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Sexta-Feira.

Indeterminado.

Lily e Cherry passariam o dia comigo de novo e em um dia normal isso me deixaria bem animado. Claro, se eu não tivesse recebido uma mensagem logo pela manhã de um número desconhecido que me deixou bem abalado, e mesmo se eu me esforçasse era difícil não reconhecer aquelas palavras que já foram tão frequentes.

De: Desconhecido

Para: Gerard

"Soube que aquele cara te deixou. O que você fez dessa vez, Gerard? Não me entenda errado porque isso é um alívio pra mim. Aquele cara era péssimo mas ainda muito bom pra você. Você é tudo que me restou e não consegue fazer nada direito. Agora só me diz quando vai começar a viver a vida como um adulto e dar orgulho a sua família. Me responde quando resolver sua vida e parar com essa brincadeira de faz de conta dizendo ser um 'artista'. Eu falo isso pro seu bem, você sabe, né? Te amo, filho"

Minha mãe nunca foi uma grande fã de arte, ou minha fã e qualquer outra coisa que eu escolhesse fazer. Depois que a vovó morreu e Michael resolveu se tornar um grande filho da puta e ir embora deixando todos pra trás, ela surtou e começou a descontar em mim e meu pai. Meu pai sempre foi um merda e nem tentou lidar com os ataques dela bêbada quase todos os dias e a deixou. Hoje ela só tem a mim para fazer infeliz porque ela se sente infeliz.

As meninas chegariam em menos de uma hora e eu ainda estava deitado olhando para o nada pensando naquelas palavras. Eu tinha um emprego agora, certo? O que eu deveria dizer para Frank sobre as meninas? Que droga Gerard. Por que você tem que ser tão confuso?

Mandei uma mensagem para Frank dizendo que não me sentia bem para receber as meninas e menos de um minuto depois recebi uma carinha triste em resposta e tentei não pensar em como aquilo era de certa forma até adorável. Ai recebi outra mensagem.

De: Frank

Para: Gerard

"Chego ai em 20 minutos e arrumo uma boa desculpa para as meninas falando que você ainda está doente e eu vou cuidar de você ou sei lá"

Eu podia dizer pra ele não vir mas sinceramente eu não queria dizer isso. Eu queria vê-lo e me sentir amado mesmo que fosse coisa da minha cabeça e Frank não me amasse. Eu precisava sentir algo bom naquele momento e seria melhor que não fosse as drogas, o álcool ou os remédios. Eu precisava dele.

Não demorou muito para que ele chegasse e eu tive que sair da cama, sem nem ter escovado os dentes ou arrumado o cabelo e não ligava muito pra essas coisas agora. Abri a porta e vi uma das coisas mais inusitadas possível. Frank estava com uma pizza em uma mão e uma sacola na outra que eu não conseguia ver o que tinha dentro.

"Surpresa?" Ele sorria tentando me passar calma com aquele característico brilho nos olhos e o máximo que consegui foi sorrir levemente de volta meio confuso.

"Não precisava vir aqui, você sabe né?" Minha voz era quase inaudível "Desculpa. Eu to uma enorme bagunça"

Ele entrou e colocou as coisas no balcão quase ignorando o que eu falava e apenas acenando para que eu soubesse que ele estava ouvindo ainda sem responder. Era engraçado ver como ele já conhecia tão bem minha casa e se virava bem sozinho colocando coisas na geladeira e fatias de pizza em pratos enquanto eu estava parado olhando o que ele fazia sem sair do lugar. Ele ainda era meu psicólogo mas estava se tornando mais especial pra mim a cada visita.

Graças a Frank eu tinha um emprego agora e poderia fazer algo que amo enquanto ajudo as pessoas. Enquanto estou do seu lado também. Não tenho certeza quanto minha mãe, mas minha avó estaria orgulhosa de mim com toda certeza que posso ter. Frank me fazia bem não só como meu psicólogo mas ele me fazia bem no geral. E eu não tenho ideia se isso é tão bom quanto parece ser enquanto ele tá aqui comigo. Eu ainda sei que ele tem que voltar para sua casa e sua vida que eu não faço parte e nunca farei.

