizer. Seus olhos me diziam que eu podia confiar nele mas o que eu podia dizer? Que eu era uma puta até encontrar alguém que me disse ser o amor da minha vida e acabou me traindo no momento mais difícil da minha vida? Talvez fosse melhor dizer apenas o básico "Beber, talvez algo mais forte"

"Costumava usar drogas alem do álcool, Gerard?" Sua voz continuava calma mas a menção ao meu passado me fez algo remexer dentro do meu estômago, mas sorri ao lembrar como aquelas noites eram divertidas "Não deveria dizer isso para um paciente mas particularmente sinto falta das minhas noites de sexo, álcool e drogas também" Aquele sorriso sincero que ele exibia transmitia coisas tão boas que eu apenas me deixei sorrir junto.

"Eu sinto falta de quando podia me sentir livre" Disse ainda sorrindo e ele pareceu satisfeito com aquilo "Eu era tão expontâneo e, mesmo que a maior parte do tempo fizesse coisas erradas, era prazeroso viver"

"E o que mudou?"

"Eu cresci, me casei e arrumei um emprego que me forçava a ficar 24 horas por dia na frente de um computador"

"E o que te prende?" Antes que eu pudesse pensar na resposta para aquela pergunta o celular do Dr. tocou e ele apenas desligou a chamada voltando a falar "Podemos usar essa pergunta como lição de casa. Você pode escolher entre me trazer a resposta na semana que vem ou me mandar uma mensagem"

"Tudo bem se eu mandar mensagens?"

"Claro. Qualquer dia e qualquer hora" Mais uma vez ele ostentava aquele sorriso tão verdadeiro e calmo enquanto se levantava e apertava a minha mão "Não prometo responder as mensagens na hora mas farei o possível"

"Obrigado, Dr." Sorri apertando sua mão de volta me sentindo de certa forma mais confiante que aquilo poderia dar certo "Até semana que vem?"

"Até semana que vem, Gerard" Nossa conversa fluiu tão bem ao final da consulta que me senti quase que animado de voltar na próxima semana "Você pode me chamar de Frank daqui pra frente se preferir"

Frank. Soava bem.

Talvez a ideia de fazer terapia não fosse assim tão ruim.

What's Your Poison?Onde histórias criam vida. Descubra agora