Assisti ele arrumar a mesa calmamente enquanto eu me perdia nos meus pensamentos sobre nossa relação profissional e pessoal. Me sentei ao seu lado quando ele me chamou com a mão e encarei a pizza sem saber o que falar então ouvi a sua voz calma enquanto sentia sua mão sobre a minha, como ele fazia em nossas consultas.

"Eu to aqui com você" Não pude deixar de sorrir com as palavras mas não me sentia inteiramente ali com ele "Eu vou passar o dia inteiro te enchendo de porcarias, tipo pizza, sorvete e refrigerante, também podemos assistir um filme de terror qualquer que seja bem ruim só pra ter algo pra rir igual duas adolescentes em uma festa do pijama"

"Frank" Ele me encarou com aqueles olhos bonitos e calmos que me tiravam da realidade "Eu não sei mais o que fazer"

"Quer conversar sobre o que aconteceu?" No instante que meus olhos encontraram os seus mais uma vez senti a primeira lágrima manchar meu rosto. A primeira de muitas lágrimas pesadas e carregadas de dor "Vai ficar tudo bem, Gee"

"Não vai. Nunca fica" Senti seus braços ao meu redor me apertando com mais força do que de costume. Como se ele quisesse me manter ali protegido de tudo pelo resto das nossas vidas "Ela me odeia e é culpa minha"

Frank não sabia do que eu falava ou de quem eu falava mas eu, assim como ele, não fazia questão de falar sobre o assunto agora. A única coisa que eu fazia questão era estar entre aqueles braços onde me sentia tão bem e seguro.

O restante do dia foi exatamente como ele havia falado. Uma festa do pijama adolescente em plena sexta-feira à tarde. Fizemos pipoca e tentamos acerta-las na boca um do outro, acabamos com um pote de sorvete de flocos inteiro em menos de 20 minutos, as garrafas vazias de refrigerante foram usadas como microfone em um karaokê improvisado com vídeos achados na internet e ainda assistimos um filme clichê onde médicos tentavam ressuscitar pessoas mortas e obviamente tudo dava errado.

Já era por volta das oito da noite quando Frank decidiu cochichar no meu ouvido que precisava ir embora me fazendo sentir uma necessidade ainda maior da sua presença ali. Eu sabia que esse momento chegaria mas ainda não queria ficar sozinho a noite toda naquele apartamento vazio e silencioso onde eu podia ouvir a minha mente tão claramente e que acabaria me levando até as quase esquecidas pílulas vermelhas.

"As meninas ainda estão com a babá?" Perguntei quando ele deitou a cabeça no meu ombro e o ouvi resmungar uma resposta negativa "Com quem elas estão?"

"Minha mãe" Ele fechou os olhos me abraçando e parecia a um passo de estar sonhando antes mesmo de dormir "Ela cuida delas à noite quando eu saio" E aquela frase saiu quase como um sussurro preguiçoso.

"Dorme aqui" Dei um beijo em sua testa e ele sorriu "Elas vão ficar bem, certo?" Ele abriu os olhos e parecia considerar o convite mas logo negou com a cabeça.

"Não posso dormir na casa do meu paciente depois de ter ficado o dia inteiro na casa dele" Revirei os olhos de imediato e ele riu "Gee, a gente não pode fazer isso"

"Fazer isso o que? Eu só acho que você tá muito cansado pra dirigir e seria irresponsável sair assim"

"Fofo. Mas ainda não posso ficar" A cada risada que ele dava eu fazia um bico ainda maior.

Ele se levantou do sofá me puxando e juntando nossos corpos em um abraço carinhoso e apertado. Era mais do que óbvio que ele não queria ir embora mas eu não tinha muitas opções a não ser respeitar sua decisão de ir. Nos separamos um tempo depois e seu braço ainda estava apoiado em meu ombro enquanto nos olhávamos sorrindo até ele se aproximar um pouco mais e deixar um beijo na minha bochecha e outro no meu nariz.

O clima ficou mais gelado depois de Frank ter ido embora e decidi tomar um banho quente para esquecer que eu estava mais uma vez sozinho. Coloquei um pijama quente e me enrolei nas cobertas imaginando Frank ali comigo enquanto eu apoiava minha cabeça em seu peito e adormecia sentindo seus lábios no topo da minha cabeça.

Eu não estava sozinho.

Certo?

What's Your Poison?Onde histórias criam vida. Descubra agora